Novas discussões, velhos problemas. Em 2010, começaram as primeiras invasões indígenas nas terras da família do produtor Rui Escobar, localizadas no município de Paranhos, em Mato Grosso do Sul, utilizadas para a produção agrícola, pecuária e floresta integradas. O produtor acredita que foram as árvores de eucalipto que chamaram a atenção dos índios, pelo valor da madeira que poderia ser vendida. Hoje, cinco anos depois, os invasores, da etnia Guarani-Kaiowá, continuam instalados na fazenda.

Mas, esse tipo de problema não é uma exclusividade de Escobar. Atualmente, o Mato Grosso do Sul enfrenta um acirramento dos conflitos por posse de terras. São 109 propriedades em litígio, entre produtores rurais, com posse de título de propriedade outorgado pelo governo federal, de um lado, e do outro tribos, de índios, que reivindicam o direito sobre as terras de seus antepassados. “A propriedade invadida é de minha família desde a época de meu bisavô, em 1883”, diz Escobar, que é engenheiro agrônomo. “A terra passou por gerações. Eu comecei com o gado criado por meu pai e transformei a área, usando o sistema de integração lavoura-pecuária-floresta.” 


Influência: para Escobar, presidente da  Acrissul, os índios, brasileiros estão sendo incitado pelas tribos paraguaias

Na fazenda de 1,7 mil hectares são colhidas, anualmente, 65 mil sacas de soja e mais de 70 mil de milho. A cada seis anos são feitos os cortes do eucalipto, que ocupa  60 hectares. Os índios, que até o ano passado estavam restritos a uma área de 30 hectares, definidos pela Justiça enquanto o conflito não se resolvesse, já ultrapassaram este limite. Em fevereiro, cerca de 100 índios sequestraram funcionários da fazenda para pressionar pela  expansão da área invadida. Uma das consequências foi o abandono de 700 hectares de milho, que estavam prontos para ser colhidos por Escobar. Entre bens e insumos, o produtor calcula que já perdeu cerca de R$ 2 milhões. “Não queremos conflito, só que o governo federal resolva a questão da titularidade da terra”, afirma. “Eu nasci produtor rural, não sou bandido querendo invadir terra indígena.”

A produtora rural Maria Helena Vanzella, cuja família foi despejada de sua propriedade em Coronel Sapucaia, , em setembro do ano passado, desabafa ao dizer que lamenta a situação dos indígenas invasores. “De nada adiantou invadir minhas terras”, diz Maria Helena. “Lá, os índios passam fome, ficam no frio, na chuva, à mercê da natureza. Eles pedem comida aos produtores vizinhos, inclusive para os que têm propriedade invadida.” Maria Helena diz que seu prejuízo com as lavouras, após a invasão, também estão contabilizadas em R$ 2 milhões.


Sem solucão: segundo Saito, presidente da Famasul, a situação está se tornando cada vez mais insustentável

Para Francisco Maia Escobar, presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul (Acrissul), o comportamento dos índios, que estão invadindo propriedades produtivas, vem sendo incitado por outros povos, como os índios paraguaios, que costumam se deslocar para terras brasileiras, na região do Cerrado, pela proximidade com a fronteira. “Nas regiões de Amambai e Aquidauana, por exemplo, está havendo uma influência muito grande de indígenas vindos do Paraguai, porque lá eles não possuem o mesmo apoio que os índios brasileiros”, diz Maia. De acordo com o médico veterinário e produtor rural do município de Itaporã, Maurício Koji Saito e atual presidente da Federação da Agricultura do Mato Grosso do Sul (Famasul), a situação local está se tornando insustentável.  “Não é possível que o País, com a extensão de terras que possui, ainda enfrente estes problemas”, diz Saito. “Nada justifica o que está acontecendo em nosso Estado.” No início do mês passado, as Forças Armadas foram deslocadas para a região de fronteira, nos municípios de Antonio João e Japorã, depois que o índio Semion Vilhava apareceu morto, durante um conflito em que os fazendeiros retomaram uma propriedade invadida. “Isso é um ultraje, porque ninguém quer mortes, produtores e índios querem solução”, diz Saito.

Em audiências públicas, Maia, da Acriscul, tem explicado que a solução proposta pelo setor rural é a aquisição das terras desses produtores, por parte do governo federal, para que elas se tornem propriedade da União e possam ser habitadas por comunidades indígenas. “Antes das eleições presidenciais, já tinham sido formuladas até propostas de quanto poderia ser pago”, afirma Maia. “Um exemplo é a fazenda Buritis, em Sidrolândia, invadida em 2013. O governo ofereceu R$ 89 mil e os produtores queriam R$ 120 mil. Só faltavam as discussões sobre a forma de pagamento, mas nada andou.” Nos últimos meses, vários encontros reuniram na mesma mesa o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o governador do Estado, Reinaldo Azambuja (PSDB), representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), da Famasul, além de prefeitos e deputados federais. Mas, nada de concreto saiu do papel até agora. Procurado pela reportagem da DINHEIRO RURAL, o ministro da Justiça não se manifestou sobre o andamento dos processos.

Entenda o conflito
Por que as terras ainda não têm dono

O assessor jurídico da Federação da Agricultura do Estado do Mato Grosso do Sul (Famasul), Carlo Daniel Coldibelli, está à frente do tema da regularização fundiária das áreas indígenas, na entidade . De acordo com o especialista, o governo teria cinco anos para fazer a regularização. Mas, essa data venceu em outubro de 1993, ou seja, não houve andamento do que havia sido acordado anteriormente, em 1988, quando a Constituição Federal consagrou o princípio de que os índios são os primeiros e naturais senhores das terras.

Essa é a origem dos atuais conflitos. Como as regras da lei ainda não foram completamente estabelecidas, a Funai passou a compor processos no intuito de encontrar uma regulamentação de terras em que os indígenas pudessem se instalar. Houve, então, um desentendimento entre o que era considerada tradicionalmente terra indígena e o que era área agricultável, das quais os produtores rurais detêm títulos legais de posse. Caso desapropriados, esses produtores querem ser indenizados pelo preço da terra e pelas benfeitorias realizadas ao longo dos anos.

Questionada pela reportagem sobre as invasões de fazendas em Mato Grosso do Sul, a Funai informou por meio da assessoria de imprensa que não se manifestaria sobre o assunto cabe apenas o papel de apaziguar eventuais conflitos entre os índios e os produtores rurais.