20/09/2021 - 8:09
É um paradoxo, mas às vezes de longe se vê melhor o que esteve perto. Nos últimos 37 anos tem sido assim para a família Schurmann. Hoje, quando chegarem a Ilhabela, no litoral norte paulista, terão ainda 57 portos mundo afora pela frente.
A bordo do veleiro Kat, batizado com o nome da filha do casal, morta há 15 anos, em decorrência das complicações do HIV, a família que já completou três voltas ao mundo estará no começo de uma nova expedição, a Voz dos Oceanos.
Trata-se da quarta grande expedição dos Schurmann. Depois de deixar Fernando de Noronha para trás, em dezembro, o Kat seguirá para Estados Unidos, Caribe e Oceano Pacífico e terminará sua jornada em 2023, em Auckland, na Nova Zelândia.
Vilfredo e Heloísa, ao lado do filho Wilhelm, e da nora Erica, além de uma tripulação de três pessoas que participam do projeto, completarão a jornada em dois anos. Os outros dois filhos do casal se juntarão periodicamente à família no mar.
Desta vez, o objetivo é conscientizar as pessoas sobre o problema do lixo nos mares, principalmente o plástico, e avaliar a qualidade da água e a biogeoquímica dos oceanos. Eles vão coletar dados de lugares contrastantes para medir e mostrar os impactos sofridos pelos oceanos, resultado direto das atividades humanas.
O mais recente relatório do IPCC, o painel de cientistas sobre mudanças climáticas organizado pela ONU e divulgado em agosto, aponta para mudanças drásticas no nível dos oceanos e para a decrescente capacidade de retirar o dióxido de carbono da atmosfera na medida em que o planeta se aquece.
Durante a expedição, um drone com uma câmera hiperespectral fará voos periódicos para coletar informações sobre a interação da luz do Sol na superfície da água. Dessa forma, os materiais plásticos serão identificados e quantificados. A expectativa é de que os dados ajudem a construir o Hub Voz dos Oceanos, rede global que terá dados para a comunidade científica e para a opinião pública.
Os Schurmann partem com uma imagem que reforça o que já viram em viagens anteriores. Pouco após começarem a jornada em Santa Catarina, no fim de agosto, durante a primeira parada da expedição, em Santos, o casal Vilfredo e Heloisa participou de uma ação de limpeza na Favela do Dique, o maior conjunto de palafitas do Brasil.
“O que a gente constatou de lixo plástico foi assombroso”, diz Vilfredo. “No mangue, a quantidade de material de uso único, copinhos, pratos de plástico é enorme.”
Este ano marca o início da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, proposta pela ONU para conscientizar a população sobre a importância da manutenção do hábitat das espécies marinhas e do impacto da ação humana.
Além dos aspectos científico e educacional, a expedição pretende ser um catalisador de iniciativas inovadoras que possam diminuir os impactos gerados por produção, consumo e descarte do plástico e do microplástico nos oceanos. Em parceria com uma aceleradora de startups, novas iniciativas serão classificadas para se juntar a uma rede e conectar suas soluções com demandas de indústrias, passar por aceleração e receber investimento.
Saudade e esperança
Sem querer, os anos passados no mar prepararam a família para o isolamento forçado durante a pandemia. No início de 2020, eles foram surpreendidos. Em uma viagem para as Ilhas Falkland (Malvinas), Vilfredo, Wilhelm e a mulher, Erika, ficaram retidos durante quatro meses na ilha de Geórgia do Sul, território britânico no Oceano Atlântico.
“O isolamento no mar tem uma diferença crucial da pandemia. Quando fomos para o mar, fomos porque nós queríamos”, diz Heloisa. “Mas, por ter passado um longo período no mar, já tínhamos uma experiência.”
O mar também ensina a contornar a tristeza. Do último um ano e meio de pandemia e dos últimos 15 anos, desde que a filha se foi. Desde que Heloisa e Valfrido adotaram a menina, soropositiva, ainda pequena, na Nova Zelândia, Kat esteve em todas as viagens e expedições da família.
“Recebemos hoje uma mensagem de uma pessoa dizendo que tinha visto uma reportagem sobre a gente. Essa pessoa foi a mesma que cuidou dela quando ela morreu, para a cerimônia, e ela se lembrava do cabelinho dela, da boneca que estava com ela… Isso me fez pensar, como uma ‘pessoinha’, tão pequena, que não tinha nem 14 anos ainda deixou uma impressão tão forte”, afirma Heloisa.
De longe também se vê o que já esteve perto. “É um momento …de saudade… é como se não tivessem se passado esses 15 anos. É como se estivesse aqui conosco.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.