Com a queda de 700 mil toneladas no consumo de suco em uma década, o presidente da CitrusBR, Christian Lohbauer, diz que a indústria precisa encontrar uma saída para voltar a crescer

 

Em meio a problemas sanitários, queda mundial no consumo de suco e brigas judiciais entre produtores e indústria, o presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), Christian Lohbauer, comemora a primeira boa notícia do ano: a assinatura de um documento para a criação do Conselho da Citricultura (Consecitrus). O imbróglio, que já durava dois anos, contava com a mediação do ex-secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, João Sampaio Filho, nomeado superintendente da nova entidade. O estatuto foi assinado no mês passado pela Sociedade Rural Brasileira e pela CitrusBR. Em entrevista à DINHEIRO RURAL , Lohbauer fala sobre as dificuldades de um setor que movimentou US$ 14 bilhões em 2011, dos quais US$ 2,3 bilhões foram com exportações.

DINHEIRO RURAL – Com a assinatura do estatuto que cria o Consecitrus, a entidade já pode iniciar as suas atividades?

CHRISTIAN LOHBAUER – Em princípio, sim. Mas a colheita da safra começa no fim de maio ou, no mais tardar, no início de junho. Então, duvido que haja tempo para que o Consecitrus comece a atuar ainda neste ano, em sua principal função, que é a de definir os preços de referência da fruta para o fechamento de contratos. Nesse ponto, ainda precisamos de algumas conversas sobre custos de produção, tanto por parte da indústria como por parte dos produtores. Isso levará algum tempo.

RURAL – O sr. acredita que a criação do Consecitrus possa, de fato, acabar com os desentendimentos entre produtores e indústria?

LOHBAUER – O Consecitrus vai colaborar para a retomada do equilíbrio na cadeia de citrus do País, já que a tarefa do conselho é encontrar consenso em como solucionar os problemas que afetam o crescimento do setor. Não tenho nenhuma dúvida de que ainda haverá muita discussão pela frente. O estatuto foi assinado na noite do dia 18 de maio e, no dia seguinte, logo pela manhã, os telefonemas começaram a pipocar na sede da CitrusBR. Mas não é por isso que vamos deixar de arrumar a casa, pois se há algum consenso na citricultura é o de que as coisas não podem continuar como estão.

RURAL – Com frequência, os produtores têm acusado a indústria de suco de formação de cartel e que a criação do Consecitrus seria uma jogada para evitar esse tipo de processo. Isso é verdade?

LOHBAUER – A acusação de que o Consecitrus serviria para maquiar uma possível formação de cartel parte de um grupo pequeno de produtores. O processo em relação à formação de cartel é paralelo à criação do Consecitrus, uma entidade que tem objetivos claros e que não passam pela questão cartel. No caso de processo, há canais competentes para solucionar o impasse, entre eles o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão do Ministério da Justiça.

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RURAL – Qual a posição da indústria em relação à criação do Consecitrus?

LOHBAUER – É o maior projeto do setor citrícola brasileiro dos últimos anos. Aliás, a CitrusBR, criada em 2006 pela indústria do setor, nasceu para viabilizar esse projeto. O Consecitrus é um marco para redesenharmos a citricultura, pois se nada for feito o setor vai encolher de tamanho e perder importância na economia do País. A única saída é reconstruir a cadeia, pois os custos de produção são altíssimos e há excesso de fruta no mercado.

RURAL – E como está o consumo de suco de laranja?

LOHBAUER – Nos últimos dez anos, o mundo deixou de consumir 700 mil toneladas de suco de laranja, por ano. Em 2002, o consumo mundial era de 2,8 milhões de toneladas de suco, e hoje é de 2,1 milhões de toneladas. Isso aconteceu por causa do grande número de bebidas alternativas criadas pela indústria, como as águas com sabores, isotônicos e energéticos, entre outras. O consumo do suco de laranja, infelizmente, não tem crescido. Ao contrário, ele cai nos Estados Unidos e segue estagnado em outros mercados, como a Europa. Mas os americanos continuam como grandes consumidores, responsáveis por uma demanda de 850 mil toneladas por ano.

RURAL – Como o setor pode reverter esse cenário de queda?

LOHBAUER – O futuro está na ampliação dos mercados emergentes, mas eles não são muitos. O único mercado que mostra alguma vitalidade é a China, que dobrou as importações de suco de laranja nos últimos dez anos. Mesmo assim, o consumo ainda é pequeno naquele país. O consumo chinês, que era de 45 mil toneladas de suco por ano, dobrou para 90 mil toneladas, mas ainda equivale a apenas 10% do que os americanos consomem. O que a CitrusBR está fazendo – ainda mais, depois do caso carbendazim (um fungicida usado em rotatividade com outros similares, para combater pragas como a pinta preta e a estrelinha) – , é uma campanha de marketing mundial sobre os benefícios do suco de laranja para a saúde. Na primeira etapa criamos a campanha I Feel Orange, que está nas mídias sociais e foi muito bem aceita. Agora, vamos dar um passo maior com campanhas na televisão, que devem nos custar cerca de R$ 3 milhões.

RURAL – O que, de fato, ocorreu no caso carbendazim, em fevereiro, quando o suco brasileiro foi impedido de entrar nos Estados Unidos?

LOHBAUER – Esse caso não deveria ser um problema, mas se transformou em um. O carbendazim é aceito no mundo inteiro, com limites muito mais altos do que as 30 partes por bilhão encontradas em fevereiro no suco brasileiro exportado para os Estados Unidos. Até 2009, os americanos aceitavam 500 partes por bilhão. Essa história começou em 2002, quando o Food a n d Drug Administration, a agência que controla alimentos e medicamentos naquele país, pediu aos seus produtores para excluírem o uso do carbendazim, mas os citricultores enrolaram quase sete anos para fazer isso. Somente a partir de 2009 a pressão fez valer a regra. Desde então, o carbendazim não é usado na citricultura americana e os produtos que entram no país não podem conter essa substância.

RURAL – E o Brasil desconhecia essa regra?

LOHBAUER – Nós sabíamos, mas continuamos a mandar suco para os Estados Unidos, com índices tão baixos de carbendazim que isso nunca nos causou problemas. Até fevereiro, os americanos não haviam feito uma única menção sobre o carbendazim usado pelos produtores no Brasil. Depois que um dos nossos clientes encontrou a substância, tentamos argumentar com o governo americano sobre o índice quase imperceptível do fungicida no suco brasileiro. Mas, da maneira como a notícia correu a mídia, parecia que todo o suco do País estava contaminado e não teve como reverter a situação. O consumo de suco de laranja nos Estados Unidos recuou 12% de fevereiro a abril, segundo dados do Departamento de Citrus da Flórida.

“O único mercado que mostra vitalidade é a China, que dobrou as importações”

 

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RURAL – Podemos dizer que o Brasil tentou dar o seu famoso “jeitinho”?

LOHBAUER – Todos os fabricantes do País realizam os testes necessários para detectar resíduos nos produtos, hoje exportados para mais de 70 mercados. Esse tipo de problema, como o do carbendazim, normalmente acontece com os europeus. Não imaginávamos que pudesse acontecer com os Estados Unidos. As empresas calcularam errado ao acreditar que um mercado como o americano, que já usou a substância e aceitava os índices mínimos de carbendazim no suco que enviávamos, não criaria problema. Houve um erro brasileiro, sim, mas que deve ser dividido também com os americanos. Eles nunca haviam feito nenhuma notificação ao Brasil e tomaram de cara a resolução drástica de suspender toda a importação de suco.

RURAL – Existe alguma outra substância usada no Brasil que pode trazer problemas em futuras exportações?

LOHBAUER – Não dá para afirmar que esse risco não existe mais. As quantidades de substâncias utilizadas na proteção das lavouras são modificadas com frequência. No entanto, garanto que, hoje, na citricultura do País não há nenhuma substância que esteja fora dos padrões internacionais. Montamos uma força-tarefa para evitar futuros problemas. O Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) faz o acompanhamento sistemático da lista de fungicidas e substâncias usadas nos pomares aptos a abastecer os mercados internacionais. O objetivo é tomar providências o mais rapidamente possível. Mas as barreiras sanitárias e ambientais são a nova fronteira do comércio internacional. Cada vez mais o mercado consumidor está preocupado com os índices de substâncias usadas na agricultura e os governos serão cada vez mais severos com os fornecedores de matéria-prima.