09/10/2013 - 17:36
O tráfego é intenso na BR-163. Caminhões carregados oriundos de várias partes do Centro-Oeste chegam a Rondonópolis, município matogrossense a 200 quilômetros da capital Cuiabá, para descarregar as cargas que seguem de trem até o porto de Santos. Atualmente, 1,6 mil quilômetros de trilhos separam o maior porto do Brasil da segunda cidade mais rica de Mato Grosso e um dos principais polos do agronegócio. Mas nem sempre foi assim. Até o mês passado faltavam 147 quilômetros de trilhos entre os municípios de Itiquira e Rondonópolis, trecho inaugurado com pompa e festa pela presidenta Dilma Rousseff, que esteve na cidade no dia 19 de setembro. O corredor construído pela América Latina Logística (All) foi entregue junto a um terminal ferroviário e um complexo intermodal, como parte do Projeto Expansão Malha Norte, para escoar soja, farelo de soja, milho, minério de ferro e cargas em contêineres de uma das regiões produtoras mais importantes do Centro-Oeste. “A questão ferroviária sempre foi mal resolvida no Brasil. Temos um atraso de 200 anos em relação aos outros países”, afirmou a presidenta, que prometeu duplicar parte da BR-163 para melhorar o tráfego na região.
O primeiro trecho do projeto, que ligou os trilhos da antiga Fepasa, em Santa Fé do Sul (SP), passando por Mato Grosso do Sul e chegando a Alto Araguaia, já em Mato Grosso, foram entregues em 1998. O segundo trecho, até Itiquira, foi entregue no ano passado. Para cumprir o que previa o projeto desenhado na década de 1970 para a Malha Norte, chamado Ferrovia Norte Brasil (Ferronorte), do empresário Olacyr de Moraes, ainda falta levar os trilhos até Cuiabá. Orçado em R$ 730 milhões, o Complexo Intermodal Rondonópolis (CIR) e o terminal ferroviário ficam a 28 quilômetros do centro da cidade, num espaço de 385 hectares. A imensa área, a maior do gênero na América Latina, será ocupada por 20 empresas, além da All.
?Cada uma delas terá um terminal próprio para o escoamento ou armazenamento de produtos. Gigantes como Raízen, Ipiranga, Louis Dreyfus, Bunge e Grupo André Maggi são algumas das companhias que devem investir, ao todo, R$ 700 milhões nos próximos cinco anos. Mas, segundo Alexandre Santoro, presidente da All, em três anos a operação logística do Complexo já estará em funcionamento, com todas as companhias instaladas. A Trading de Commodities Noble Group, com sede em Hong Kong, já está no local. Outra que também já opera com terminal próprio é a Brado Logística, subsidiária da All. Quando o CIR estiver totalmente concluído, 120 mil toneladas de carga entrarão nos trilhos todos os dias. O galpão da All, ainda em fase de construção, poderá estocar 60 mil toneladas de cargas. “Não tenho dúvida de que este é o modal mais eficiente para o escoamento de carga e para o aumento da competitividade do Brasil no cenário nacional”, disse Santoro – a All detém a concessão da Malha Norte desde 2008.
?O terminal de Rondonópolis funciona como uma linha de produção industrial. Assim que chega ao Complexo, o caminhão passa por uma verificação do atendimento das normas de qualidade pelo produto transportado. Uma empresa contratada pela All faz essa checagem. A carreta de grãos pode ser impedida de descarregar se for detectada umidade excessiva do produto, por exemplo. Se estiver tudo certo, a carreta segue para a pesagem e o descarregamento. Os grãos passam por um funil e são transportados por esteiras que o levam até o destino final – que pode ser o vagão ou o contêiner para armazenamento. Cerca de 70 carretas poderão despejar suas cargas no terminal a cada hora. A Pera Ferroviária – como é chamada a linha de carregamento – permite que o trem entre no sistema, receba a carga e saia pronto do terminal para seguir viagem até o porto de Santos. Todo o processo leva pouco mais de três horas. Por enquanto, o sistema pode carregar 50 vagões por hora, mas o complexo tem capacidade de até mil vagões por dia. Segundo Thiago Fiori, gerente de projeto da All, a maior parte dos terminais no Brasil não é preparada e os trens precisam manobrar, o que gera atraso e gargalos. “Não ter de manobrar dá agilidade ao sistema e o torna dinâmico”, diz Fiori.
Quando estiverem em plena capacidade, os dois terminais em funcionamento – o de Rondonópolis e o de Itiquira, inaugurado no ano passado – permitirão que 18 milhões de toneladas anuais de grãos sejam transportadas por ferrovia. Nesta safra, o Mato Grosso colheu 45 milhões de toneladas de grãos, volume 14% maior que no ano passado. No entanto, para o vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), Ricardo Tomczyk, embora a nova opção de escoamento de grãos possa significar economia de tempo, não será necessariamente redutora de custos. Na avaliação de Tomczyk, o monopólio da ferrovia sob administração da All faz com que os preços do frete permaneçam altos. “Para os produtores não haverá diferença no preço do frete”, diz. “O valor cobrado para o transporte de carga pelo modal ferroviário é praticamente o mesmo do rodoviário.”
Mas o próprio Tomczyk reconhece que, sem a ferrovia seria impossível produzir mais, porque os produtores não teriam como escoar tudo?que é cultivado nas lavouras no estado, o que evidentemente representa mais receitas no bolso e um ganho e tanto para os produtores. O Mato Grosso, segundo a Companhia nacional de Abastecimento (Conab), responde por cerca de 24% da atual produção nacional de grãos, prevista em 185 milhões de toneladas. “Essa inauguração, para nós, representa só o começo. Há um longo caminho a percorrer em termos de infraestrutura”, diz Tomczyk.
Em relação ao futuro do complexo ferroviário, Santoro, da All, diz que a parte mais fácil já foi realizada. “A parte difícil será administrar um sistema desde a origem do caminhão até os nossos terminais de descarga, e deles até chegar ao porto de Santos”, afirma. Por isso, o plano da All daqui para a frente é duplicar a linha de acesso ao porto, no trecho paulista próximo à boca do embarque. “Se não fizermos a ampliação da capacidade em São Paulo, haverá um gargalo que pode afetar o escoamento em Mato Grosso”, diz Santoro. Com esse plano em andamento, a expectativa de que a All assumisse a construção do corredor que liga Rondonópolis até a capital Cuiabá, concluindo o projeto original, está descartada. “Apesar das negociações com o governo, nada foi definido para esse trecho”, diz. “Nosso interesse, agora, é entrar no setor portuário e nos consolidarmos como uma empresa de logística integrada.”