11/06/2019 - 14:32
O empresário e pecuarista Rivaldo Machado Borges Júnior, 58 anos, está convicto de que será o novo presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), com sede em Uberaba (MG). A entidade completará 100 anos em maio, durante a 85ª Expozebu, sua feira anual. Trata-se do maior órgão representativo de raças zebuínas do mundo. São cerca de 22 mil pecuaristas que criam nelore, guzerá, gir, tabapuã, brahman, indubrasil e sindi, entre gado de corte e leiteiro, em um país, no caso o Brasil, onde 80% de seus 214 milhões de bovinos têm sangue zebuíno. As eleições ocorrem em agosto, com um forte indício de que deve permanecer inalterada a linha de trabalho desenvolvida pelo atual presidente, Arnaldo Manoel Borges, eleito em 2016. À época, a ABCZ passou por um dos maiores rachas políticos sobre seu modelo de gestão. Tanto que o atual presidente foi eleito com o apertado índice de 50,9% dos votos válidos. Rivaldo Borges Júnior, que já foi presidente do Sindicato Rural de Uberaba por 12 anos, é consenso por ter atuado como diretor na gestão passada da ABCZ, permanecendo na atual. Hoje, ele é o diretor administrativo, além de comandar um dos principais projetos da entidade, o programa Pró-Genética. Confira a entrevista exclusiva que ele concedeu à RURAL.
DINHEIRO RURAL – Por que o senhor tem tanta certeza de que será o próximo presidente da ABCZ?
RIVALDO MACHADO BORGES JÚNIOR – Porque fui indicado pela totalidade dos membros da atual diretoria e não há nenhum movimento de oposição ao meu nome. A atual diretoria, que se elegeu com o slogam “ABCZ para Todos”, vem cumprindo o seu papel. A ABCZ tem um orçamento anual entre R$ 18 milhões e R$ 20 milhões. Recebemos a entidade com cerca de R$ 8 milhões em caixa, em 2016, e em dezembro de 2018 viramos o ano com R$ 16 milhões. Se não tivéssemos investido em melhorias no parque Fernando Costa, onde acontecem os nossos principais eventos, estaríamos com
R$ 24 milhões em caixa. Mas esses investimentos eram necessários. Agora, temos barracões melhores para os bovinos, mais dois restaurantes e um hotel para os tratadores de gado que frequentam o parque de exposições. Além disso, fizemos um enxugamento na gestão da entidade, com corte de funções desnecessárias, como há muito tempo não se fazia. Pelo que foi realizado em tão pouco tempo, não tenho nenhuma dúvida de que, caso o estatuto interno permitisse, o nosso atual presidente continuaria no cargo.
RURAL – Qual o principal desafio de uma entidade do porte da ABCZ, em um cenário no qual o preço da arroba do boi, que rege o mercado, está bastante achatado?
BORGES JÚNIOR – Criar oportunidade de qualificação. A pecuária precisa se integrar cada vez mais a outras atividades, como os grãos e florestas plantadas. Ou seja, apostar na Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e na Integração Lavoura-Pecuária (ILP). Os valores mudaram muito na pecuária de corte e também na pecuária de leite. O valor agregado era maior. O que aconteceu com o agronegócio nos últimos 10 anos, com exceção da agricultura, foi uma mudança de cenário das commodities agrícolas. Os preços dos produtos utilizados em uma propriedade tiveram uma correção natural de preços. Por exemplo, o arame, as máquinas, os medicamentos, insumos de modo geral, ganharam da inflação. Mas a atividade pecuária não. Ela não acompanhou a evolução natural dos preços. No passado, quem tinha mil bois era considerado um pecuarista de grande porte e tinha uma renda extraordinária. Hoje, não é assim. Um pecuarista de mil bois tem uma renda apertada, porque os valores da carne bovina, em relação ao passado, são menores. Ao contrário da agricultura. Na época em que eu era presidente do sindicato, acompanhei muitos agricultores ao Banco do Brasil para negociar dívida, porque a agricultura exige investimento pesado. Hoje, a gente não vê mais isso, porque os valores das commodities subiram muito. A soja, nosso principal produto de exportação, deu condição para o produtor ter uma rentabilidade melhor. É o que o pecuarista precisa fazer.
RURAL – E o que é possível fazer?
BORGES JR – A ABCZ fechou uma parceria com a Embrapa, a ser assinada durante a Expozebu, em maio, que é o Integra Zebu. É o zebu junto com a tecnologia. Acreditamos na evolução da pecuária baseada na reforma de pastagem, que precisa ser intensificada. A agricultura avançou sobre muitas áreas de pecuária, onde as terras eram mais favoráveis. E aí, a atividade morreu. Queremos mostrar ao pecuarista que ele tem condição de investir, como um agricultor. E não importa o tamanho da propriedade. Por ter uma pastagem melhor, ele pode elevar a capacidade de lotação por hectare e, automaticamente, reduzir a idade de abate do animal. Não adianta o produtor levar um animal de qualidade para onde não tem pasto. Hoje, 70% das propriedades do Brasil são degradadas.
RURAL – De onde virão os recursos para investir?
BORGES JR – Fizemos um trabalho com alicerce, não começamos pelo telhado. Nos últimos dois anos, estivemos, insistentemente, no Banco do Brasil, com a sua coordenação de agronegócio. Conseguimos que o banco instale uma agência permanente dentro do parque Fernando Costa. Ela será inaugurada durante a Expozebu e é a primeira agência totalmente direcionada ao agro. Só abre conta quem tem inscrição de produtor rural. Nosso objetivo, com isso, é buscar linhas de crédito especiais para o fomento da integração lavoura-pecuária. Na extensão rural, por exemplo, já treinamos quarenta extensionistas da Emater, para irem a campo visitar pequenas propriedades. Vamos selecionar algumas que receberão investimento de graça para serem referência. É um projeto para todo o Brasil, porque a Embrapa também entra no jogo.
RURAL – O senhor reconhece a melhoria da pecuária?
BORGES JR – Com certeza. A pecuária teve um enorme desenvolvimento no melhoramento genético e nos ganhos de produção, mas não teve reconhecimento. No caso da pecuária de corte, hoje um animal no frigorífico vale R$ 150 por arroba de peso. Mas, para um produtor ter retorno de investimento, essa arroba deveria estar entre R$ 190 e R$ 220.
RURAL – Há alguns anos, o setor discute a relevância de se avaliar animais em exposições, como em Uberaba e em tantas outras grandes feiras agropecuárias do Brasil. Qual o resultado prático desse tipo de evento?
BORGES JR – Eu frequento o parque de Uberaba desde que aprendi a andar, porque sou de família de pecuaristas que iniciaram na atividade em 1906. Sim, tem diminuído o número de criadores e também o número de exposições agropecuárias no Brasil. Mas nós já começamos a resgatar público para a Expozebu, independentemente de ser criador ou não de zebu. Por exemplo, estamos trazendo crianças para dentro do parque, visando construir um futuro. Hoje, tem um público diferente, que requer ações diferentes. Os tempos são outros, o mundo mudou. A feira de hoje não é mais aquela de duas ou três décadas atrás. Essa feira acontece há 85 anos. Antigamente, eram oss filhos dos produtores que davam sequência ao trabalho dos pais e que estavam sempre em Uberaba. Depois, a feira se elitizou, com a presença de empresários, grandes investidores e ela tomou outra dimensão. Nesse processo, os pequenos e médios pecuaristas foram sendo excluídos. Os grandes foram entrando e tomando os espaços, porque quem tem capital faz um gado rápido. Isso foi bom para a pecuária, porque vieram novas tecnologias, o mercado se desenvolveu mais rápido. Com essa nova gestão na ABCZ, queremos que aquele tipo de público que foi excluído pelas circunstâncias volte à Expozebu.
RURAL – Qual a receita para democratizar o melhoramento animal do topo da pirâmide para a base da pecuária?
BORGES JR – Vejamos o exemplo do Pró-Genética, o Programa de Melhoria da Qualidade Genética do Rebanho Bovino, hoje presente em 20 Estados. É o maior programa que a ABCZ já fez, para incentivar o uso de touros registrados das raças zebuínas. O Pró-Genética é um programa democrático e social. Todo produtor de touros puros de origem (PO) pode participar. Esse programa está levando melhoramento até mesmo para a agricultura familiar. Produtores que jamais teriam condições financeiras de acessar a genética do topo da pirâmide estão comprando reprodutores melhoradores. Hoje, cerca de 400 produtores de touros de todo o Brasil participam de quase 100 feiras anuais, levando cinco animais por evento.
RURAL – Como contornar a crítica de que as avaliações de pista não refletem a criação no pasto?
BORGES JR – Isso é um equívoco. O animal, quando vai para a pista, tem um tratamento nutricional diferenciado e, lógico, tem um desenvolvimento maior do que o boi a pasto. Mas isso não vai influenciar na carga genética dele, porque ele é bom desde que nasceu. Inclusive já temos na Expozebu o julgamento da raça brahman de animais criados no pasto.
RURAL – Na sua opinião, avaliar o animal apenas no olho, como antigamente, continua valendo?
BORGES JR – Os programas de melhoramento genético são muito importantes. É uma ferramenta de trabalho da qual não se pode abrir mão. Mas o fenótipo, no meu ponto de vista, ainda conta mais. E explico: meu avô e meu pai fizeram zebu no olho, pelo fenótipo. O bezerro nascia e seu desenvolvimento era acompanhado na caracterização racial de fêmeas e machos. Os melhores se tornavam reserva, porque não existiam os programas de avaliação. Agora, a genômica veio para melhorar os programas de avaliação. E a ABCZ saiu na frente na sua adoção. Mas somente o programa de avaliação não é uma ferramenta sólida, ainda, para dizer o que aquele animal é. Já vi muitos animais com uma avaliação extraordinária de fenótipo muito pior do que outro com avaliação negativa.
RURAL – Mas a ABCZ tem o Epmuras, que prega a avaliação visual dos animais.
BORGES JR – O Epmuras ainda precisa evoluir, embora seja um produto dentro do programa de melhoramento da ABCZ, o PMGZ, há cerca de 15 anos. O que eu prego é que não podemos deixar de lado o fenótipo do animal.
RURAL – O seu gado está em algum programa de melhoramento genético?
BORGES JR – Sim, no PMGZ. Mas eu não olho primeiro a ficha do PMGZ para fazer um acasalamento. O bovino transmite mais de 50% de sua genética para o filhote. Se ele tem boa cobertura de carcaça, profundidade de costela, umbigo bem colocado, membros bem distribuídos, vai transmitir tudo isso para o bezerro. E isso se faz no olho. Só depois eu olho a ficha da vaca. Ela tem de parir todo ano, desmamar um macho acima de 260 quilos e uma fêmea acima de 230 quilos. Se, na desmama, em dois anos consecutivos, esse animal não for bem, é eliminado, mesmo se estiver bem avaliado geneticamente.