Em câmera lenta, dia após dia, as altas temperaturas e a falta de chuva nos Estados Unidos castigam os agricultores e pecuaristas americanos. A maior seca registrada nos últimos 50 anos afetou especialmente o cinturão do milho americano, destruindo lavouras e provocando uma disparada dos preços dos grãos, que chegaram a atingir o recorde histórico de US$ 8,3 por bushel (25,4 quilos) na bolsa de Chicago, para contrato da safra com base em dezembro. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, na sigla em inglês) informou na segunda quinzena de agosto que, embora as chuvas recentes tenham aliviado a seca em algumas regiões, o clima afeta 85% das áreas de cultivo do milho, sendo que 49% dessas terras estão numa situação de seca extrema a excepcional. Com isso, segundo o Usda, a produção de 375,7 milhões de toneladas do cereal prevista para este ano, caiu para 273,8 milhões de toneladas, 13% inferior aos 313,9 milhões de toneladas colhidas no ano passado. “Se houvesse uma oração ou uma dança para fazer chover, eu faria”, disse à imprensa em Washington o secretário da Agricultura americano, Tom Vilsack. Apesar da tragédia, 85% da área cultivada tem seguro agrícola. Só para comparação, no Brasil o seguro cobre apenas 5% da lavoura.

Na atual safra americana, 3% do milho está em condição excelente, enquanto 50% é classificada como ruim ou muito ruim. Será a menor produção desde 2006 e a menor produtividade desde 1995, com rendimentos de 120,4 bushels por acre (7,5 toneladas por hectare). “Além da falta de umidade do solo, o calor excessivo durante a polinização do milho reduziu muito a quantidade de grãos nas espigas e o potencial de rendimento da planta”, disse à DINHEIRO RURAL o economista Todd Davis, da American Farm Bureau Federation (AFBF). “A seca está afetando as principais áreas produtoras de milho e soja no Centro-Oeste e nas planícies do Sul do país.”

Diante da situação calamitosa no campo, o presidente Barack Obama pediu ao Congresso a aprovação de um orçamento agrícola capaz de auxiliar os produtores a enfrentar as dificuldades. “O Congresso precisa aprovar um orçamento agrícola não apenas para ajudar os fazendeiros e donos de granjas a responder a esse tipo de desastre, mas também para realizar as reformas necessárias que representem alguma certeza durante todo o ano” disse Obama. No mês passado, o Departamento de Agricultura divulgou que 1,8 mil municípios em 35 Estados foram declarados áreas de desastre natural. Por determinação de Obama, o secretário Vilsack anunciou US$ 16 milhões em assistência técnica e financeira para ajudar agricultores e pecuaristas de 19 Estados e US$ 14 milhões em recursos para programas de emergência, além da redução dos juros de empréstimos aos produtores e negociação com as seguradoras para maior flexibilidade no pagamento de taxas. Vilsack disse, em comunicado de agosto, que o governo Obama fará todo o possível para ajudar. Uma das medidas já tomadas foi a decisão de gastar US$ 170 milhões na compra de carne bovina, suína e de aves, para aliviar as pressões sobre o setor. “As compras do governo vão ajudar a estabilizar o mercado.”

A seca tem efeito dominó em outros setores. Como o milho compõe parcela significativa da ração para animais, a pressão dos custos vai refletir no preço das carnes. Além disso, a preocupação é de como os EUA, maior exportador de alimentos do mundo, poderão garantir o abastecimento da indústria.

Outro problema é que a falta de chuva está diminuindo as hidrovias e comprometendo as exportações de commodities através dos portos do Golfo do México. Na última semana de agosto, 18 quilômetros do rio Mississippi foram fechados para navegação, devido aos baixos níveis de água. Os incêndios florestais no norte da Califórnia são um fator que pode afetar o bolso do consumidor.

Por outro lado, as usinas de etanol estão vendo seus lucros evaporar, já que cerca de 40% do milho cultivado nos EUA é destinado à produção de biocombustível. Desde o início de junho, a indústria reduziu o consumo do cereal em 12%, mais de 25 usinas estão ociosas e muitas outras estão trabalhando abaixo da capacidade. O preço do etanol aumentou de US$ 2 por galão (3,8 litros) para US$ 2,55, mas ainda está mais barato que a gasolina, que subiu 11% desde julho. “A indústria respondeu rapidamente à alta de preços do milho, reduzindo a produção e as exportações”, diz Geoff Cooper, da Associação de Combustíveis Renováveis (RFA, na sigla em inglês). Segundo ele, a crise vai reduzir os níveis de produção de etanol até agosto do próximo ano.

Já a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) informou que o Índice de Preços dos Alimentos subiu 6% em julho, após três meses consecutivos de queda. Preocupada com a competição do etanol com os alimentos, a Organização das Nações Unidas (ONU) pediu ao governo americano a suspensão da mistura obrigatória de etanol na gasolina. Para a FAO , a medida visa a segurança alimentar mundial. Atualmente, os EUA são os maiores exportadores mundiais do cereal, da ordem de 40 milhões de toneladas por ano. Países como o Japão, por exemplo, já estão procurando outros fornecedores de milho, entre eles o Brasil.

De acordo com os especialistas, o cenário parece que não vai mudar no curto prazo e vai deixar sequelas. “Dada a importância do milho como alimentação animal e como matériaprima para o etanol, a seca ainda vai nos causar muitas perturbações”, afirma Bruce Babcock, um dos maiores especialistas americanos em milho, que estará no Brasil neste mês para o Global Agribusiness Forum.

“Os alimentos serão impactados em breve”

O professor de economia agrícola Bruce Babcock é diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Agricultura da Universidade Estadual de Iowa e também dirige o Centro de Estudos em Bioenergia da mesma universidade. Considerado um dos maiores pesquisadores a respeito dos impactos da política agrícola sobre os fluxos comerciais e os preços mundiais, Babcok falou à DINHEIRO RURAL sobre o cenário da seca nos Estados Unidos.

Quais são as perdas e expectativas para o setor produtivo?
A produção de milho será pelo menos 25% menor do que o esperado e a de soja deverá ser de 15% do previsto. Além disso, a capacidade de produção de carnes e de combustível a partir do milho também será menor nos próximos meses. Os preços do milho aumentaram cerca de 60% e os da soja, 40%.

Como a crise afeta o etanol?
A razão pela qual os preços do etanol têm aumentado é que as petrolíferas estão configuradas para produzir gasolina de octano baixo, que necessita de 10% de etanol para satisfazer as especificações dos Estados Unidos.

Qual é o impacto da crise nos preços dos alimentos?
Eles serão impactados em breve. A grande elevação do custo da ração animal significa que os preços do leite para o consumidor vão subir talvez 15% a 20%, os dos ovos 15%, a carne suína 10% e, eventualmente, a carne bovina vai aumentar 10%.

O que deve ser feito para minimizar a crise?
A única coisa que teria impacto, mas seria contraproducente, seria proibir as exportações de milho, trigo e soja. Isso diminuiria o preço das commodities nos Estados Unidos, mas resultaria em preços mais elevados no restante do mundo. Não há nenhuma chance de que os Estados Unidos vão seguir outros países, como Rússia, China, Índia e Argentina, restringindo as exportações.