01/08/2020 - 7:28
Nas sete décadas em que escreveu para o Estadão, Gilles Lapouge foi capaz de comunicar eventos históricos com precisão jornalística sem deixar de lado o refinado estilo literário. Informativos, analíticos, certeiros e elegantes, seus textos sobrevivem ao tempo e mais, à história. Ao tempo, porque constituem fontes documentais que narram os acontecimentos políticos e sociais que moldaram nossa realidade – do pós-guerra à sociedade em rede do século 21. À história, porque suas análises e impressões sobrevivem ao teste do tempo. O que foi escrito por Lapouge no calor de uma cobertura jornalística é hoje consenso entre historiadores, sociólogos, cientistas políticos e outros estudiosos que buscam compreender o passado.
Na sua primeira grande cobertura, a da Guerra da Argélia – um conflito que dilacerou a França e pôs fim ao seu império colonial ao custo da morte de 30 mil soldados franceses e 500 mil argelinos -, Lapouge percebeu a faceta trágica daquele conflito marcado por ataques terroristas e pela tortura sistemática. “Não será inquietante verificar que o vigor do ímpeto dos rebeldes não deixa de crescer, à medida que aumentam suas baixas? É como se tivessem uma reserva de homens inesgotável e a violência da réplica francesa, abrindo uma brecha maior entre muçulmanos e europeus, tivesse como resultado recrutar incessantemente novos rebeldes”, escreveu em 1958. A cobertura crítica da guerra lhe valeu a cassação de suas credenciais pelo governo francês, em 19 de agosto de 1958, sob a alegação de que dava, em seus artigos, “uma visão deformada da realidade política francesa em geral e, em especial, do que se passa na Argélia”.
O ato de censura desencadeou uma enorme campanha pela restauração da sua habilitação profissional. O caso se transformou numa bandeira pela liberdade de imprensa e foi denunciado por Julio de Mesquita Neto à Associação Interamericana de Imprensa. Lapouge recuperou suas credenciais e, em 1962, foi o enviado especial do jornal à festa de independência da Argélia. Sobre o desfecho escreveu: “Todas as guerras são absurdas, mas o epílogo patético de uma das maiores tragédias do pós-guerra demonstrou-o com uma rara clareza”.
Em 1970, ele informou o impacto monumental que a morte de Charles de Gaulle representou para os franceses: “Um monstro acabava de desaparecer, uma dessas criaturas inclassificáveis, um campeão fora de série que chegou a ser detestado mais do que qualquer outro, mas que jamais deixou de ser admirado como pessoa. Repentinamente, esta manhã, terminou um dos grandes capítulos da história francesa.”