Um novo momento parece estar definitivamente chegando aos laranjais brasileiros. Durante anos, o setor esteve entre um dos mais belicosos dos campos nacionais. Disputas sem fim colocando produtores e a indústria em lados opostos era quase um mantra, principalmente no interior paulista, que detém 53% da produção mundial da fruta. Mas sinais recentes mostram que essa página pode estar prestes a ser virada. É verdade que há problemas a serem resolvidos. A indústria ainda enfrenta um processo por uma suposta formação de cartel no Conselho Administrativo de Defesa; encara uma redução de consumo da ordem de 1,6% ao ano no mercado internacional; nos Estados Unidos, principal consumidor de suco de laranja com 38% da demanda mundial e “dono” de 20% dos destinos brasileiros da bebida, a queda é de 24% nos últimos dez anos. Na Europa, que compra 70% da produção nacional da bebida, se mantém estável, mas sofre pressão de concorrentes como a China, que embarca milhares de toneladas de suco de maçã produzido com uma moeda desvalorizada artificialmente, o que impõe ao produto brasileiro uma concorrência quase desleal. Ainda assim, há números que comprovam uma hegemonia sem precedentes.

O suco de laranja brasileiro é um líder inconteste: a cada cinco copos consumidos no mundo, três são fabricados no Brasil. No mercado global de sucos, entre todos os sabores, possui uma participação de mais de 30% e, entre todas as bebidas que se possa imaginar, tem 0,91% de mercado global. Por ano, o setor gera cerca de US$ 6 bilhões – dos quais US$ 2 bilhões em exportações e US$ 4 bilhões no mercado interno. Dentro desse número, US$ 1,9 bilhão foi para as mãos de citricultores em 2009. Todas essas informações constam num estudo inédito apresentado no dia 20 de outubro na capital paulista, num seminário que reuniu cerca de 500 participantes, entre produtores, industriais e consultores do setor. De autoria do professor Marcos Fava Neves, titular do Departamento de Pesquisas Avançadas (Pensa/USP), “O retrato da citricultura brasileira” escancara os números de um setor que sempre se caracterizou por se manter longe dos holofotes, principalmente da imprensa. “Todos os números possíveis desse setor agora são públicos para quem quiser”, explica Fava Neves à DINHEIRO RURAL. “O suco de laranja sofre pressão de outros sabores e bebidas. Não pode perder tempo com brigas internas, é preciso reformar esse ambiente e olhar para o futuro”, explica. E essa é a parte mais interessante da história.

Entre sucos e néctares, laranja é o sabor preferido

Sabor

Participação

Laranja

35%

Maçã

16%

Mix de Frutas

10%

Uva

3%

Pessego

4%

Abacaxi

3%

Manga

2%

Cranberry

2%

Outros

25%

 

Durante anos, a indústria não quis nem ouvir falar na formação de um Conselho que pudesse regulamentar a forma de remuneração dos produtores. Esse é o Consecitrus, um modelo criado à imagem e semelhança do Consecana, que funciona plenamente desde 1994 e pacificou as relações entre fornecedores e usinas. Há cerca de um ano, o processo avançou significativamente e hoje quem não quer conversa é justamente a autora da proposta, a Associação Brasileira dos Citricultores (Associtrus), presidida pelo ex-produtor Flávio Viegas. Há pelo menos dez anos é possível encontrar citações da entidade em seu site a favor do Consecitrus de uma forma bastante semelhante à proposta pela indústria hoje, mas isso não tem sido suficiente para amolecer as lideranças. “A indústria só está querendo parecer boazinha diante do Cade para assinar um Termo de Cessão de Conduta e depois sairá das discussões. Queremos nossa indenização pelas perdas passadas”, resume Viegas. Segundo o que apurou DINHEIRO RURAL, a Associtrus tem a expectativa de que as indústrias sejam condenadas no processo do Cade. Isso abriria espaço para uma chuva de processos por indenizações que poderiam consumir bilhões de reais das indústrias. Nesse sentido, o pior cenário para a Associtrus seria um acordo, ainda que absolutamente dentro da lei, entre a indústria e o Cade.

A volta por cima:

um dos maiores desafios da citricultura brasileira é reverter a queda no consumo mundial do suco, de 1,6% ao ano, e a perda de espaço para outras bebidas

Mesmo que de forma velada, a posição da Associtrus tem sido criticada no setor. Sem citar nomes, o diretor da Sociedade Rural Brasileira, Gastão Crocco, se diz favorável ao momento. “Nossa entidade está empenhada em construir o consenso e virar essa página. Tem gente contrária, é uma pena”, diz. Hoje, a SRB conta com grandes citricultores que somam mais de 30 milhões de caixas de laranja, enquanto a Associtrus tem cerca de um milhão. Quem também aderiu ao processo após um logo período de consultas foi a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp). Ela representa os sindicatos rurais patronais.

Chance de ouro:

com a abertura da indústria para o diálogo, as perspectivas de criação do Consecitrus se tornam cada dia mais reais e podem promover maior desenvolvimento do setor

Outro que tem criticado a postura da Associtrus é o secretário de Agricultura do Estado de São Paulo, João de Almeida Sampaio. Ele tem sido mediador das conversas (ou tentativas de conversas) desde 2007. “É preciso olhar para a frente, porque senão a todo momento vai surgir um esqueleto do armário e nunca haverá solução”, diz. Christian Lohabauer, da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR ), que representa as “quatro grandes” – Cutrale, Citrosuco, Citrovita e Louis Dreyfus Commo-dities – diz que há um ambiente favorável. “Temos que fazer como o pessoal da cana. Havia problemas parecidos e depois que foi implantado o Consecana produtores e usinas brigam juntos para baixar tarifas do etanol nos Estados Unidos”, explica. “Essa é nossa meta: o mundo precisa beber mais suco de laranja.”