24/05/2016 - 11:58
A visão apocalíptica do diretor americano de cinema Christopher Nolan no seu filme Interestelar, de 2014, uma obra que custou US$ 150 milhões e que na primeira semana de exibição mundial faturou US$ 132 milhões, é de uma agricultura em colapso. Na ficção científica de Nolan, uma praga dizima quase todas as plantações de alimentos, com exceção do milho e do quiabo, levando a humanidade a procurar por vida em outros planetas. Mas, caso o cineasta tivesse levado em conta a evolução da biotecnologia, nas duas últimas décadas, talvez a agricultura em sua ficção tivesse um futuro menos desolador. Isso porque o desenvolvimento dos genes recombinantes, os chamados Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) ou transgênicos, e as possibilidades científicas reais trazidas com eles, está levando a humanidade a produzir mais alimentos, e não o contrário. “Fazendo uma análise do crescimento da produção de alimentos, hoje somos melhores do que antes e seremos ainda mais eficientes no futuro”, afirma o agrônomo Laercio Giampani, presidente da Syngenta no Brasil, empresa suíça de produção de sementes e defensivos agrícolas (leia mais na pág. 52). De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), na última década a produção anual de alimentos cresceu 500 milhões de toneladas: passou de 4,5 bilhões para 5 bilhões. Nesta safra, por exemplo, milho, trigo e arroz, os três mais importantes cereais na alimentação humana devem registrar 2,5 bilhões de toneladas produzidas. A engenharia genética foi uma das principais protagonistas dessa revolução. Apesar disso, o cultivo de OGMs ainda tem desafios pela frente. Entre eles está o seu manejo correto no campo. “Mas estamos no caminho certo para resolver problemas como esse”, diz Giampani.
Rech Filho, da embrapa: “Podemos fazer com que a soja sintetize óleos de outras plantas”
As lavouras transgênicas são cultivadas em 28 países, por 18 milhões de agricultores, de acordo o Centro de Conhecimento Global sobre Biotecnologia de Culturas (Isaaa, na sigla em inglês). Em 2014, o cultivo chegou a 181,5 milhões de hectares, o dobro de uma década atrás. Neste mês, a entidade deve apresentar os dados mundiais de cultivo em 2015 e espera-se um novo salto. As culturas transgênicas têm crescido, em média, cerca de 4% ao ano e sem interrupção. Os dados mais recentes apontam que a área ocupada pela tecnologia responde por 26,6% dos 682 milhões de hectares agricultáveis globalmente, o que mostra um grande potencial para que a sua expansão continue. O agrônomo Elíbio Leopoldo Rech Filho, pesquisador da unidade Recursos Genéticos e Biotecnologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e responsável pela primeira soja transgênica desenvolvida no Brasil, diz que o futuro da tecnologia representa um dos mais vastos campos de pesquisa. Por exemplo, as plantas serão capazes de combater doenças, entre elas a Aids. No ano passado, o pesquisador apresentou os primeiros resultados de uma molécula que pode ser inoculada na soja e que é capaz de impedir a multiplicação do vírus que provoca a doença, o HIV. “Os atuais fármacos de combate à doença são de alto valor agregado, mas podem ser obtidos de forma mais fácil”, diz Rech Filho. No campo, os estudos estão mostrando que a soja, rica em proteína, também pode ser rica em óleos vegetais nobres, como é o azeite de oliva. “Podemos fazer com que a soja sintetize óleos de outras plantas”, afirma o pesquisador.
Não por acaso, a soja é a planta com maior área ocupada. O grão responde por cerca de 90 milhões de hectares no mundo, 50% da área total de transgênicos. Grandes grupos biotecnológicos estão por trás da difusão da oleaginosa, além da Syngenta, como as americanas Monsanto, Dow AgroScience e Dupont, e as alemãs Bayer e Basf. Mas, além da soja há outras 28 culturas aprovadas, entre elas as principais são o milho e o algodão, que somam 32% da área agricultável no planeta.
Para o agrônomo Anderson Galvão, presidente da consultoria agrícola Céleres, de Uberlândia (MG), filiada ao Isaaa, o algodão e especialmente a soja e o milho são as plantas de maior foco para as multinacionais de biotecnologia, por serem insumos de primeira linha na indústria processadora de alimentos. Mas há muitas espécies transgênicas que possuem importância regional, como a canola ou a beterraba. “Um outro exemplo é o feijão. Ele é uma contribuição brasileira, vinda da Embrapa”, diz Galvão. O comércio da semente desenvolvida pela estatal está prevista para ser comercializada ainda neste ano. Já os países africanos devem contar com o primeiro milho transgênico, tolerante à seca, a partir do ano que vem.
O esforço da pesquisa para obter plantas mais produtivas, resistentes a pragas e doenças, e adaptadas às mais distintas condições de solo e clima, requer também uma parcela de ajuda do produtor. No caso do milho, por exemplo, a história que mais chama a atenção é quanto o manejo incorreto pôs em risco a tecnologia lançada na safra 2008/2009, no Brasil.
De acordo com o agrônomo Geraldo Berger, diretor de regulamentação da Monsanto, o risco poderia ter sido evitado. “Com a falta do plantio da área de refúgio, a eficiência do milho em resistir aos ataques de pragas foi comprometido em apenas três safras”, diz Berger. O refúgio, que é uma parcela de cultivo de plantas não transgênicas em uma lavoura OGM, é uma técnica simples e necessária. Dessa forma, não há desenvolvimento de pragas resistentes às plantas transgênicas e a biotecnologia sobrevive. “Hoje, a indústria está mais empenhada em que o refúgio seja plantado corretamente nas lavouras”, diz Berger. Para o milho, há 29 eventos transgênicos aprovados no País, segundo a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. O Brasil é o segundo maior país na utilização da biotecnologia no campo, com 50 cultivares de sementes liberadas, perdendo apenas para os Estados Unidos. De acordo com as estimativas da Céleres, a área de transgênicos da safra 2015/2016 é estimada em 44,2 milhões de hectares, dos quais 30,3 milhões de hectares são de soja. A de milho é de 13,1 milhões e a área de algodão, de cerca de 800 mil hectares. Na safra 2022/2023, a estimativa é que sejam 51,2 milhões de hectares cultivados com essas mesmas culturas.