Ainda não é possível imaginar um mundo movido somente a energia produzida a partir de biomassa vegetal ou de resíduos provenientes da madeira, do milho, da cana-de-açúcar, da palma ou da soja. No entanto, caso isso ocorresse, com certeza, o planeta, que depende de três combustíveis fósseis altamente poluentes – petróleo, carvão mineral e gás natural – seria mais limpo. Para dar respostas de quanto o mundo ganharia com essa troca, no mês passado a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), apresentou em um encontro de cientistas e lideranças do setor do agronegócio, realizado na capital, o resultado de um estudo chamado Bioenergia e Sustentabilidade: Reduzindo Barreiras. Realizado desde 2012, em parceria com o Comitê Científico para Problemas do Ambiente (Scope, na sigla em inglês), órgão da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o estudo reuniu 137 especialistas de 24 países, recrutados em 82 instituições. Para esse grupo de estudiosos, a biomassa pode prover um quarto da energia mundial até 2050, reduzindo a emissão dos poluentes e dos gases de efeito estufa. “Esse relatório é um compêndio de informações essenciais para que os vários setores industriais possam discutir uma agenda de políticas públicas e alternativas”, diz Elizabeth Farina, presidente da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica). “O desenvolvimento da eficiência energética é importante para a competitividade da bioenergia.”

O estudo foi liderado pela bioquímica Glaucia Mendes Souza, coordenadora do programa de bioenergia da Fapesp e professora da Universidade de São Paulo. De acordo com Glaucia, a pesquisa apontou que a bioenergia pode promover, de fato, o desenvolvimento sustentável. “A bioenergia é a fonte que mais impacta na sociedade nos âmbitos social, ambiental e econômico, por ser eficiente e segura”, afirmou Glaucia. Nos dias atuais, do total de energia que o mundo produz, cerca de 550 exajoules (EJ), o equivalente a 98,5 bilhões de barris de petróleo, a bioenergia corresponde a apenas 55 EJ, ou seja, 10% da demanda. Mas, até 2050, a previsão dos estudiosos é que essa realidade mude e a bioenergia passe a ser fonte de 25% do total de 1,2 mil EJ de energia que o mundo vai precisar.


Incentivo: Elizabeth Farina, presidente da Unica, apoia o desenvolvimento da eficiência energética para dar competitividade à bioenergia

De acordo com Luiz Augusto Horta Nogueira, professor da Universidade Federal de Itajubá, de Minas Gerais, um dos editores e co-autor do relatório, de todas as regiões do planeta, a América Latina e o Caribe são as que apresentam as melhores condições para a produção de bioenergia. Segundo ele, estão disponíveis nessas regiões cerca de 360 milhões de hectares de terras aptas à agricultura, o que corresponde a 37% da área total mundial, ou três vezes a  requerida para atender as necessidades alimentares do mundo. Para Nogueira, se geridos de forma adequada e com a adoção de processos eficientes, 20% dessa área poderiam produzir, anualmente, 24 exajoules de biocombustíveis líquidos, o equivalente a 11 milhões de barris de petróleo por dia. “Esse valor é mais do que a produção atual dos Estados Unidos ou da Arábia Saudita”, diz Nogueira.

Para o Brasil, o relatório apontou a existência de energias renováveis suficientes para suprir 41% das suas necessidades energéticas.Atualmente, os brasileiros consomem cerca de dois milhões de barris de petróleo por dia de energia. O investimento no setor poderia ajudar a promover o crescimento econômico e a segurança alimentar em áreas rurais pobres. No entanto, os benefícios dependem de políticas públicas que garantam sustentabilidade e distribuição igualitária dos benefícios. “A ideia que existe até hoje, de que os biocombustíveis competem com a produção de alimentos e poderiam levar a um aumento dos preços é baseada em suposições, não em fatos”, disse Glaucia. “A bioenergia pode ter sinergias benéficas para a produção de alimentos, trazendo modernização para a agricultura e poder aquisitivo para as regiões rurais, além de emprego no campo”. O relatório passa agora para a fase de disseminação dos resultados. Além das apresentações realizadas em junho, na Fiesp, em São Paulo, na sede do Banco Mundial, em Washington, e em Bruxelas, na Bélgica, será realizada uma sessão ainda sem data definida no Quênia.