Com a limitação de compra de terras por estrangeiros, multinacionais adiam planos e bilhões de dólares deixam de ser investidos no País

 

Outros tempos: os Weirs, que encontraram no oeste baiano a “Califórnia brasileira”, não teriam tanto sucesso nos dias atuais

Cultivando soja, a família do irlandês Clive Weir encontrou em Luis Eduardo Magalhães (BA) a “Califórnia brasileira”. Os Weir (foto) fazem parte de uma leva de imigrantes que têm feito deste município do oeste baiano uma das mais produtivas regiões do País. Se aportassem hoje no Brasil encontrariam sérias dificuldades em razão do parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), que estabeleceu limites para a compra de terras por estrangeiros.

Na primeira semana de vida, o parecer cancelou US$ 3,2 bilhões em investimentos previstos por cinco empresas estrangeiras no Brasil. Interessadas em florestas e plantações de cana-de-açúcar, elas interromperam planos de investimento no País; e não serão as únicas. A mudança na lei, assinada pelo presidente Lula em agosto, gerou insegurança para o investidor estrangeiro e deve afastar outros US$ 7 bilhões de aplicações dos fundos florestais nos próximos cinco anos. “A restrição estabelece mecanismos para saber quem está comprando a terra e de onde vem o dinheiro, mas ela impede o investimento”, pondera o advogado Marcello B. Raymundo, da L.O. Baptista Advogados.

 

Com a limitação de compra de terras por estrangeiros, multinacionais adiam planos e bilhões de dólares deixam de ser investidos no País

Limitar a atuação das empresas estrangeiras implica ignorar os benefícios que elas trouxeram para a economia. O Brasil se tornou o segundo maior produtor de soja do mundo graças, entre outras coisas, à atuação de empresas com a Cargill, hoje a maior exportadora do produto no País. A gigante agrícola dos Estados Unidos é acompanhada por ADM, Bunge e Dreyfus na lista das 20 empresas que mais exportaram a partir do Brasil no primeiro semestre. Se empresas como essas não puderem mais entrar no País, o crescimento nacional será diretamente afetado. “Em vez de proteger o Brasil da atuação estrangeira, a lei pode acabar levando o País a importar papel ou móveis”, alerta o advogado Tarcísio Araújo Kroetz, especialista no setor florestal. O vice-presidente da STCP Engenharia de Projetos, Joésio Siqueira, trabalhou nos últimos cinco anos nos projetos estrangeiros já paralisados e estuda formas de viabilizar o investimento de 620 mil hectares – o limite para estrangeiros é de cinco mil hectares em cada empreendimento. “Esses projetos eram sustentáveis e gerariam uma receita anual de R$ 18,5 bilhões para o Brasil”, lamenta. O argentino Axel Hinsch, CEO da Calyx Agro, também começou a rever os planos. “O Brasil sempre teve segurança jurídica. Mudar as regras do jogo não ajuda”, reclama. A Calyx Agro, sociedade composta pelo grupo francês Dreyfus, do ramo de commodities agrícolas, e pela seguradora americana AIG, administra 27 mil hectares no Brasil e planejava investir US$ 100 milhões no País até 2011. Se as regras não mudarem, o capital deve ir para Uruguai, Paraguai e Argentina.

Indignados, os empresários brasileiros que atuam na compra e venda de terras planejam entrar na Justiça. Na avaliação de seus representantes jurídicos, a decisão é inconstitucional, pois faz distinção entre brasileiros e estrangeiros residentes no País. “Meu conselho é tratar caso a caso, mostrando que o projeto é sério e bom para o País. O Brasil tem um arcabouço jurídico de proteção do mercado que facilmente desmontaria qualquer tentativa de empresas manipularem o setor, dispensando o limite para a compra de terras”, diz Kroetz.

US$ 7 bilhões

É o que os Fundos Florestais Internacionais planejavam investir no Brasil nos próximos cinco anos antes do parecer da AGU

 

Com a limitação de compra de terras por estrangeiros, multinacionais adiam planos e bilhões de dólares deixam de ser investidos no País

Pelos registros do Incra, estrangeiros são donos de 4,3 milhões de hectares, mas estima-se que este número seja apenas um quinto do real. Na avaliação da AGU, a corrida global por terras agricultáveis aumentaria a presença estrangeira no País, ameaçando a soberania nacional. “Temos o interesse de proteger setores estratégicos da economia”, disse o consultorgeral da União, Ronaldo Vieira Júnior, autor do parecer. Precisamos atentar para a compra de terra por empresas chinesas. Eles podem jogar o preço da commodity lá embaixo ou trabalhar para danificar a terra, numa tentativa de enfraquecer nosso mercado”, diz.

A medida protecionista adotada pelo Brasil não é incomum. Vieira destaca que a ONU discute um estatuto internacional para disciplinar a compra de terras por estrangeiros. Mas, num momento em que as grandes fusões dificultam cada vez mais a definição da nacionalidade de uma empresa, as restrições a um grupo investidor perdem o sentido. Com as mudanças, e a pretexto de proteger as terras brasileiras, o governo pode estar matando o setor que segurou a balança comercial nos últimos anos.

Terras estrangeiras

US$ 3,2 bilhões que seriam investidos na compra de terras já foram cancelados por conta do parecer da AGU

50 módulos de exploração indefinida compõem o novo limite para a compra de terras por estrangeiros. Cada módulo varia de 5 a 100 hectares

4,3 milhões de hectares (o equivalente ao Estado do Rio de Janeiro) estão registrados por estrangeiros no Brasil, de acordo com o Incra

15% dos 440 milhões de hectares de terras agricultáveis do mundo estão no Brasil, segundo o Banco Mundial