28/03/2021 - 16:00
A sociedade civil perdeu a paciência com o governo de Jair Bolsonaro e se mobiliza por mudanças ao mesmo tempo que a elite econômica decidiu assumir o risco de pressionar o governo em um país em que 40% do Produto Interno Bruto passa pelo Estado. O cientista político Luiz Felipe D’Avila, de 57 anos, acredita que esse momento pode servir para impulsionar uma alternativa de centro aos populismos que se revezam no poder nos últimos 20 anos.
Qual o significado da carta de economistas, banqueiros e empresários pedindo mudanças nas ações contra a pandemia?
O primeiro significado importante é o chamamento de urgência. O Brasil precisa levar a sério a crise, tomar medidas concretas e desviar do caminho da irresponsabilidade de como a pandemia foi tratada. O segundo é a união em torno da questão fundamental, que é criar condições para a retomada do investimento, do emprego e da renda. Bolsonaro gosta de culpar o lockdown pela paralisação da atividade econômica, mas esse não é o único problema. Se a agenda da reforma estivesse andando – as reformas administrativa e tributária -, o País estaria em outra situação.
Pode-se dizer que a sociedade civil perdeu a paciência?
Com certeza. É um alerta de que a sociedade mais do que perdeu a paciência, está perdendo a confiança no governo. O que a sociedade civil está tentando fazer hoje é ocupar o vácuo da ausência do governo. Quando se une com prefeitos e governadores, há um novo arranjo político para enfrentar o desgoverno do País. E a essa equação se juntou o Congresso, com a declaração do Arthur Lira, mostrando que, se tiver de escolher entre ficar com o presidente ou com a sociedade civil, o Congresso vai ficar com a sociedade. O recado foi claro.
O “sinal amarelo” de Lira significa que a palavra impeachment voltou ao ar?
Acho que está um pouco cedo para a palavra impeachment. Depende de como as coisas vão acontecer. O processo de impeachment no meio da pandemia seria muito ruim, pois aumentaria a tensão quando precisamos de união em torno do combate à crise. Agora, o impeachment será inevitável se começarmos a ter grandes movimentações populares. Pode-se caminhar para esse ponto se, nessa fase crítica, Bolsonaro continuar na estrada do desgoverno. Enfim, é cedo para se falar, mas não se pode mais descartar.
O que mais a sociedade civil pode fazer neste momento para que o País enfrente essa crise?
Ela começou a trabalhar bem com o setor público. Não só para levantar recursos, mas também na logística, como na entrega de cestas básicas. Há uma mobilização cívica para ocupar o espaço deixado pelo governo federal. E Bolsonaro encara tudo isso como um complô. Critica governadores e prefeitos e todos, achando que estão criando um governo paralelo.
Em busca de pacificação, Bolsonaro encontrou os presidentes dos demais poderes. Mas ele é capaz de compreender que a paz não consiste na ausência da guerra, mas na união e na concórdia?
Infelizmente, não vejo isso como um traço da personalidade do presidente. Ele aposta na fidelização do seus 30% e – o que é triste dizer – colocar fogo no resto. Ele acha que, com esse contingente de 30%, chegará ao segundo turno. Na cabeça dele, o adversário é o Lula, sem chance de terceira via. E aí, todo mundo de mau humor com o governo acabaria votando nele, para evitar Lula. A lógica dele é essa. Toda ação dele é minar qualquer atividade de conciliação, de tolerância e de união. Na PEC Emergencial, para agradar aos PMs, ele cedeu aos funcionários públicos, mantendo as promoções, o que tirou quase R$ 50 bilhões da proposta original, sacrificando o auxílio emergencial em detrimento da defesa do interesse corporativista, principalmente, das PMs. Ele vai fazer isso o tempo todo. Ele coloca o País em risco para fidelizar os 30% que o seguem.
Bolsonaro fez um pronunciamento e tentou se pôr como o campeão da vacinação. Qual o impacto do pronunciamento?
O impacto pode ser demonstrado pela intensidade do panelaço na hora em que ele falava. Ninguém mais o escuta. Alguém que criou animosidade, polaridade durante tanto tempo, que enxerga seus adversários políticos como inimigos a serem abatidos, não tem espaço para diálogo. Nem ele dá espaço para um voto de confiança, pois logo foi ao Twitter criticar os governadores. Ele quer manter os que o apoiam mesmo que isso custe ao Brasil o drama da recessão, do desemprego. Tudo é sacrificado em nome da lealdade dos 30%. Essa é uma estratégia muito perigosa e vai exigir a união do centro e da sociedade civil para evitarmos uma crise institucional antes das eleições de 2022.
Como separar nessa situação a responsabilidade do presidente e a da pandemia pela crise?
A melhor forma de separar o joio do trigo nessa questão pode ser ilustrada pelo que aconteceu nos Estados Unidos, com a mudança do governo Trump para Biden. De repente, vem um governo que, com o mínimo de organização e coordenação, consegue fazer com que mais de 2 milhões de pessoas sejam vacinadas por dia. A curva começa a cair rapidamente. Quando se tem uma crise dessa magnitude, é preciso governo. Não adianta pensar que só o mercado resolve. É preciso coordenação do governo para fazer as coisas funcionarem. E isso não vai existir, pois Bolsonaro enxerga os governadores como inimigos mortais a serem derrotados.
O senador Rodrigo Pacheco pediu a saída do chanceler Ernesto Araújo. Essa reação contra a atual política externa é reflexo do movimento da sociedade?
Com certeza está ligada. Desde Rio Branco, a política externa brasileira sempre foi vista como política de Estado, e não partidária. Começou a ter intromissão ideológica com Lula, desandou com Dilma e, no governo Bolsonaro, virou o palanque favorito do radicalismo bolsonarista. No mundo globalizado essas falas desastrosas têm consequências gravíssimas. Isso afeta o que precisamos nessa crise: vacinas. Uma política externa errática e ideológica tem consequências na geração de empregos, na atração de investimentos e na retomada do crescimento. O Brasil está quebrado. Temos uma relação dívida/PIB de 90%, o maior endividamento entre os emergentes. A reação do Senado é importantíssima.
O ex-governador Ciro Gomes disse ao Estadão que Bolsonaro deve derreter e não estará no 2º turno em 2022. O sr. acredita que essa é uma possibilidade real?
As pesquisas mostram que o índice de rejeição de Bolsonaro dificulta muito a reeleição. Ele e Lula só conseguirão estar no segundo turno se o centro estiver inteiramente fragmentado. Mas Lula entra com uma bola de chumbo no pé, tendo de explicar o maior escândalo de corrupção do mundo. E Bolsonaro vai entrar como o coveiro da esperança no Brasil. Sepultou o maior número de cadáveres, sepultou o crescimento econômico, destruiu o emprego e a renda e colocou 20 milhões de brasileiros de volta na miséria. Não será o Bolsonaro de 2018.
Qual o impacto da anulação das condenações de Lula para que esses atores se mexessem, de Bolsonaro aos economistas?
Lula aumentou o senso de urgência. Se o centro não se unir, teremos uma polarização Lula e Bolsonaro. E essa é uma escolha desastrosa para o País. A decisão do Supremo ajudou a catapultar a mobilização da sociedade civil. Bateu desespero total. O Brasil não quer ter como opção voltar o pêndulo para a outra forma de populismo. A ação dos economistas pode se juntar agora à ação dos movimentos, como MBL e o Vem Pra Rua, para que o centro tenha força de mobilização política. Só a união do centro permitirá ao País ter uma escolha diferente daquela polarização.
Nos dois anos de Bolsonaro, a elite econômica foi vista como leniente e paciente até demais com o governo. Essa elite está descolando agora de Bolsonaro?
Está descolando e isso é um fato histórico interessante. Ela está preocupada. A elite econômica brasileira é adesista a governos, parece o Centrão. Veja: 40% do PIB passa pelo Estado, portanto, capturá-lo – manter contratos, obter benefícios e receber privilégios – é fundamental para os negócios. É uma elite que não quer se indispor com o governo ou brigar com o presidente. Ela elogiou Lula, foi condescendente com Dilma e com Bolsonaro. Mas, agora, a situação dos negócios está de tal sorte afetada pelo desgoverno que até essa elite começa a insuflar contra o governo. A situação está tão grave que é melhor se unir por um futuro melhor.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.