30/08/2019 - 15:25
Desde o ensino médio, o sonho do americano Greg D’Alesandre sempre foi fazer chocolates e, claro, viver do negócio. Em 2010, ele largou o invejável emprego que tinha de engenheiro no Google e resolveu tirar os planos do papel. Mas era necessário algo inovador, diferente do que vinha sendo feito pela grande indústria. Decidiu apostar no “bean to bar”, termo em inglês que significa “do grão à barra” e designa o movimento que vem ganhando cada vez mais espaço com a seleção de cacau de qualidade superior, valorizando a produção artesanal de chocolates (leia no box da página 48). Há cerca de um mês, D’Alesandre esteve em São Paulo e na Bahia, para participar da Bean to Bar Chocolate Week. “A experiência com o chocolate não é apenas a venda. É, também, sobre ensinar às pessoas como funciona a produção da barra”, afirma ele.
Ainda tímido, esse movimento mostra bastante fôlego para crescer nos próximos anos. Nos Estados Unidos, um dos países pioneiros, já há mais de 250 marcas de chocolates produzidos com a pegada bean to bar – em 2004, eram apenas cinco. Foi naquele ano, aliás, que a onda chegou ao Brasil. De lá para cá, o negócio só cresceu. Há cinco anos, eram 22 marcas nacionais. Hoje, já são 70, mais do que o triplo. Todas produzindo chocolate de acordo com regras bem específicas, como usar cacau livre de agrotóxicos, remunerar os lavradores justamente, respeitar as leis ambientais e identificar a origem da plantação. Com todos esses conceitos definidos, D’Alesandre se juntou aos sócios Todd Masonis e Cameron Ring para fundar a Dandelion Chocolate, na cidade de São Francisco, na California.
Os donos da Dandelion não escolheram a Califórnia para ser sede da companhia por acaso. Marcas com mais de 100 anos de tradição no mercado, como a Guittard e a Guirardelli – comprada pela suíça Lindt, em 1998 –, têm suas bases na mesma região. D’Alesandre e seus sócios queriam adquirir a cultura empreendedora da indústria chocolateira local, mas, ao mesmo tempo, se diferenciar das gigantes. Era preciso criar algo intimista e se aproximar do seu público-alvo. Por isso, das três lojas físicas que a companhia possui em São Francisco, duas funcionam no mesmo espaço onde são feitas as barras de chocolate. O mesmo acontece em Tóquio, onde a companhia tem uma loja e uma fábrica. “Eu acredito que, quando as pessoas visitam as nossas fábricas e vêem cacau fresco pela primeira vez, elas vão se lembrar daquilo para sempre”, diz D’Alesandre. Hoje, a Dandelion produz cerca de 100 toneladas de chocolate por ano e possui pontos de venda em outras cidades dos Estados Unidos, do Japão e de Taiwan.
MISTURA BOA Na produção “da amêndoa à barra”, vale misturar tudo que resulte numa boa combinação de sabores com o chocolate. Nesse quesito, o Brasil ganha pontos, com ingredientes típicos do País e que servem perfeitamente para a produção de blends. Bruno Lasevicius, da Casa Lasevicius, utiliza, por exemplo, castanha de caju, flor de jambu e até formigas içá – as duas últimas originárias da Amazônia. “Ter um bom chocolate é, antes de tudo, ter um bom cacau. Mas saber mesclar com outros ingredientes faz muita diferença”, destaca Lasevicius. Trabalhando com apenas outras três pessoas, ele produz cerca de 200 quilos de chocolate por mês. Sua meta é chegar aos 300 quilos (50% de crescimento) e parar por aí. “Você tem de escolher: ou se tem escala, ou valor agregado”.
Presidente da Associação Bean to Bar Brasil, a empresária Arcelia Gallardo, da Mission Chocolate, também gosta de usar frutos brasileiros na produção de chocolates. Suas barras levam misturas com baru, umbu e cupuaçu, cultivados nas regiões Norte e Nordeste do País. Atualmente, ela tem trabalhado em uma nova linha, como arroz doce (chocolate branco e arroz), pão de mel (chocolate ao leite, gengibre e pimenta), romeu e julieta (chocolate branco, queijo cremoso e goiabada) e pamonha (chocolate branco e milho verde). “Eu compro o cacau e faço os chocolates. É um trabalho artesanal. E tem de ser assim”, diz.
No Brasil, o que não falta é cacau para empresários como Arcelia e Bruno trabalharem. O País produz 250 mil toneladas por ano, das quais mais de 122 mil (quase 50%) são fornecidas pela Bahia, o maior produtor nacional. Mas há espaço para muito mais. No final dos anos 1980, as lavouras brasileiras chegaram a liderar a produção mundial da amêndoa, com 400 mil toneladas anuais. No entanto, uma praga conhecida como vassoura-de-bruxa dizimou plantações e forçou produtores a mudar de setor. Os que continuaram tiveram de fazer um trabalho de reconstrução da cacauicultura. Uma das estratégias foi plantar variedades mais resistentes a pragas e doenças. Outra estratégia foi apostar em nichos de mercado com valor agregado. Estava criado o cenário perfeito para o bean to bar.
Os produtores comemoram a nova fase. “Agora, que viram que o cacau brasileiro é de qualidade, todos querem experimentar o nosso chocolate”, afirma Arcelia. Ela não é apenas mais uma produtora. Apaixonada pelo doce, Arcelia, que nasceu nos Estados Unidos e vive no Brasil há 5 anos, já rodou 23 países, estudando variedades de cacau e a produção da barra. No posto de presidente da Associação Bean to Bar Brasil, ela acredita que o País leva vantagem em relação a fabricantes da Europa e dos Estados Unidos. É que, diferentemente dos concorrentes, que precisam importar o cacau da Costa do Marfim, de Gana ou do Equador, o Brasil produz sua própria matéria-prima. “O mercado brasileiro tem potencial para triplicar nos próximos anos”, diz.
ALÉM DOS CAMPOS O movimento de sofisticação do chocolate nacional tem ultrapassado as lavouras. Muitos cacauicultores estão indo além da produção no campo e criando as próprias marcas de chocolate. Eles são classificados como “tree to bar” (da árvore à barra). É o caso de Pedro Magalhães Neto, proprietário das fazendas Laje de Ouro, Pirajá e São Roque, respectivamente situadas nas cidades de Ibirataia, Ipiaú e Itagibá, todas na Bahia. Numa área de 170 hectares, ele tem produção de 75 toneladas de cacau ao ano, sendo 30 toneladas (40%) de cacau especial. Enquanto vende por R$ 11 o quilo do cacau convencional, o tipo especial sai por R$ 32, quase três vezes. Para Neto, os produtos artesanais e com identificação de origem estão em crescimento graças ao comportamento dos consumidores, cada vez mais exigentes. É algo similar ao que acontece com a cerveja, o vinho e o café. Por isso, desde 2015 ele tem a sua própria marca, a Var Chocolates. Entre outras variedades, ele produz barras com 70% de cacau, ao leite e com leite de cabra. “As pessoas estão revolucionando o mundo da alimentação”, afirma Neto.
Trajetória similar é vista na Fazenda Panorama, no município paraense de Uruará. Descendente de alemães, Ervino Gutzeit começou a plantar cacau em 1980. Trinta anos depois, em 2010, as irmãs Eunice e Elcy Gutzeit tomaram a frente do negócio. E sete anos mais tarde, em 2017, elas começaram a produzir cacau especial. Hoje, a média de produção é de 250 toneladas por ano. Desse total, 50 toneladas (20%) são de qualidade superior. “Resolvemos verticalizar e agregar valor à produção”, afirma Eunice. Deu certo. Em fevereiro, o produto das irmãs Gutzeit foi premiado no Concurso de Qualidade Cacau Especial do Brasil, na categoria Mistura ou Blends. Um mês depois, elas criaram sua marca própria, que leva o nome da família. Num prazo de até dois meses, a ideia é levar ao mercado barras com frutas exóticas da Amazônia, como o cupuaçu, e variedades com 70% e 100% de cacau. “O mercado bean to bar está em franca evolução”, diz Eunice. “As pessoas estão mais convictas a respeito do que querem em aspectos como sabor e qualidade.”
Afinal, o que é o “bean to bar”?
Atualmente considerada sinônimo de chocolate de alta qualidade, a expressão “bean to bar” é uma abreviação da frase em inglês “from bean to bar”: “da amêndoa à barra”. O termo é usado quando um só fabricante atua em todas as etapas da produção do chocolate, do cacau à barra. Ao participar de todas as fases do processo, o produtor consegue extrair o melhor do cacau e, consequentemente, fazer um chocolate de sabor e qualidade diferenciados. Outro ponto importante nos chocolates bean to bar é a pureza. Para receber esse selo, o produto precisa ser livre de aditivos químicos e ter suas barras constituídas praticamente apenas de cacau e açúcar, além dos ingredientes utilizados em blends, como outras frutas e especiarias. Por outro lado, os chocolates comerciais, facilmente encontrados nas gôndolas dos supermercados, raramente atingem o percentual mínimo de cacau exigido por lei, que no Brasil é de 25%. Além disso, esses produtos recebem, em sua composição, diversos aditivos químicos, como adoçantes, conservantes e gorduras hidrogenadas. É por essas e outras que o chocolate bean to bar está fazendo tanto sucesso.