Todos os dias, o veterinário Luis Adriano Teixeira tem uma missão a cumprir: não deixar sair dos trilhos o programa de melhoramento genético de gado nelore da CFM Agropecuária, um conglomerado de nove fazendas espalhadas por São Paulo, Mato Grosso do Sul e Bahia, destinadas também, além da pecuária, ao cultivo de cana-de-açúcar e eucalipto. A CFM pertence ao grupo britânico Vestey Foods, com sede em Londres, especializado na importação, armazenagem e distribuição de produtos alimentícios oriundos de gado bovino, suíno, aves, ovinos, peixe e caça. O grupo de capital privado, comandado pelo empresário George Vestey, tem negócios em 70 países e fatura por ano R$ 1,6 bilhão. Neste ano, as primeiras vendas de touros da CFM aconteceram nos dias 16 e 17 de agosto, em um leilão que reuniu cerca de 800 interessados em São José do Rio Preto, município a 400 quilômetros de São Paulo – onde se encontra a sede da empresa no País –, e na fazenda São Francisco, em Magda, próximo de São José, que recebeu no dia seguinte mais 500 pessoas. “Manter a fazenda aberta nesses dias é importante porque parte dos pecuaristas olha os animais e só depois retorna para comprar o gado”, diz Teixeira. A venda de 532 touros nelore, criados exclusivamente no pasto, rendeu R$ 3,9 milhões, o equivalente à média de R$ 7.325 por animal.

Nas últimas cinco safras de comércio de gado, que vai de Agosto de um ano a maio do ano seguinte, a CFM tem vendido uma média de 1,7 mil animais por ano. Caso o mercado do boi gordo permaneça estável, a receita na atual safra deve chegar a R$ 12,5 milhões. Atualmente, não há no País nenhuma outra empresa que venda tanto touro quanto a CFM. Entre os animais top CFM, um lote de dez touros colocados à venda, o lance de maior valor foi de R$ 98 mil para CFM Urucum. Ele é o melhor animal da atual safra do programa de seleção, que mantém uma base de dados para comparação de desempenho de 500 mil animais.

O touro Urucum foi comprado pela central de inseminação CRV Lagoa, de Sertãozinho (SP), empresa de capital holandês e belga que vende anualmente três milhões de doses de sêmen no País, e a Agropecuária Santa Bárbara, de Carlos Rodenburg e do banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity. Miguel Lourenço Campo, diretor da leiloeira Central Leilões, de Araçatuba (SP), que há 14 anos organiza os eventos da CFM, diz que vender os animais da empresa é muito fácil. “Tá dominado”, brinca Campo. “No início é que assustava colocar mil touros no mercado, mas agora vem gente do Brasil inteiro atrás desses animais.”

Os interessados nos touros da CFM são criadores de gado que trabalham com um horizonte mais amplo e acreditam que é possível produzir bois gordos melhores que os atuais. Mas ter bois mais pesados, jovens e de carne mais macia leva tempo. Como a pecuária é uma atividade de ciclo longo, a maior parte da carne que o brasileiro vai comer em 2015-2016, ou o País vai exportar, começará a ser produzida nos próximos meses, quando os touros forem colocados nas estações de monta por um período que vai de 90 a 120 dias. Esse é o tempo necessário para que os touros emprenhem as vacas, os bezerros nasçam na primavera de 2013, engordem e começem a ser abatidos a partir de 24 meses.

O economista Fernando Antonio Burlamaqui Rosado, dono de salinas no Rio Grande do Norte e de fazenda de gado de corte em Bacabal, um dos municípios mais fortes de pecuária no Maranhão, comprou os primeiros touros produzidos pela CFM no ano passado. Neste ano, ele retornou às compras. A ideia de Rosado é ter somente animais dessa marca daqui para a frente. “A fama da CFM roda pela rádio peão, todo mundo fala bem da bezerrada que nasce dos touros selecionados por ela”, diz Rosado. “Estou apostando todas as fichas nesses animais, para renovar meu rebanho.” Na Umari Agropecuária, Rosado cria mil fêmeas nelore, das quais 600 estão em reprodução. No ano passado, o pecuarista comprou nove touros, entre eles um destinado à coleta de sêmen. Neste ano, ele levou mais 20 animais, com uma diferença substancial. A média de preços do ano passado foi de R$ 7,7 mil e neste ano, de R$ 11,2 mil. “Escolhi animais superiores e aí a gente tem de pagar por eles.”

Mariana Bernardes, que também é economista, e o seu pai, Lamartine Bernardes, da fazenda Pôr do Sol, em Ouro Preto D’Oeste, município da região central do Estado de Rondônia, passaram a manhã do dia 17 de agosto analisando os dados do programa de melhoramento genético da CFM para decidir o que comprar. Saíram da fazenda com seis touros. Foi a primeira aquisição da dupla. “Queremos melhorar a genética das nossas fêmeas nelore para abater animais mais jovens”, diz Mariana. O pai, um pecuarista à moda antiga que sempre criou gado na vida, primeiro em Minas Gerais e há uma década em Rondônia, tem deixado essa tarefa para a filha. “Eu sempre administrei a fazenda na base do olho, ela administra na base do número”, diz Lamartine. Hoje, a fazenda de 800 hectares tem um plantel de 600 fêmeas em reprodução. “Quero fêmeas prenhes aos 14 meses, como faz a CFM”, diz Mariana. “Com fêmeas parindo mais cedo, o ciclo da pecuária encurta.”

As fazendas da CFM ocupam uma área de 133 mil hectares, dos quais 58 mil hectares em São Paulo, 46 mil em Mato Grosso do Sul e 29 mil na Bahia. O rebanho totaliza 60 mil animais, dos quais 17 mil são fêmeas que geram uma safra de 14,5 mil bezerros por ano. Dos nascidos, sete mil machinhos são acompanhados e descartados em várias etapas, até sobrarem os dois mil melhores animais da temporada. “Reservamos aqueles que vão ficar e o restante vai para o mercado”, diz Teixeira.

Para o economista David Makin, diretor da CFM no Brasil, o atual desafio na seleção do gado nelore é fazer a raça produzir carne de qualidade superior. “Seria bom se o gado brasileiro estivesse todo pronto para o abate até os 22 meses”, diz Makin. “Porque depois a perda de qualidade da carne vem em proporção geométrica.” Hoje, a idade média dos 41 milhões de animais abatidos a cada ano, no País, é de 42 meses. Makin sabe do que está falando. Ele é da Argentina, país que historicamente tem abatido seus animais entre 20 e 24 meses. No confinamento da CFM, os 14 mil animais estão prontos aos 22 meses, pesando quase 19 arrobas.

O atual modelo da empresa serve para avaliar o grau de aperto na seleção genética e a intensificação da atividade agropecuária do grupo. Há uma década, ao mesmo tempo que passou a engordar os animais de forma intensiva em São Paulo, a CFM levou o rebanho de 17 mil fêmeas para Mato Grosso do Sul epara a Bahia. “Somente os melhores filhos dessas fêmeas retornam à São Francisco, onde passam pelo filtro fino da seleção”, diz Makin. A logística foi montada para levar a pecuária a render tanto quanto a cana-deaçúcar. “Em São Paulo, um hectare de terra vale, em média, US $ 11 mil”, diz Makin. “Se não houver pressão na seleção por animais mais produtivos, eles não pagam por esse ativo.” Em dez anos, a produção de cana passou de um milhão de toneladas colhidas para três milhões de toneladas. A pecuária, que antes ocupava oito mil hectares, do total de 11 mil hectares na fazenda paulista, hoje está limitada a uma área de apenas 950 hectares. “Toda fazenda tem uma vocação natural”, diz Makin.