04/10/2016 - 10:34
O engenheiro agrônomo Fernando Penteado Cardoso atingiu uma marca invejável neste ano. Aos 102 anos de idade, que comemora no dia 19 deste mês, ele também completa 80 anos de carreira. Formado em 1936 na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), Cardoso é o que se pode chamar de um executivo multifacetado. Ocupou postos de governo, entre eles o de secretário de agricultura em São Paulo, em 1964. Foi também empresário do setor de fertilizantes, com a criação da Manah nos anos 1940, marca que pertence à Bunge desde 2000. É, ainda, proprietário de fazendas de gado nelore em Minas Gerais e criou, em 2001, a fundação de pesquisa Agrisus – Agricultura Sustentável, com a doação de cerca de R$ 8 milhões de sua própria família. O que sustenta tamanha vitalidade está na ponta da língua, logo nos primeiros minutos de uma conversa. “Tenho paixão pela agronomia”, diz Cardoso. “Acompanho todas as novidades, querendo saber ainda mais. É um vício.” Está aqui a principal de muitas lições em sua longa trajetória no agronegócio: apaixonar-se pelo trabalho. Na sequência estão foco, persistência, exemplo e dedicação, atributos que Cardoso já compartilhava com seus pares antes mesmo de gurus mundiais de liderança como Jim Collins e Dave Ulrich aparecerem com suas teses e estudos sobre modelos organizacionais e teorias sobre desempenho de equipe.
De fato, Cardoso tem contribuições valiosas sobre os caminhos que levam ao aprimoramento e ao desenvolvendo das aptidões para a liderança. Para ele, entregar-se a um projeto de vida é essencial. “É fundamental acreditar que o seu trabalho é relevante”, diz Cardoso, citando Steve Jobs, o criador da Apple. Em 2005, como paraninfo de uma turma de formandos na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, Jobs fez um discurso que se tornou icônico. Parte dele diz: “o trabalho vai ocupar uma parte substancial de nossas vidas e a única maneira de ficarmos realmente satisfeitos é desempenhar um trabalho que acreditamos ser grandioso”.
Cardoso afirma que perseguiu essa mesma crença desde jovem. “Percebi que além do forte vínculo com a agronomia, eu estava ajudando o País a superar as dificuldades com as suas terras fracas. E isso fez muita diferença.” A criação da Manah foi resultado dessa percepção. Durante a segunda guerra mundial, em 1942, a importação de fertilizantes, que na época vinham da Alemanha, estava proibida. Assim, a fazenda de sua família, a Monte Alegre, em Descalvado (SP), começou a utilizar cinzas de café e de farelo de algodão como adubo para garantir a produtividade do cafezal. Em pouco tempo, as propriedades vizinhas começaram a se interessar pelo produto e Cardoso viu aí uma oportunidade de negócio para fundar a Manah em 1947.
Para o engenheiro agrônomo Marcelo Prado, especializado em gestão corporativa e sócio da MPrado Consultoria Empresarial, de Uberlândia (MG), ter postura é essencial em cargos de liderança. “Quando alguém faz um trabalho com paixão, tem prazer na atividade e muito mais disposição para enfrentar desafios”, afirma ele. “O resultado, naturalmente, é um melhor desempenho.” Cardoso afirma que o comprometimento do líder com o ofício funciona como uma inspiração, porque as equipes acabam replicando o seu comportamento. “As pessoas vão perceber essa qualidade e levar valor do comprometimento para o trabalho que executam”, diz. Para ele, o ambiente de trabalho tende a ser mais prazeroso e passa a apresentar resultados positivos à medida que as pessoas têm orgulho da empresa na qual estão.
Prado afirma que o caminho para esse tipo de liderança passa pelo foco em pessoas e pela capacidade de mobilizá-las. “É o que diferencia um líder de um gestor que enxerga apenas metas”, diz ele. “Isso exige dar feedback e contribuir para um ambiente de transparência, coerência e respeito nas relações humanas.” Não por acaso, Prado foi cliente de Cardoso na época da Manah, há 40 anos, quando era diretor agrícola da trading mineira Algar Agro, empresa que origina 1,7 milhão de toneladas de soja por ano. “Cardoso tem domínio das questões técnicas”, afirma Prado. “Isso é importante na busca de resultados, embora ainda hoje esse domínio não seja comum em presidentes de grandes empresas.”
Para Antonio Roque Dechen, atual presidente executivo da fundação Agrisus, Cardoso, que por mais de uma década esteve à frente da entidade, é um gestor cuidadoso. Hoje ele é o presidente de honra e se reúne com Dechen uma vez por semana, embora o método para a aprovação de projetos de pesquisa se mantenham na mesma linha: eles devem buscar a melhoria do solo e a conscientização do produtor. “Cardoso sempre será um exemplo e levo isso em consideração ao aprovar um projeto.” A Agrisus já financiou 812 pesquisas, parte com a Esalq/USP.