06/08/2018 - 11:00
Em meados de junho deste ano, os termômetros registravam 7°C em Carambeí, município paranaense de 23 mil habitantes. O clima frio combinava bem com casas em estilo enxaimel, com seus telhados pontiagudos, moinhos e flores nas janelas. A paisagem de um Brasil carregado de cultura holandesa está por todos os lugares, inclusive no orgulho de seus habitantes. A cidade que existe desde 2011, depois de se emancipar de Castro, nasceu no início do século 20, quando imigrantes vindos dos Países Baixos receberam da Brasil Railway Company lotes de terras onde havia uma casa, uma canga de bois e três vacas leiteiras. Orgulhosos de sua história, os herdeiros desses colonos construíram o maior museu histórico a céu aberto do País. Quem quiser conferir é só pegar a avenida dos Pioneiros e trilhar quatro quilômetros, entre o centro da cidade e o parque de dez hectares. A paisagem já compensa o percurso. Mas não ficaram somente nisso. No mês passado, a DINHEIRO RURAL também escolheu a região de Carambeí para contar uma história inédita no agronegócio. E se encontrou com líderes, empresários, consultores e produtores locais e dos municípios de Castro, a 23 quilômetros, e de Arapoti, a 110 quilômetros.
Juntos, eles estão mostrando por que motivo o cooperativismo paranaense é uma referência nacional. Com um investimento de R$ 672 milhões e um negócio com um faturamento anual de R$ 1,8 bilhão, as cooperativas Frísia, com sede em Carambeí; a Castrolanda, com sede em Castro, e a Capal, de Arapoti, estão construindo um modelo de intercooperação jamais visto no País. “A cultura do compartilhamento vai ser cada vez mais exercitada em todos os setores da economia”, diz Renato Greidanus, 58 anos, presidente da Frísia. “Se você pensa no curto prazo, pensa no seu próprio umbigo. Mas se pensa no futuro, passa a enxergar uma coisa diferente”, afirma Frans Borg, 67 anos, presidente da Castrolanda. “Nós queremos escrever uma história e não apenas fazer parte dela. E fazemos isso tentando inovar”, diz Erik Bosch, 57, da Capal.
As três cooperativas se uniram para construir um projeto para industrializar leite, processar suínos e moer trigo. Juntas, criaram uma supercooperativa. Elas são responsáveis por uma operação anual conjunta de 643 milhões de litros de leite, 92,6 mil toneladas de carne suína e 120,7 mil toneladas de trigo. A produção de 4,5 mil cooperados abastece três laticínios (dois da Castrolanda e um da Frísia), um frigorífico da Castrolanda e um moinho da Frísia, compartilhados pelo grupo. “A Capal, por exemplo, não é dona de nenhuma indústria, laticínio ou frigorífico”, diz Bosch. “No entanto, hoje conseguimos trabalhar com total segurança, nos sentindo donos do negócio.” O projeto em andamento não se trata de um movimento para construir uma quarta cooperativa formada pelas três, mas da integração de estruturas e de investimentos para a criação de um novo negócio. Na intercooperação, parte dos 4,9 mil funcionários que trabalham nas fábricas, escritórios de administração dessas cooperativas, além da equipe de agrônomos, veterinários e zootecnistas para o atendimento aos produtores, se dedicam às tarefas da intercooperação (confira o que é cada uma delas no quadro ao lado). Isso permite um ajuste fino nas contas de cada cooperativa, principalmente em impostos e custos de operações. Pelo projeto, elas gerenciam cinco marcas que disputam a preferência do consumidor com gigantes como a BRF e JBS. Para os produtos lácteos, como leite, iogurte, manteiga e creme de leite, elas contam com as marcas Naturalle, Colônia Holandesa e Colaso. A marca Alegra, para suínos, vende carne in natura e processados. Para farinha de trigo foi criada a marca Herança Holandesa. Por ano são vendidos 660 milhões de toneladas de produtos. “A estratégia é ter sempre produtos Premium no mercado”, diz Borg. “Não fizemos esse negócio para ficar na vala comum.”
Em essência, a decisão do trio é a prática em mais alta escala do sexto princípio do cooperativismo: a intercooperação, definida pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI), com sede em Bruxelas, na Bélgica. A ACI prega que o sistema se fortalece a partir do trabalho conjunto das cooperativas. No Paraná, existem 12 modelos de intercooperação, de acordo com o engenheiro agrônomo José Roberto Ricken, presidente da Organização das Cooperativas do Estado (Ocepar) e um dos diretores da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Cada projeto tem as suas especificidades. Como somar forças para a tomada de crédito agrícola, o transporte e o armazenamento de grãos, e até mesmo a gestão de terminais portuários. “Na prática, a Frísia, a Castrolanda e a Capal fizeram uma integração horizontal”, diz Ricken. “Não conheço modelo algum parecido com o delas.”
Essa união somente foi possível pelo tamanho das cooperativas que atuam separadamente na produção de grãos, como soja, milho e trigo, e na criação de bovinos e de suínos. Elas estão entre as 25 maiores do País, em faturamento anual. A Castrolanda, com 876 cooperados, faturou R$ 2,9 bilhões em 2017. Na Frísia, com 836 cooperados, a receita foi de R$ 2,4 bilhões. E na Capal, com 2,8 mil cooperados, ficou em R$ 1,2 bilhão. Caso decidissem se juntar, essa hipotética cooperativa seria a quinta maior do País, atrás apenas da paulista Copersucar, da paranaense Coamo, da catarinense Aurora e da também paranaense C.Vale (confira o ranking na página 42). Para criar uma identidade, o projeto de intercooperação ganhou um nome: Unium, junção das palavras união e um, representado por uma tulipa, flor solitária de seis pétalas que é o símbolo da Holanda.
Mas a história que trouxe o trio até aqui começou bem antes. No início dos anos 2000, a falência da italiana de produtos lácteos Parmalat, com um rombo global de cerca de € 14 bilhões, levou ao fim a Batávia, em 2005. A Batávia era uma parceria da Parmalat com as três cooperativas para industrializar a produção de leite dos produtores. Foi um desastre na época, para desmontar um sistema que ia da produção ao consumidor. Com isso, as cooperativas voltaram ao velho esquema da venda spot, ou seja, para o laticínio que pagasse mais. “Cada um foi para o seu lado, fazendo o que já sabia: produzir”, diz Borg. Mais tarde, a Castrolanda, em 2007, e a Frísia, em 2011, inauguravam seus próprios laticínios. Mas isso não era o que as cooperativas almejavam. Outro ponto negativo era que beneficiamento individual de leite também colocava em xeque um programa que existia na região há muito tempo, chamado Pool de Leite. Ele nasceu antes da parceria com a Batavo, nos anos 1950, para referenciar os preços de venda nos Campos Gerais, região das qual fazem parte 16 municípios, entre eles Carambeí, Castro e Arapoti. E vem até os dias atuais. Naquela época, a produção da região era de 220 milhões de litros de leite, por ano. Hoje, são 550 milhões. “Nos anos seguintes, essa integração permitiu a formação de um mercado sadio para o produtor”, diz Greidanus.
Não por acaso, o leite produzido na região ainda é um dos mais valorizados do País. Enquanto a média nacional é de R$ 1,37 por litro, segundo o Centro de Estudos Avançados e Economia Aplicada (Cepea/USP), a do pool pode chegar a R$ 1,60 por litro. “Mas sozinhos, cedo ou tarde, passaríamos a competir por matéria-prima e isso poderia acabar com o pool de leite”, diz Greidanus. “Não podíamos deixar morrer um modelo que trouxe tantos benefícios à região, mas faltava a nós a cultura da industrialização.” A ideia de cada um por si não tinha como vingar. As conversas rumo a uma nova união não demoraram muito para chegar a um consenso.
Entre a inauguração do laticínio da Frísia e a decisão de criar a intercooperação foi um pulo. E começou justamente com o leite, no mesmo ano, 2011. Os arranjos de coleta nas fazendas, a industrialização e a oferta de produtos lácteos no mercado passaram a ser feitos em conjunto. Em 2013, com a chegada da Capal ao grupo, os suínos entraram na agenda. Elas investiram R$ 250 milhões para inaugurar um frigorífico em 2015. No ano passado, a receita foi de R$ 512,4 milhões, valor 38% acima do ano anterior. Hoje, além da marca própria Alegra Foods, a unidade fornece carnes industrializadas e in natura para redes de food service, como McDonald’s, Applebee’s, Outback e Madero. Também exporta para 27 países, entre eles Dubai, Hong Kong, Cingapura, Argentina e Armênia. Do total de 92,6 mil toneladas de suínos processados, 26 mil toneladas foram exportadas. Já o moinho de trigo foi construído em 2014, com investimento da ordem de R$ 62 milhões e capacidade de moer até 140 mil toneladas por ano. “É só com a força da indústria que o produtor se torna mais forte”, diz Bosch. “Os ganhos passam a ser reais.”
PRODUTORES O arranjo das cooperativas têm trazido mais confiança aos produtores. O engenheiro agrônomo Pleun Arthur Voorsluys, 62 anos, da chácara Ventania, de 76,5 hectares em Carambeí, diz que passou a acreditar mais em sua produção de leiteira, além de engordar 1,8 mil suínos. Dono de um rebanho de 260 vacas, das quais 120 em lactação e produção diária 3,8 mil litros, Voorsluys não quer parar. No ano passado, ele faturou R$ 1,5 milhão. “Temos uma brecha para aumentar ainda mais a produção de leite”, diz ele. “Com melhor genética e alimentação adequada podemos chegar à média de 40 litros por dia.” Só para comparação, embora o Brasil esteja entre os maiores produtores mundiais, com 34,9 bilhões de litros no ano passado, a quantidade de leite por vaca ainda é muito baixa, não mais que cinco litros por animal.
Na Agrosuínos Hilda, de 252 hectares em Tibaji (PR), a ordem também é crescer. A propriedade já tem instalado um biodigestor e se prepara para ter todas as matrizes livres das baias até 2024. “O futuro é crescer em sustentabilidade, modernizar a propriedade e melhorar nossos resultados”, diz a veterinária Deborah Gerda De Geus, 35 anos, uma das herdeiras da propriedade comprada pela família no fim dos anos 1970. Deborah divide com seus dois irmãos 60% do negócio. O restante pertence à mãe Hilda Rabbers De Geus. Eles desenvolvem genética, além de produzir e engordar leitões. O rebanho é formado por 600 matrizes, com abate de 17 mil animais por ano. “Nosso foco é atender ao que o mercado demanda: um suíno que garanta cortes padronizados de carne, além de macia e suculenta”, diz Deborah. “Tenho orgulho de fazer parte de uma fábrica de proteína animal boa e saudável.” No ano passado a propriedade faturou R$ 7,8 milhões.
O fato é que o Paraná sempre foi um Estado de excelências. O Valor Bruto da Produção (VBP) agropecuária, que mede as riquezas geradas nas propriedades rurais, é o terceiro maior do País, logo atrás de Mato Grosso e de São Paulo. Neste ano, o VBP paranaense deve ficar em R$ 66,7 bilhões, montante 42,3% acima de 2009. No País, em uma década, o VBP cresceu 38,9%. A previsão para 2018 é de R$ 552 bilhões. Marcelo Prado, sócio fundador da MPrado, de Uberlândia (MG), uma das principais consultorias do País, diz que a intercooperação pode crescer no Brasil e que um modelo como o levado pelo trio paranaense pode ser replicado. “É fácil perceber que, juntas, as cooperativas podem ir mais longe”, diz Prado. “As exportações, um processo difícil para as empresa, é um exemplo de ganho.” Para o engenheiro agrônomo e economista Decio Zylbersztajn, fundador e presidente do Centro de Conhecimento em Agronegócios (Pensa), da Universidade de São Paulo, a intercooperação leva o trio de cooperativas muito além da operação conjunta. “Ao compartilhar informações gerenciais, as cooperativas passam a buscar um refinamento de suas gestões, melhorando os seus resultados individuais.” Para ele, o que a Frísia, a Castrolanda e a Capal estão fazendo explica por que o Paraná se tornou o Estado mais forte no cooperativismo agropecuário. Das 25 maiores do agronegócio no País, 15 cooperativas são paranaenses, donas de um faturamento R$ 51,9 bilhões em 2017. Isso representou 73,5% dos R$ 70,6 bilhões movimentados pelo cooperativismo de todos os setores da economia no Estado.