Durante semanas, a relações públicas Fernanda Gomes, candidata à Câmara Municipal de São Paulo pela Rede e grávida de seis meses, chegou a imaginar que o nascimento de sua criança coincidiria com sua eventual diplomação ou posse. Apesar dos pedidos de amigos e familiares para que desistisse, Fernanda, formada pelo movimento RenovaBR, manteve seu nome na disputa. “Se eu entrar em trabalho de parto na posse, vou resolver”, disse Fernanda, fundadora do projeto Existe Ler em SP e defensora de políticas para mulheres.

A vida de Fernanda e de outras candidatas mulheres que conciliam ativismo, maternidade, carreira e campanha política foi dificultada pela pandemia da covid-19. Em um primeiro momento, foram desarticuladas redes de familiares e amigos de que essas mães dependem para conseguir conciliar a tripla jornada. Para mostrar essa situação, o Estadão ouviu cinco candidatas a vereador de São Paulo: uma grávida, uma mãe de filha adotiva, uma mãe cadeirante com doença degenerativa, uma mãe de filho autista e uma mãe de oito filhos.

Filiadas a partidos de diferentes lados do espectro político, elas relataram que a motivação para acumular funções vem da urgência que veem em suas pautas. “Não tem como não virar ativista. Quando as pessoas dividem as histórias delas com você e você percebe que a situação está tão crítica…”, disse Andréa Werner (PSOL), cujo filho foi diagnosticado com autismo aos dois anos. Ela abandonou a carreira em uma multinacional para levar o filho aos tratamentos, mas reconheceu que muitas mulheres não conseguem fazer o mesmo. Pela rede que montou por meio de um blog sobre sua experiência, soube da peregrinação de cerca de seis meses para se conseguir atendimento com um neurologista pelo SUS.

Com o tempo, Andréa começou a participar de audiências e correr atrás de políticos. Candidata a deputado em 2018, ela considera que sua atuação é pelo direito das famílias de pessoas com deficiência.

“Penso em um futuro melhor para os meus filhos”, afirmou a empresária Márcia Nunes (PSD), ativista da causa animal e da adoção. Mãe de um filho biológico de 22 anos, Márcia conseguiu adotar sua primeira filha, a recém-nascida Rosa Maria, que chegou há menos de dois meses, após cinco anos de espera na fila de adoção. A segunda filha adotiva, Maria Flor, está a caminho. Márcia disse que hoje tem a compreensão de que, embora o Estado tenha de ser mais rápido com a burocracia da adoção, parte da demora é justamente para conseguir selecionar pais que não vão devolver as crianças. Márcia não está fazendo tripla jornada por uma exigência legal: mães adotivas têm de permanecer em casa nos primeiros meses após a chegada de filho. Mesmo assim, recebe ajuda do marido para dar conta da filha recém-chegada e da campanha eleitoral.

Pauta

A candidata cadeirante Camila Taipa, do Republicanos, realiza trabalhos voluntários em ONGs, embora seja aposentada por invalidez. Segundo Camila, o filho foi sua principal motivação para enfrentar a depressão que sofreu após seu diagnóstico de Ataxie de Friedreich, uma doença degenerativa incurável. “Comecei a procurar na internet pessoas que tinham outras doenças e que passavam pelas mesmas dificuldades. Vi que minhas as limitações e os meus problemas eram pequenos quando eu olhava outros casos”, afirmou.

Camila colabora com a ONG Instituto Vidas Raras, voltada para deficientes. Essa também é sua pauta eleitoral. Ela relatou dificuldades de estar em casa tendo de gerenciar, sozinha, os trabalhos para a ONG, a campanha e a aula online do filho. “Estou ficando maluca, mas a gente consegue. Tenho também as minhas terapias. Não posso me dar ao luxo de pensar só em mim.”

Com oito filhos, a petista Carmen Silva, coordenadora do Movimento dos Sem Teto do Centro, disse que toda a sua prole entrou para o movimento por moradia. “Quanto mais eles cresceram e foram constituindo suas famílias, mais eles perceberam que precisam entrar no ativismo para ter uma moradia digna e um trabalho digno.”

Carmen é uma das pessoas por trás do retrofit do Hotel Cambridge, adquirido pela Prefeitura de São Paulo na gestão de Gilberto Kassab (PSD). Na administração de Fernando Haddad (PT), a ativista foi uma das que negociaram que o prédio, então ocupado, passasse por reformas financiadas pelos moradores por meio da Caixa Econômica Federal. “Eu já faço essa jornada tripla (há muitos anos). Lutar por moradia não é só sentar nos lugares e gritar. É participar da elaboração do projeto de orçamento, de audiência pública.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.