02/04/2019 - 15:42
Para quem ouve Matheus Morais discorrer sobre investimentos e planos de negócio, fica difícil acreditar que ele tem apenas 23 anos. E a vida executiva do rapaz começou bem antes, em 2013, quando ele tinha apenas 18 anos e assumiu o cargo de diretor executivo na empresa da sua família, a Suinobras, com sede em Cuiabá (MT). O desafio de Matheus não é pequeno. Com 1,1 mil funcionários, a companhia tem quatro unidades – sendo duas fazendas –, fatura cerca de R$ 500 milhões por ano e trabalha na produção e no processamento de carne suína. Há, ainda, dois frigoríficos: um em atividade e outro em expansão. Até 2021, serão investidos cerca de R$ 250 milhões em estruturas e instalações, elevando a capacidade de abate de 1,5 mil para 14 mil suínos por dia, em sistema robotizado. Como é típico da juventude, Matheus parece incansável. Ele também está à frente de um plano de produção de espirulina – uma proteína derivada de algas –, de um projeto para uma aceleradora e incubadora de startups e ainda acompanha outro negócio da família, uma fábrica de impressoras 3D, em São Paulo.
Matheus faz parte de uma turma que desponta como uma grande força do futuro do agronegócio nacional. São jovens competentes, dedicados e talentosos, que tocam fazendas e grandes empresas do setor e assumem atribuições comumente entregues a pessoas acima dos 40 anos. E ainda têm uma grande virtude: são preocupados com a sustentabilidade do planeta. “Aos 17 anos, decidi atuar na área de alimentos e de tecnologia, para acabar com a fome no mundo”, conta Matheus. “Escolhi o campo como o caminho para conseguir isso.” No ambiente urbano, principalmente no mundo digital, esses jovens não são novidade no universo corporativo. Mas no agronegócio, ainda marcado pelo tradicionalismo nas relações de liderança, eles continuam sendo um ponto fora da curva. São raras as fazendas e empresas do setor – mesmo as familiares – tocadas por pessoas abaixo dos 40. O fato é que o sangue novo chegou no campo e está mostrando que, além de vigor, tem talento, força e vontade de aprender. É exatamente o caso do precoce Matheus Morais.
Há cerca de 5 anos, ele decidiu se mudar para a Holanda, com o objetivo de estudar genética. “Fui buscar informações sobre o que poderíamos usar aqui. A genética influencia muito nos resultados”, diz o jovem executivo. “Nos suínos, a gente briga por detalhes, por centavos.” Cinco meses mais tarde, Matheus retornou ao Brasil e foi morar, por dois anos, na unidade da empresa em Diamantino. O objetivo era torná-la um modelo de sustentabilidade. Deu certo. Hoje, a granja está entre as melhores da América Latina na produtividade de leitões por metro quadrado. No fim do ano passado, foi um dos destaques do Prêmio Sistema Famato em Campo, promovido pela Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso, no qual o tema “Jovens Produtores” destacou a atuação direta desses talentos na gestão do negócio. Entre os seis premiados, Matheus era o mais jovem. A dedicação extrema ao trabalho, no entanto, cobra seu preço. De tão ocupado com a companhia, ele já interrompeu o curso de administração de empresas três vezes, a última delas na Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Este ano, quero retornar à faculdade para o último semestre”.
FORÇA FEMININA Outro belo exemplo de jovens no mundo agro pode ser visto em Chapadão do Céu, município no sudoeste goiano e cuja economia é baseada principalmente no cultivo de algodão, milho e soja. Ali, foi criado, em 2015, o Grupo Faz – uma referência a “fazer, ação e fazenda” –, a partir de uma ideia que saiu das cabeças de Carla Mayara Borges, 28 anos, e Marjorie Delgado Peixoto Schwening, 30. Elas fazem parte de um grupo que hoje soma nove fazendeiras, com idades entre 26 e 31 anos. Em comum, além da juventude e de serem herdeiras do setor, as moças têm o fato de ocuparem cargos de comando nos negócios das suas respectivas famílias. O grupo ganhou tanta força, que chamou a atenção de grandes empresas, como Syngenta, Banco do Brasil e as consultorias MPrado e INTL FCStone, entre outras.
“Essas companhias querem entender como funcionamos”, diz a veterinária Carine Schneider Faifer, 29, outra integrante do Faz. “Eles nos oferecem palestras sem custos, querem reuniões conosco e desejam interagir no movimento que estamos criando”, destaca ela, que é herdeira do Grupo Wink e fez MBA em Agronegócio, na Fundação Getúlio Vargas (FGV). O Faz se reúne cerca de dez vezes por ano, para trocar informações sobre o negócio, além de estarem sempre conectadas pelo celular e WhatsApp. Os assuntos tratados são os mais diversos, como cotação de compra e de venda de produtos, dicas de travamento de preços, análises sobre insumos, informações sobre peças de máquinas agrícolas e agenda de eventos do agronegócio pelo Brasil.
O Grupo Faz é formado por nove mulheres, entre 26 e 31 anos.
Todas ocupam cargos de comando
Tudo começou quando Carla, herdeira das fazendas Nova Geração, e Marjorie, cuja família possui três fazendas, participavam de um curso promovido pela Syngenta, intitulado Academia de Líderes. Durante as aulas, Carla teve um insight. “Se, no curso, podíamos discutir estratégias e ações, por que não fazer o mesmo entre nós, que moramos na mesma cidade? A ideia nasceu assim”, diz.
O Faz ganhou tanta força e projeção, que até já inspirou outras mulheres a seguir os passos das moças de Chapadão do Céu. Assim, surgiram outros dois grupos, com o mesmo nome: um no município de Rio Verde, em Goiás, com seis mulheres e que já funciona há um ano; e o outro em Formosa, no mesmo Estado, com 19 integrantes e em processo de estruturação.
O agrônomo e consultor Miguel Cavalcanti, 40 anos, faz uma interessante análise sobre os jovens executivos do campo.
Também filho de pecuarista, ele coordena, desde 2014, o projeto Agrotalento, que oferece treinamento em gestão, visão de negócio, liderança e produtividade e que já formou cerca de mil pessoas em seus cursos, dos quais 20% com menos de 30 anos. Para Cavalcanti, uma das principais características desses novos gestores é uma grande força interior, que ele também chama de “fome”. “Essa é uma característica difícil de ensinar, encontrada em pessoas de várias idades, e que nos jovens possui um ingrediente adicional importante: o idealismo”, afirma.
Segundo ele, esses jovens estão propondo um tipo de pacto com seus pais, que, em muitos casos, ainda trabalham no velho conceito de que no campo dá para “ir fazendo as coisas e depois observar o resutado.” Com a nova geração, isso não acontece. Para Cavalcanti, é natural que um jovem produtor de grãos ou de gado faça a diferença no negócio da família, por meio da gestão, enquanto o pai é um especialista em produção. “Para essa geração, é mais fácil bater os olhos e perceber que uma conta não está fechando”, diz.
O Grupo Faz confirma a teoria de Cavalcanti. É justamente o foco na gestão do negócio que liga as jovens do time umas às outras. Juntas, as propriedades do grupo cultivam cerca de 100 mil hectares e geram 500 postos de trabalho.
“O que a gente realiza tem impacto em toda a região”, destaca Carine Schneider, que poderia nunca ter se tornado uma executiva. Após concluir a faculdade de Veterinária e passar um tempo estudando no Canadá, ela estava com tudo encaminhado para trabalhar com pesquisas em uma empresa do setor. Em 2011, porém, desistiu da carreira de pesquisadora para se tornar uma espécie de gerente geral, em Goiás – a família também cultiva grãos em Porto Nacional (TO). Carine administra o departamento comercial e o setor de pecuária de corte, onde está um confinamento de 2,7 mil bovinos por ano, e a seleção genética de nelore mocho. Entre safra e safrinha, são 17 mil hectares de cultivo com soja, milho e sorgo. “Comecei no setor de transporte. Depois, fui para o de compras e de contrato de algodão para exportação”, conta.
Os novos talentos do agronegócio nacional não aceitam mais o papel de meros coadjuvantes nas empresas da família. Eles querem realizar
PROTAGONISTAS Outra integrante do Faz, a agrônoma Luiza Taylor Schlatter também passou por vários setores da empresa da família, a Agropecuária Sutal, que cultiva 9,3 mil hectares, além de fazer integração lavoura-pecuária. Em 2009, ela era bolsista da Embrapa, em Campo Grande (MS), e tinha como orientadora Cacilda Borges do Valle, uma das mais importantes pesquisadoras de pastagem para o gado do mundo. Foi quando decidiu voltar para a fazenda. “Fiz de tudo. Passei grade, regulei plantadeira, cuidei do canteiro de germinação e fui parar na pecuária, longe da área acadêmica”, conta Luiza. “Demorou muito para meu pai me passar tarefas da área financeira.” Atualmente grávida do primeiro filho, ela cuida desse setor e também da administração, enquanto o irmão mais novo, também agrônomo, se dedica às áreas técnica e comercial.
O fato é que esses novos talentos do campo não aceitam mais o papel de meros coadjuvantes nos projetos da família. Eles querem realizar. Mesmo que não sejam formados em cursos de ciências agrárias, como agronomia, veterinária e zootecnia. No Grupo Faz, há três casos assim. Carla Borges, das fazendas Nova Geração, é formada em Administração. Marjorie Peixoto Schwening é engenheira civil. E Bruna Zapparoli, herdeira da família que montou a primeira algodoeira em Chapadão do Céu, estudou Jornalismo. Carla, por exemplo, trabalhava na Bosch, na Alemanha, quando, em 2011, aos 21 anos, foi convocada pela mãe a assumir responsabilidades no patrimônio que um dia seria seu. “Eu não pensava em trabalhar com a minha família. Não havia me preparado para isso. Voltei ao Brasil contra a minha vontade”, lembra. Contrariada, fez uma contraproposta: só ficaria no negócio, além de seis meses, se fosse para expandir o projeto. Os pais concordaram.
Para começar, Carla abriu uma fazenda na região de Água Boa (MT), onde implantou um programa pioneiro numa área tomada pela pecuária, e na qual a segunda safra de milho nas áreas de lavoura é agronomicamente quase impossível, devido à baixa altitude. Nesse espaço, Carla está cultivando grãos especiais, como gergelim, vários tipos de feijões e milho branco. Para este ano, ela estuda a montagem de uma beneficiadora desses grãos, projeto do qual é a própria estrategista. Assim como Carla, Bruna e Marjorie também combinaram com a família um período de experiência. E nunca mais saíram das fazendas. “No grupo de comando dos negócios, sou a única mulher com cargo para decidir”, diz Bruna. “Sempre ouvi minha avó dizendo que era preciso ajudar meu pai, mas eu queria ser dona de mim mesma”, conta Marjorie. Para ela, o desafio era se encaixar numa engrenagem na qual seria bem-vinda, mas não era necessária naquele momento.
A experiência começou aos 22 anos, em 2011, e coincidiu com o momento em que seu pai, o pecuarista Evandro Peixoto, ausentou-se por seis meses, para fazer um curso de piloto de avião – Marjorie, aliás, também pilota. O pai dela aplaude as ações do Grupo Faz. “Tenho muito orgulho dessas meninas. Elas estão dando um exemplo fantástico de que os tempos são outros”, declara Peixoto.
QUALIFICAÇÃO CONTÍNUA Alguns desses jovens ainda nem assumiram a gestão do negócio, mas já mostram talento. Aos 23 anos, Marcos Fernando Marçal dos Santos é filho de Marcos Molina, controlador da Marfrig Foods, que fatura cerca de R$ 20 bilhões por ano com o abate de bovinos. Formado em Administração de Empresas, Marcos está num processo corporativo que começou aos 13 anos, quando o pai permitiu que ele negociasse gado. “Sempre procurei uma forma de me preparar cada vez mais cedo, com responsabilidade.” Nos últimos anos, ele fazia faculdade à noite e trabalhava na Marfrig durante o dia, em áreas diversas, como a comercial, de atacado e controle. Nas fazendas da família, que cria, seleciona e engorda gado, o rapaz tem acompanhado os índices financeiros.
“Não sei se um dia chegarei a ter um cargo de direção nas empresas do meu pai. Mas, se a oportunidade surgir, quero estar preparado”, declara Marcos. No caso do agrônomo Pedro Tales Tomazelli, da fazenda Cristalina, em Campo Verde (MT),
a oportunidade já surgiu. E ele está aproveitando muito bem.
Pedro tem 30 anos e ocupa o cargo de gerente de produção e de vendas na Agro-Sol Sementes, empresa da qual o pai é acionista.
E os diretores da companhia apostam em posições mais elevadas para o rapaz, que vem se preparando desde os 21 anos e tem correspondido aos desafios. Um deles foi implantar um aplicativo de rastreabilidade para 400 mil sacas de semente de soja, produzidas em 30 mil hectares. “Eu gosto de todos os processos, como controles e planejamentos”, diz ele. “Encontrei no negócio da família a oportunidade de expor ideias e acredito estar no lugar certo, na hora certa.” A meta é produzir, até 2024, 1 milhão de sacas de sementes e caberá a Pedro colocar essa produção no mercado.
Números dessa magnitude não fazem parte da rotina de Matheus Witzler, 26, do Sítio Caipirinha, em Botucatu (SP). Em tímidos 15 hectares, ele cria 25 vacas girolandas, em sistema orgânico, que produzem 250 litros de leite por dia e abastecem
o laticínio da família. O negócio tem sido um exemplo de sustentabilidade. Com compras de terceiros, são processados 500 litros por dia, transformados em queijo fresco, ricota, mussarela e iogurtes. A produção vai para empórios, como o Santa Luzia
e o Quitanda, na capital paulista.
No ano passado, Matheus, que é o responsável pelas vendas, conseguiu colocar seus produtos em mais 13 novas, a preços excelentes. O quilo do queijo orgânico fresco, por exemplo, é vendido a R$ 30 no atacado, ante a média de R$ 17 de um convencional.
Para uma geração ávida por desafios, Matheus, mesmo num negócio pequeno, cumpre com rigor as lições do mundo corporativo. E mostra uma virtude rara entre os jovens: paciência. “Minha geração tem uma certa pressa. Mas tudo tem seu tempo”, diz. “Eu, por exemplo, melhorei muito quando passei a entender que o meu cliente é a loja, e não o consumidor final.” A maturidade abriu-lhe novas portas nos negócios. Hoje, além de cuidar do laticínio da empresa, Matheus é diretor de Marketing das certificadoras internacionais no Brasil, dirigidas por sua família, a SBC Certificadora, destinada a produtos para a Europa, por meio da Global Gap; e a IBD, para orgânicos. No fim do ano passado, ele esteve, pela primeira vez, em Colônia, na Alemanha, na sede da Global Gap, para um curso destinado a gestores de 50 países. Matheus era o mais jovem da turma.
Fome de aprender
Uma das muitas virtudes dessa nova geração de executivos é a incansável vontade de aprender, de evoluir. É o que atesta o agrônomo Angelo Gurgel, 44 anos, doutor em Economia Aplicada e coordenador do Mestrado em Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Para ele, os jovens de hoje perceberam a necessidade de se qualificarem cada vez mais, sem parar na graduação. Os talentos precoces já começam a aparecer no mestrado, onde Gurgel recebe 40 alunos por ano, e nos MBA’s, com até 30 alunos por turma e presente em 18 Estados e no Distrito Federal. “Eles são antenados no mundo da tecnologia e sabem que não vão achar uma resposta no celular no momento de um problema real”, afirma. “Para entender o mercado, essa turma quer ganhar musculatura de ferramentas do pensamento.” Quando os cursos do agronegócio foram criados na FGV, em meados dos anos 2000, o público interessado era formado por executivos à procura de reciclagem profissional. Hoje, o perfil dos alunos é outro, mais jovem, com cerca de 20% entre 25 anos e 30 anos. E esse movimento trouxe outra novidade:
a presença feminina. “As mulheres já são 30% dos alunos nas pós-graduações”, diz Gurgel. “Desse total, cerca de 15% são
de mulheres gestoras, com novas ideias, mais tomadoras de risco e que mudam o perfil das fazendas das quais são herdeiras.”