01/03/2012 - 0:00
PROTESTO EM PARIS: produtores franceses são contra redução de subsídios, apesar da crise
Nem mesmo a grave crise que envolve as economias da Europa conseguiu abater a robustez dos subsídios agrícolas do bloco. Para analistas, num momento em que os governos do Velho Mundo tentam encontrar soluções para seus grandes déficits orçamentários, poderia haver alguma chance de redução real do volume total dos pagamentos que beneficiam os agricultores, a maior despesa da União Europeia. Em 2010, o bloco gastou ? 58 bilhões, praticamente metade de seu orçamento nesses subsídios. Os Estados Unidos, por exemplo, despendem anualmente ? 14,8 bilhões para mimar seus agricultores.
Mas as esperanças dos grandes produtores agrícolas de fora da Europa e de algumas nações do próprio bloco contrárias às grandes despesas com subsídios, como a Inglaterra e Holanda, estão se frustrando. A proposta de reforma da Política Agrícola Comum (CAP, na sigla em inglês), apresentada em outubro, prevê manter o mesmo volume de subsídios pelo menos até 2020, ainda que o valor não seja corrigido pela inflação. As discussões devem resultar em propostas de reforma que passarão pelo Conselho e pelo Parlamento europeus nos próximos 18 meses. A nova CAP entrará em vigor no início de 2014.
Os maiores receptores da ajuda agrícola, França, Alemanha, Espanha e Itália, são obviamente contrários a qualquer redução imediata. A proposta busca demonstrar alguma mudança para o público externo, tentando coibir os pagamentos milionários a grandes empresas – que provocaram revolta na população europeia -, além de fixar um limite máximo de ? 300 mil por propriedade rural. Outra mudança que trouxe manchetes favoráveis, defendida pela atual presidente do Conselho de Agricultura, a ministra dinamarquesa Mette Gjersov, é o uso de uma parcela maior dos subsídios para a conservação do meio ambiente. Mas o fato é que, no que interessa, a redução do apoio governamental à agricultura europeia, altamente prejudicial à concorrência, não há nada que entusiasme. “A proposta é muito conservadora e o ritmo de mudança, lento”, afirma o chefe da divisão de Agricultura do Itamaraty, Orlando Leite Ribeiro.
LÍDER DA REFORMA: a dinamarquesa Mette Gjersov chefia o Conselho de Agricultura da UE
A única reviravolta deverá ocorrer no mercado de açúcar. A comissão está propondo acabar até 2016 com todo sistema de subsídios que foi condenado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) num contencioso iniciado pelo Brasil. Mesmo assim, as indicações de mudanças no sistema não necessariamente trarão boas notícias aos produtores brasileiros. Serão extintos a política de preço mínimo para os produtores de beterraba, principal insumo do açúcar no Velho Mundo, os subsídios à exportação e a exigência de prioridade no mercado interno dos países europeus para os produtores locais.
Com essas medidas, de acordo com a chefe de assuntos internacionais da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Géraldine Kutas, haverá uma redistribuição da produção açucareira dentro da Europa, com a predominância de países mais competitivos, como França, Alemanha e Bélgica. Os que têm menor competitividade devem parar de produzir, supõe Kutas. A eliminação dos subsídios condenados pela OMC tem o objetivo de tentar derrubar as restrições à exportação impostas pelo órgão multilateral como compensação pelo uso de práticas que distorcem a livre competição, na opinião da especialista da Unica. Pelo menos é essa a interpretação que a União Europeia tentará defender na OMC, diz a executiva. “Se isso acontecer mesmo, os produtores europeus disputarão terceiros mercados com o Brasil”, afirma Kutas. Ribeiro, do Itamaraty, também está otimista com a reforma. Treze países, incluindo Espanha, Portugal e Bélgica, defendem que os subídios ao açúcar continuem até 2020.
O protecionismo continua bem vivo: não haverá mudança nos subsídios à exportação de cereais, lácteos, ovos e carnes. O bloco quer ainda aumentar o apoio à exportação de frutas e vegetais, vinhos e mel. E o pior: a Europa está aumentando a flexibilidade dos países para conceder subsídios vinculados à produção, justamente o tipo mais predatório. Esse tipo de pagamento poderá aumentar de 5% para 10% do teto nacional de cada país. Mais dinheiro para produtores europeus de trigo, oleaginosas, arroz, lácteos, amido de batata, carnes, azeite, cana-de-açúcar, beterraba, lúpulo, sementes, culturas para fins de energia, frutas e vegetais. Não por acaso, vem da França, maior receptora de subsídios agrícolas da CE, um ditado que define a situação à perfeição: “Plus ça change, plus c’est la même chose”. Em português, algo como “quanto mais as coisas mudam, mais permanecem iguais”.