01/10/2010 - 0:00
Quando publicou seu segundo ensaio sobre os princípios da população, em 1803, Thomas Malthus desenhou um futuro sombrio para a humanidade. Até onde ele conseguia observar naquela época, a produção de alimentos crescia numa velocidade como a sequência 1, 2, 3, 4. Mas a população crescia como a sequência 2, 4, 8, 16. A agricultura, em progressão aritmética, a população em progressão geométrica. Essa tese, felizmente, acabou sendo derrubada primeiro pela agricultura intensiva, e depois pela descoberta dos defensivos agrícolas, após a Segunda Guerra Mundial – foi a primeira revolução verde. A ameaça temida por Malthus, contudo, está novamente no horizonte, diz Ralf Südhoff, diretor do Programa Mundial de Alimentos, da ONU. O agrônomo alemão Friedrich Berschauer, que acaba de entregar a presidência da Bayer CropScience à americana Sandra Peterson, diz que por causa disso o mundo tem o desafio de aumentar em 50% a produção de alimentos até 2030. “Precisamos de uma segunda revolução verde”, diz ele. “Temos de obter sucessivos aumentos de produtividade, e o país que deve liderar essa revolução é o Brasil”, disse ele à DINHEIRO RURAL.
PARTICIPAÇÃO CRESCENTE: Marc Reichardt, presidente da Bayer CropScience para a América Latina, prevê um crescimento anual de 8% para o setor agrícola no Brasil e de 6% para o continente
Rudiger Scheitza, braço direito de Berschauer na administração do portfólio de produtos da Bayer CropScience, acha que de fato o Brasil tem agora enormes oportunidades no mercado agrícola: “Dentro dessa perspectiva, o Brasil está na pole position. O País tem muitas áreas que podem ser utilizadas com maior produtividade, para que possam produzir ainda mais alimentos”, disse ele. Produtividade, nesse caso, significa produzir mais milho, algodão, soja, arroz, tudo, afirma Scheitza. “Haverá uma demanda particularmente acentuada pela soja, para dar base à produção de carne”, complementa. Marc Reichardt, presidente da Bayer CropScience para a América Latina, acrescenta que ao mesmo tempo a demanda por açúcar e etanol também continuará grande. “Depende apenas de como o consumo de etanol vai se comportar, mas a demanda será elevada. Anualmente, o Brasil planta em média 500 mil hectares de cana”, comenta. Este ano, diz ele, a produção agrícola da América Latina está crescendo 6%, mas a do Brasil crescerá ainda mais: chegará a 8%, “puxada pela soja, pela cana e, um pouco, também pelo milho”, diz Reichardt. Hoje, a América Latina já é responsável por 20% do faturamento mundial da companhia – só as operações no Brasil faturaram cerca de R$ 2 bilhões em 2009. Atualmente, o país já é o maior mercado mundial para proteção a safras, diz Berschauer, com vendas próximas de cinco bilhões de Euros. O mercado dos Estados Unidos está no segundo lugar, com vendas da ordem de 4 bilhões de euros. A sucessora de Berschauer na Bayer, Sandra Peterson, afirma que o problema do aumento da produtividade agrícola exige soluções que ainda estão em desenvolvimento: “Os últimos eventos climáticos, como a seca na Rússia e as inundações no Paquistão, nos fazem lembrar da importância eterna da proteção das lavouras e da criação de culturas mais resistentes para estabilizar as safras.”
As soluções para proteção de safras e aumento de produtividade já estão na sua segunda geração, diz a pesquisadora Alda Lerayer, diretora-executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB). A primeira geração, segundo ela, foi a que conseguiu melhoramentos pela genética tradicional – aquela que se utiliza do cruzamentos de plantas, irradiação e modificações genéticas obtidas por meio de compostos químicos. A segunda usa biotecnologia, especialmente a manipulação genética. “Se olharmos o caso do arroz, veremos que dos anos 50 aos 70 tivemos um aumento de produtividade da ordem de cinco toneladas por hectare”, conta a pesquisadora. Nos 20 anos seguintes, diz ela, a produtividade do arroz aumentou bem menos – apenas três toneladas por hectare. “O que aconteceu é que chegamos ao limite dos métodos clássicos. Daí em diante, a produtividade só aumentará com biotecnologia”, conclui.
Nova direção: Sandra Peterson assume a presidência da Bayer CropScience a partir de outubro
A produtividade de que ela fala pode ser observada basicamente em duas dimensões: a da eliminação das perdas e a do aumento da colheita. “Na eliminação de perdas, uma linha de trabalho da biotecnologia é aumentar a resistência da planta ao ataque de fungos, vírus e insetos, por exemplo”, diz. Isso é conseguido fazendo-se (por meio da manipulação dos genes) com que a planta produza, por exemplo, uma substância capaz de matar larvas e insetos. Muita coisa já foi feita, mas ainda há muito o que fazer, conta a pesquisadora. Não se conseguiu até agora, por exemplo, resolver os ataques do inseto “bicudo” às lavouras de algodão. Ou a praga chamada de “vassoura de bruxa”, que ataca as de cacau. As soluções para outras pragas, no entanto, continuam sendo lançadas. A própria Bayer CropScience tem planos para colocar no mercado, até 2012, seis novas substâncias que combatem desde fungos até mato, e que devem render pelo menos mais um bilhão de euros em vendas. Assim como deve lançar novas sementes e novos “traits”, ou seja, modificações genéticas capazes de tornar uma planta mais resistente, mais produtiva ou com ambas as características. “A resistência à seca é uma das características que julgamos importantes. Precisamos cada vez mais de plantas que resistam mais à escassez de chuvas”, diz Scheitza, que administra as linhas de produtos. “As mudanças climáticas e a exploração dos recursos naturais estão criando problemas ao desenvolvimento da agricultura mundialmente. No caso do fósforo, as reservas conhecidas são suficientes para os próximos 30 anos”, afirma.
Embora os cientistas tivessem conhecimento de todos os fatores de risco isoladamente, não imaginavam que pudessem combinar-se para colocar em risco a produção mundial de alimentos, conta Berschauer. “Não previmos quatro itens importantes. Em primeiro lugar, ninguém previu o que está acontecendo com a renda na China e na Índia; ninguém previu as mudanças climáticas, e também não se previam biocombustíveis”, completa. A China e a Índia, diz ele, geram aumento da demanda de alimentos; ao mesmo tempo, as mudanças climáticas reduzem as disponibilidades de água para irrigação. E, por fim, as lavouras destinadas à produção de biocombustíveis disputam as áreas de plantio com as culturas destinadas à alimentação. “O crescimento da renda na China e na Índia traz o efeito imediato de aumento na demanda de proteína animal. Para produzirmos um quilo de frango, precisamos de quatro a seis quilos de alimento vegetal; para produzirmos carne bovina, são dez quilos”, explica Berschauer.