06/10/2021 - 15:29
Ao ver a situação com certo distanciamento, parece que São Pedro quis fazer troça com o governo brasileiro: poucos dias após o presidente Jair Bolsonaro ecoar publicamente as expectativas do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) de uma produção recorde de 300 milhões de toneladas de grãos para a Safra 2021/22, uma frente fria assolou importantes regiões produtoras. “Acabei de fazer o trajeto entre Cascavel e Foz do Iguaçu e a coisa foi feia. Muita lavoura mais jovem em fase de pendoamento e enchimento de grãos devastadas”, disse um produtor durante trocas de mensagens em um grupo restrito no WhatsApp. Mas, apesar dos estragos, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) mantém a estimativa de Valor Bruto de Produção (VBP) em R$ 1,142 trilhão neste ano, 15,8% a mais do que em 2020.
A confirmação feita à RURAL pelo assessor técnico da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e Oleaginosas da entidade, Fábio Carneiro, se dá principalmente pelo fato de as geadas terem acontecido em momento de entressafra em várias das regiões. “A safra 2021/22 está em aberto e com expectativas de alta produção mantidas”, afirmou. Ainda assim, culturas como a de milho e da cana-de-açúcar devem registrar impactos decorrentes do frio intenso. Em milho, conforme explica o gerente de consultoria de Agronegócio do Itaú BBA, Guilherme Bellotti, é preciso monitorar o legado que a mudança climática deixará para a safrinha da próxima temporada. “Estamos vindo de uma expectativa de milho safrinha bastante baixa devido à seca que tivemos em 2020 e, com as geadas deste ano, essa produtividade pode ser ainda menor”, disse. Ainda segundo análise de Bellotti a consequência será um estoque de passagem do fim de ano pressionado, o que deixará o mercado bastante apertado no início do ano que vem. O resultado deve vir no preço da commodity, que alcançou patamar inédito de R$ 91,38 a saca, de acordo com o Departamento da Economia Rural (Deral), alta de 127% de maio de 2020 a maio de 2021.
Na região Sudeste, o grande impacto das baixas temperaturas e escassez hídrica deve ser sentido pela cultura canavieira. Ismael Perina, produtor e membro do conselho da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag/RP), afirmou que desde 1980 nunca se viu um período com tão pouca chuva no interior de São Paulo e alertou que as consequências virão. “As estimativas estão sendo revistas constantemente para baixo e o período mais complexo está por vir”, afirmou. Ele se refere ao período de maio a setembro, quando o Brasil enfrenta a temporada de seca e, consequentemente, de incêndios, sejam eles criminosos ou não. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil deve produzir 628,1 milhões de toneladas de cana-de-açúcar na safra 2021/22, cuja colheita foi iniciada em abril, volume 4% menor em comparação com 2020/21. Algumas outras culturas como feijão, fruticulturas e hortaliças também devem sofrer, trazendo impacto para o produtor, mas sem estrago significativo no volume total de produção do País.
BALANÇO GERAL Mesmo diante de algumas quebras, o PIB do agro deve chegar crescer 2,6% sobre os R$ 2 trilhões do ano passado. O incremento deve vir tanto pelos volumes produzidos como de dois aspectos econômicos combinados: o alto valor das commodities no mercado internacional e o câmbio favorável à exportação. Dentre as mercadorias que devem se beneficiar do contexto geral estão soja, milho e açúcar, que registraram altas de 60,51%, 58,26% e 40,67%, respectivamente, no período de 12 meses de abril de 2020 a março de 2021, segundo o Valor Data. E ainda que a variação não tenha sido tão relevante, outros produtos como o trigo, que alcançou R$ 85 a saca no primeiro trimestre de 2021, registraram recorde histórico de valor pago ao produtor.
Para a safra que chega, o Visão Agro 2021 publicado pelo Itaú BBA e corroborado pela análise atualizada de Guilherme Bellotti após a onda de frio do fim de junho indica que, de maneira geral, o produtor agrícola deve ter um bom ano. “Há expectativa de aumento de área plantada, muito a reboque dos bons preços, o que resultará em boa rentabilidade dentro da porteira”, disse.
Destaque para algumas commodities. A soja deve passar de 135,9 milhões para 141 milhões de toneladas da safra 20/21 para a 21/22, com aumento de 4% de área. O milho evoluiu de 93,4 milhões de toneladas para 117 milhões, com aumento de produtividade de 92 para 100 sacas por hectare. Para o arroz, a produção deve se manter estável, passando de 11,2 para 11,5 milhões de toneladas, e para o algodão em pluma a estimativa é de expansão de 2,4 milhões para 2,7 milhões de toneladas, com 10% a mais de área plantada. Já o café deve amargar queda, de 69,8 para 56,3 milhões de sacas produzidas.
PECUÁRIA Para os criadores de boi, aves e suínos, o grande desafio do ano são os elevados custos, fruto dos preços da soja e do milho. No caso do boi, o preço dos animais também é uma fonte de preocupação e desafio para indústria e produtores, conforme aponta o Visão Agro 2021.
Considerando o intervalo entre os meses de maio de 2020 a 2021, o preço da arroba cresceu 55% chegando a R$ 300. “Nesse ambiente, os abates totais de bovinos caíram 8,5% em 2020, o que fez com que a produção formal de carne terminasse o ano com queda de 5,4%”, traz o relatório. Em aves, “o alto custo da ração e produção em ritmo crescente indicam continuidade do cenário desafiador para as margens”, segundo os dados divulgados. Já os suínos devem continuar em alta com a produção alavancada tanto pelo mercado interno como externo, sobretudo para atender à demanda chinesa. De acordo com a Conab a oferta de bovinos deve se manter; para aves é esperada alta de 5,5% na produção e para suínos, de 3,5%.
Com dinheiro em caixa, produtor deve investir mais na lavoura, o que vai levar a recorde no campo
No cômputo geral, apesar de todas as dificuldades, o produtor brasileiro deve dar mais um show no campo contribuindo tanto para o PIB como para a balança comercial do setor. De acordo com estimativa do centro Agro Global do Insper, os embarques devem chegar ao recorde de US$ 120 bilhões, 20% a mais do que em 2020. Afinal, como Bernardo Fabiani, CEO da Terra Magna, disse na entrevista que abre essa edição, “o agro luta com mãos amarradas e dá um baile no mundo”, mesmo quando São Pedro parece jogar contra.