12/09/2014 - 11:31
O americano Tim Hassinger tem um talento natural para vender. Em 1986, ele iniciou sua carreira na Dow AgroSciences, a divisão agrícola da multinacional química Dow Chemical, como estagiário do setor comercial. Foi a lida diária no campo, em contato direto com os agricultores dos Estados Unidos, que modulou seu talento para o negócio e o levou ao topo da empresa. Não por acaso, quando o CEO Antonio Galindez se aposentou em maio deste ano, Hassinger assumiu o comando da companhia, depois de ser líder da área de inseticidas no mundo, líder comercial regional na China e vice-presidente comercial global, entre outros cargos. “Tenho 30 anos de experiência na empresa, com mais da metade da minha carreira na sede da Dow”, diz Hassinger.
Com o tino para fazer negócios e a experiência no campo, o atual presidente é considerado o executivo certo na posição que ocupa, na hora exata para mais uma missão de peso. Do QG de Indianópolis, no Estado de Indiana, no coração do chamado cinturão do milho americano, Hassinger tem nas mãos a missão de garantir o sucesso daquela que deverá constituir-se na mais importante tecnologia da Dow AgroSciences nos próximos anos: o Enlist, um sistema de controle de plantas daninhas que engloba sementes transgênicas de soja e milho e um herbicida poderoso. “Estou testemunhando grandes mudanças”, diz ele. “O Enlist é um projeto estratégico que colocará a Dow numa situação bem favorável perante os agricultores.” O nome Enlist não é estranho no mercado, porque não é de hoje que a Dow fala sobre essa solução. Cercada de polêmicas, a tecnologia aguarda registro para comercialização desde 2009, nos Estados Unidos. Com os trâmites legais em fase final, a empresa acredita que o sim do Departamento de Agricultura do governo americano (Usda, na sigla em inglês) virá até o fim deste ano. Para o mercado brasileiro, a previsão é a de que a novidade esteja disponível em 2016.
A tecnologia que está prestes a chegar ao mercado fez com que a Dow fosse atacada por ambientalistas durante todos esses anos, algo que levou as agências regulatórias americanas a retardarem o seu processo de registro. O rebuliço é causado pela formulação do herbicida Enlist, que é produzido com o 2,4D, uma substância utilizada na composição do chamado Agente Laranja, um desfolhante fabricado pelo Exército americano e jogado por aviões durante a Guerra do Vietnã. Usado como arma contra a população daquele país, o produto causou graves sequelas em cerca de cinco milhões de vietnamitas. Como se não bastasse, o Enlist é resultado de uma combinação do 2,4D com o herbicida glifosato, outro ingrediente com uma história polêmica entre ambientalistas.
Educação no campo Para rebater as críticas, além da paciência para esperar o registro do produto, a estratégia da Dow foi apostar no convencimento, um trabalho diário e de formiguinha, para descolar a imagem da sua tecnologia do vilão Agente Laranja. “O Agente Laranja não era apenas o 2,4D, ele continha diesel e querosene em sua composição”, diz Mark Peterson, líder global de pesquisa da Dow. “As pessoas precisam entender que o Enlist é um produto totalmente diferente, muito eficaz e seguro.” Há três anos, a empresa mantém uma rotina de dias de campo em 17 fazendas experimentais para apresentar a tecnologia a produtores e parceiros, por onde já passaram mais de 20 mil pessoas. “Sem dúvida, a educação no campo é muito importante”, diz o presidente Hassinger. “Por isso investimos nesses experimentos, para que as pessoas vejam o produto funcionando no campo.”
Uma parcela significativa desse trabalho educativo consiste em explicar os diferenciais do novo herbicida. Na verdade, a substância 2,4D pura é conhecida no mercado agrícola há mais de 60 anos. Os agricultores geralmente preparam em suas fazendas a mistura desse ingrediente com o glifosato, que também é uma formulação popular e amplamente difundida. No entanto, no caso do Enlist, trata- se de uma nova formulação do 2,4D, o chamado 2,4D Cholina, cuja tecnologia de produção é patenteada pela Dow. Além disso, entra em sua formulação uma novidade da engenharia química batizada de Colex-D. Com ela, o Enlist se torna uma mistura homogênea, capaz de reduzir drasticamente o potencial de deriva do produto e de vaporização, dois problemas recorrentes na aplicação de muitos agroquímicos. Segundo Jader Rodrigues, líder comercial do Enlist no Brasil, outro diferencial é que o 2,4D, tradicionalmente, só podia ser aplicado num estágio inicial do desenvolvimento da lavoura. “Com a nova formulação, a janela de plantio para a aplicação será muito maior, praticamente a mesma do glifosato”, afirma.
Em função do crescimento da quantidade de ervas daninhas resistentes a herbicidas que se espalham por lavouras de todo o mundo, principalmente resistentes à aplicação do glifosato, a indústria química global está numa verdadeira corrida para desenvolver novas moléculas capazes de eliminar esse tipo de peste. A alemã Bayer CropScience aposta no glufosinato, enquanto a sua compatriota Basf está estudando novas formulações com uma molécula chamada dicamba. Já a americana Monsanto, a primeira a desenvolver plantas transgênicas resistentes ao glifosato, foca-se nas novas gerações da tecnologia roundup ready, que a tornou conhecida mundialmente. Nessa disputa, a Dow acredita que vai largar na frente. Segundo o líder global da área de pesquisa e desenvolvimento, Daniel Kittle, não há plantas daninhas resistentes à poderosa combinação do 2,4D com o glifosato. Além disso, no caso das sementes, a plataforma Enlist vai oferecer transgênicos de soja e de milho com genes tolerantes ao glifosato, ao 2,4D e ao glufosinato. Ou seja, é possível aplicar qualquer um desses herbicidas nas lavouras sem prejudicar o seu desenvolvimento. “A solução traz flexibilidade para o controle das plantas daninhas e terá uma longa vida útil no mercado”, afirma Kittle.
Para a Dow, a entrada do Enlist no mercado pode fazer com que a empresa ganhe mais musculatura. Aguardamos ansiosamente pelo registro dessa tecnologia”, diz Hassinger. De 2012 para 2013, o faturamento da empresa cresceu de US$ 6,4 bilhões para US$ 7,1 bilhões. “Nos últimos cinco anos, registramos um crescimento anual composto de 9%, uma média acima do mercado”, diz Hassinger. Segundo ele, sementes e defensivos movimentam algo em torno de US$ 100 bilhões por ano no mundo. Com o Enlist, a participação de mercado da Dow, hoje na casa dos 7%, poderá ganhar uns pontinhos. Uma das metas é elevar o Ebitda de US$ 969 milhões para US$ 1,8 bilhão. “O compromisso é duplicar nosso Ebitda nos próximos cinco anos”, diz o Hassinger. Parte desse resultado é esperada com a chegada do Enlist no mercado.