08/10/2018 - 11:00
Definitivamente, as operações de crédito relacionadas a energias renováveis, eficiência energética, gestão de água e de resíduos, floresta e agricultura sustentável estão na mira dos bancos, das empresas e dos produtores brasileiros. Eles se rendem, cada vez mais, à economia verde, um conceito criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), da Organização das Nações Unidas (ONU). “Os investimentos em tecnologias voltadas para a preservação ambiental não têm volta”, diz Miguel Renato Esperança, produtor de orquídeas e de rosas no sítio Santo Antonio, em Holambra (SP). “Esse movimento está só começando.” Esperança investiu R$ 592 mil, com recursos do Banco do Brasil e a juros anuais de 6,5%, na instalação de placas fotovoltaicas para a geração de energia elétrica. O sistema começou a funcionar no mês passado e vai gerar 150 quilowatts por hora, no pico da produção. A expectativa é atender 85% da demanda da propriedade.
Esperança faz parte de um público que desperta muito interesse ao setor financeiro. Atualmente, pelo menos 25% dos recursos liberados pelas instituições financeiras no País são destinados, principalmente, à agricultura de baixo carbono, preservação do meio ambiente, eficiência no uso de recursos naturais e inclusão social. Segundo estudo divulgado em junho pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), as 15 maiores instituições do País liberaram R$ 412,3 bilhões para a economia verde no ano passado. Esse total equivale a 27,6% de toda a carteira de empréstimos dessas instituições para pessoas jurídicas, que foi de R$ 1,5 trilhão. Os recursos liberados no ano passado representam um aumento de 33,4%, comparado aos R$ 309 bilhões do ano anterior. Na ocasião, eles representaram 18,8% da carteira de crédito dos bancos, de R$ 1,6 trilhão.
O estudo também mediu as emissões de títulos para os setores e as empresas da economia verde. Em 2017, elas foram de R$ 45,1 bilhões, valor 82,9% acima do ano anterior. Também se destaca nesse cenário o mercado de bonds, como genericamente são conhecidos os títulos de dívidas emitidos por companhias ou por governos no exterior. Os títulos verdes (green bonds, em inglês), dos bancos somaram R$ 8,1 bilhões, volume 181% acima do ano anterior. No Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi o primeiro do País a emitir green bonds no mercado internacional, em maio do ano passado. O título de US$ 1 bilhão foi listado na Bolsa Verde de Luxemburgo, expira em 2024 e tem um cupom de 4,75% ao ano. Além disso, pela primeira vez, em 2017, as instituições captaram recursos destinados à economia verde. O volume foi de R$ 3,23 bilhões.
O mercado é promissor e o sistema financeiro sabe disso. No caso de Esperança, produtor que se dedica às flores desde 1987 e hoje cultiva 22 hectares, a ideia agora é buscar mais recursos. Ele já calculou que precisa de R$ 900 mil para instalar placas fotovoltaicas em mais duas propriedades: uma no município de Andradas e outra em Jacutinga, ambos em Minas Gerais, onde cultiva rosas e astromélias. Cada um dos projetos deve gerar 90 quilowatts de energia, por hora. No caso do sítio de Holambra, a conta de consumo de eletricidade é de R$ 10 mil mensais. Nas propriedades mineiras, ela é de R$ 7 mil em cada uma. “Com as placas, espero reduzir em 5% o valor do consumo de energia elétrica, no custo total de produção”, afirma Esperança. “Além da energia limpa e mais barata, poderei utilizar mais tecnologia.” O custo de produção é R$ 350 reais por mês, para cada 25 mil vasos de orquídeas. A produção anual é de 300 mil vasos. Nas flores, que são para corte, o custo é de R$ 50 mil mês, por hectare. Por ano, são colhidas 13 milhões de hastes.
Para Tarcísio Hübner, vice-presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, há nos dias atuais uma maior disposição do produtor e da agroindústria em fazer parte da economia verde porque ela traz resultados para o negócio. “Os investimentos em uma central fotovoltaica são pagos com a economia no consumo de energia elétrica”, afirma ele. “Em até oito anos, o custo de energia é zero.” De acordo com Hübner, 70% das operações desse setor são para pequenos produtores. Em relação ao valor, sua tomada é livre, mas a média tem ficado em R$ 60 mil. Para médios e grandes produtores, a média sobe para R$ 465 mil. Em 2017, o saldo da carteira de negócios verdes do Banco do Brasil foi de R$ 197 bilhões, valor 59% acima do ano anterior.
Paulo Cesar Bertolani, superintendente executivo de Agronegócios do Santander, banco com uma carteira geral de crédito da ordem de R$ 290,5 bilhões no final do primeiro semestre, diz que a estratégia da instituição foi mapear os segmentos do setor, dividindo-os entre verdes e não verdes. “Redesenhamos o agronegócio no banco e quase toda nossa carteira passa por uma governança na direção da economia verde”, diz Bertolani. “Isso porque tem aumentado a preocupação do produtor com a terra, no médio e no longo prazo.” Em 2017, a carteira verde do Santander foi de R$ 11,4 bilhões, enquanto a carteira agrícola foi de R$ 16 bilhões. Esse movimento começou em 2012, quando o banco criou o Programa Santander Agro Sustentável para promover a economia de impacto ambiental reduzido. No ano passado haviam 422 clientes integrados. No caso da agricultura de baixo carbono, por exemplo, de 2014 a 2017 o banco emprestou R$ 783,5 milhões através de linhas do BNDES, sendo R$ 291 milhões no ano passado. Para o banco oficial, ao contrário dos demais, as políticas sobre economia verde é uma vertente de negócios desde 2008. Em uma década, o BNDES já captou US$ 1 bilhão em projetos de biomassa na Amazônia, por exemplo.
Segundo Gabriel Visconti, superintendente da área de Gestão Pública e Sócio-Ambiental do banco, o principal financiador é a Noruega, com 96% dos recursos. Mas o banco não está somente nessa região. “Outro objetivo é realizar pesquisas para promover o uso sustentável da biodiversidade”, diz Visconti. Em 2016, os desembolsos foram de R$ 29,9 bilhões, 30% acima do ano anterior, para as áreas de energia eólica e renováveis, e demais projetos ambientais.
Cooperativas, empresas, tradings e também governos municipais têm se aproveitado da disposição do setor financeiro em atender a essa demanda. Há oito meses, a prefeitura da capital Boa Vista, em Roraima, criou o Plano Municipal de Desenvolvimento do Agronegócio. Com ênfase em sustentabilidade, foram liberados R$ 5 milhões financiados por dez anos e sem juros, através de cooperativas ou associações. O projeto envolve 181 famílias de pequenos produtores e também 16 comunidades indígenas. Eles produzem mel, melancia, grãos, batata-doce, entre outros itens. Marlon Cristiano Buss, secretário Municipal de Agricultura e Assuntos Indígenas, dá como exemplo um assentamento no distrito de Truaru, a 65 quilômetros de Boa Vista. Os produtores de batata-doce, que antes cultivavam quatro hectares com 20 toneladas, por hectare, hoje tiram acima de 60 toneladas, por hectare, em uma área de 50 hectares. “A ideia é manter o produtor no campo, com uma atividade de bom retorno econômico e cumprindo a legislação ambiental”, diz Buss. “Mas o projeto é maior, porque também queremos atrair investidores para fomentar a economia verde.” O plano em Boa Vista foi elaborado pela MPrado Consultoria, de Uberlândia (MG), uma das principais do País. Para José Maurício de Souza Pádua, diretor da empresa e também da Zelos Consultoria, voltada para projetos de sustentabilidade, os títulos verdes servem para orientar um mercado cada vez mais conectado em atender a demanda do consumidor por alimentos saudáveis, às questões climáticas e as sociais. “Essa megatendência também foi identificada pelo documento Embrapa – Visão 2030, futuro da agricultura brasileira, lançado em abril deste ano”, diz Pádua. “Há mudanças significativas acontecendo na cadeia do agronegócio.”
Economia verde ou bioeconomia?
As diferenças entre os dois conceitos
A bioeconomia está relacionada à invenção, ao desenvolvimento e ao uso de produtos e processos biológicos nas áreas da saúde humana, da biotecnologia industrial, e da produtividade agrícola e pecuária. O conceito não está muito distante da chamada economia verde. Mas, o engenheiro agrônomo Celso Luiz Moretti, 52 anos, diretor executivo de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, afirma que a entidade prefere utilizar o conceito de bioeconomia, que se baseia em sistemas biológicos de baixo impacto, e traz consigo a sustentabilidade econômica, ambiental e social. “Os termos economia verde e bioeconomia têm afinidades”, afirma Moretti. “Em alguns momentos, até se confundem.” Ele dá como e dá como exemplo de bioeconomia a soja.
A planta, que sequestra nitrogênio da atmosfera, fixa esse elemento e o utiliza como fertilizante em seu desenvolvimento. “Essa capacidade da planta traz uma economia anual de US$ 13 bilhões”, afirma o pesquisador. “Agora, estamos desenvolvendo uma tecnologia que em dois anos também será possível o mesmo para a cana-de-açúcar e outras gramíneas.”
Já o termo economia verde, criado em 2008 pela ONU, foi a consolidação de uma ideia ainda mais antiga, quando a instituição implantou os derivativos ambientais financeiros, para ajudar as empresas na captação de investimentos. O primeiro título verde (ou green bond) nasceu em 1998 com o Certificado de Emissões Reduzidas (CER).