MOBILIZAÇÃO: argentinos saíram às ruas para pressionar o governo

Nunca o mundo falou tanto sobre alimentos como nas últimas semanas. Segundo especialistas, milhões de pessoas deixaram a linha da miséria nos países emergentes. China e Índia, dois gigantes populacionais, são os melhores exemplos. Com o aumento do consumo, aliado a problemas climáticos em países produtores como Austrália e Argentina, por exemplo, criou-se o ambiente perfeito para que os estoques despencassem mundo afora. O ponto nevrálgico se encontra em produtos vitais para a alimentação dos povos, como arroz, milho e soja, com baixas reservas. Essa situação tem causado a preocupação de diferentes governos que buscam, em medidas protecionistas, a salvação de suas lavouras. Um tremendo abacaxi, que, até agora, vem sendo enfrentado de forma equivocada. Nesse embate global, quem melhor se posicionou foi o presidente Lula. “Se há essa inflação de alimentos, é uma inflação boa, porque os pobres do mundo estão comendo mais”, disse ele. “O jeito agora é ampliar a produção.” Simples assim.

O bom senso, no entanto, ainda não foi ouvido. No caso do arroz, problemas climáticos prejudicaram a produção na Austrália, reduzindo a oferta e puxando os preços. Argentina, Egito e Vietnã têm criado medidas unilaterais para restringir as exportações. Os argentinos proibiram a venda de trigo ao exterior e os egípcios, bem como os vietnamitas, proibiram a venda de arroz.

TEMPO QUENTE: a briga que começou na Argentina chegou até a FAO, onde Lula defendeu o etanol

O que muitos países não percebem é que o protecionismo pode ser o prior caminho. Não é preciso ir muito longe para encontrar um exemplo. A vizinha Argentina vive uma grave crise política, em função do anúncio do aumento das “retenções”, impostas sobre as exportações de produtos agrícolas, feito pelo ministro da Economia, Martín Lousteau. Indignados, os agricultores foram às ruas e realizaram um “panelaço” e estradas foram bloqueadas no corredor que concentra 80% de toda a produção. A revolta é por conta do aumento da taxação, que, no caso da soja, foi de 35% para 44,1%. Além disso, eles reivindicam o fim dos impostos “móveis”, atrelados ao preço internacional das commodities. Eles dão ao governo a possibilidade de ficar com até 95% do aumento, se os preços subirem acima de um determinado patamar. “É o maior absurdo da história. A lógica toda do governo agora é aumentar a arrecadação. Mas é um tiro no pé. Com essa taxação, o produtor vai deixar de produzir”, diz André Nassar, diretor do Instituto do Comércio e Negócios Internacionais (Ícone).

Nessa disputa, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, acusou o Brasil e os Estados Unidos de dumping nos biocombustíveis, questionou os benefícios do combustível no combate ao aquecimento global e ainda ressaltou que a cana-de-açúcar pode estimular a devastação de florestas. Justamente ele, que comanda o país que mais subsídios dá aos seus agricultores, contribuindo assim para a fome no mundo. Na verdade, a alta de preços nas gôndolas do supermercado tem explicações que vão muito além do etanol brasileiro que é um dos mais eficientes do mundo. Primeira: o custo dos insumos das lavouras tem crescido substancialmente nos últimos anos. Segunda: a conversão das lavouras de milho nos EUA, antes voltadas à alimentação, e agora destinadas à fabricação de etanol. Terceira: a seca que atingiu União Européia, Austrália e os EUA. O Brasil, ao contrário do que estão dizendo, tem é a solução para o problema de abastecimento global. A matriz energética brasileira não compete com a alimentação e o Brasil, como diz Roberto Rodrigues, “é o único País do mundo com 71 milhões de hectares não explorados ainda disponíveis para a agricultura”. Conclusão: o argumento que os bicombustíveis estão tomando espaço da produção de alimentos pode valer para os Estados Unidos, mas não para o Brasil. “Vocês podem ser a solução”, explica David Bloom, economista do HSBC. “Têm justamente aquilo que o mundo precisa: alimentos e energia”.