01/12/2011 - 0:00
Como cultivar: Marcelo Martins, da Cargill, com crianças do Núcleo Assistencial Irmão Alfredo, que integram o programa De grão em grão, da empresa
Discretamente, as empresas do agronegócio estão investindo em sua imagem pública por meio de ações comunitárias, tornando de certa maneira o capitalismo mais humano. A causa faz bem ao Brasil e, por que não, ao relacionamento dessas companhias perante a clientela e a comunidades em que atuam. Inclusão social, qualificação do trabalhador rural e combate ao desperdício são o foco de alguns investimentos sociais de empresas ligadas ao setor. Um exemplo é o apoio à Fundação Abrinq, com sede em São Paulo, criada em 1990 pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos. Atualmente, são parceiros da fundação 56 empresas do setor que integram o programa Empresa Amiga da Criança, entre elas Syngenta, Basf, Tortuga, Louis Dreyfus, Cutrale e Nestlé, além de tantas outras menos conhecidas, de pequeno e médio portes que buscam reconhecimento por meio de atitudes socialmente corretas. “O retorno é garantido. Vem em forma de investimentos externos e parcerias, além de lealdade por parte do cliente”, afirma Gleice Carvalho, diretora da Agência Cultura de Paz, Educação e Comunicação para a Sustentabilidade, consultoria paulista especializada na valorização do capital humano.
“Sempre abraçamos novas causas. Se houver repercussão, melhor ainda”
Marcelo Martins, presidente da Cargill
Para o presidente da multinacional americana Cargill, Marcelo Martins, não há como negar a repercussão positiva na reputação do negócio de quem atua com responsabilidade coorporativa. “Sempre abraçamos novas causas”, diz Martins. “Se houver repercussão, melhor ainda para a imagem da empresa.” De olho nisso, a Cargill investe anualmente entre R$ 7 milhões e R$ 10 milhões em 15 programas sociais no País. Esse dinheiro é aplicado em ações da própria Fundação Cargill, criada em 1973, em projetos como os da Abrinq ou específicos. “O grande risco das ações sociais é divulgar mais do que realmente se faz”, afirma Martins. “A evolução dos programas sociais acontece de acordo com as necessidades das comunidades em que atuamos.” A Cargill aderiu às ações comunitárias em 1965, com atividades ligadas à responsabilidade socioambiental. “A visibilidade dos projetos veio após a criação da Fundação Cargill.” A instituição nasceu para que os investimentos em ações sociais não fossem apenas para “inglês ver”, como plantar algumas árvores, manter um lago no fundo das fábricas e escritórios ou fazer doações pontuais. Essa abordagem é aprovada pelos especialistas. Para Heloisa Oliveira, administradora-executiva da Fundação Abrinq, empresas de diferentes segmentos desenvolvem cada vez mais estratégias consistentes de responsabilidade social. “Elas estão se afastando do conceito de doação pontual e pa ssando a tratar esse tema como um investimento constante”, diz.
O segredo do sucesso em torno da responsabilidade social da Cargill está na junção de três pilares: econômico, meio ambiente e bem-estar social. “É assim que as iniciativas sociais se interligam com o sucesso dos negócios da companhia”, afirma Valéria Militelli, vice-presidente de assuntos coorporativos da empresa. O objetivo da empresa é atuar como agente de transformações, desde a produção, no campo, até o pós-consumo. A produção familiar sustentável do cacau, da soja e do tomate e ações educativas integram os programas da Cargill. Somente em torno das lavouras de cacau, por exemplo, atuam quatro mil produtores. Cerca de 660 mil alunos da rede pública de ensino estão integrados em projetos educacionais, incluindo produção em hortas nas escolas, além de ações desenvolvidas em dezenas de cooperativas agrícolas.
Segundo Gleice Carvalho, diretora da Agência Cultura de Paz, as empresas acabaram descobrindo, na prática, que deveriam ir à essência do processo sustentável, envolvendo os três pilares da sustentabilidade observados pela Cargill. “Os impactos são sentidos no bolso e na razão de ser de qualquer empreendimento”, diz Gleice. O mercado externo está de olho nas marcas que caminham nessa direção. Para a diretora, toda essa movimentação social das empresas sinaliza novos tempos. “Criou-se um ciclo virtuoso de toda a cadeia de parceiros estratégicos, os chamados stakeholders, alinhados a uma conduta empresarial baseada no respeito e na sinergia e visão do papel social de cada um”, diz. Trocando em miúdos, as grandes empresas dão o pontapé inicial, partindo de ações sociais próprias, e depois espraiam essas práticas, exigindo das médias e pequenas, em geral suas fornecedoras, que sigam suas propostas éticas. É um processo sem volta no mundo corporativo, segundo Gleice. “Significa consolidar a capacidade de lucro sem prejuízo às presentes e às futuras gerações.”
Prática antiga em empresas como a Cargill ou Nestlé, que estão há décadas no País, a cidadania corporativa é praticada até pelas recém-chegadas. É o caso da fabricante indiana de defensivos agrícolas e sementes United Phosphorus Limited (UPL), que em julho adquiriu, por R$ 239,2 milhões, 51% de participação na subsidiária brasileira do grupo alemão DVA, com sede em Campinas (SP). A UPL agora vai ampliar os programas sociais no País, gerenciados pela DVA Agro Brasil. Um feles é o programa Associação Vida, que visa educar jovens de 13 a 18 anos e inseri-los no mercado de trabalho depois da faculdade ou de um curso profissionalizante. “Os investimentos podem chegar a R$ 1,5 mil por jovem ao mês”, diz Mathias Damm, CEO da DVA Agro Brasil. Segundo o indiano Jai Shroff, presidente da UPL global, com sede em Mumbai, a empresa atua na área social nos 29 países onde mantém subsidiárias. “Realizamos trabalhos sociais não só porque é importante para manter um bom relacionamento empresarial, mas porque, como família, tivemos essa orientação”, diz. A UPL quer tornar o projeto da DVA um modelo multiplicador, criando uma espécie de franchising social. Segundo Shroff, a ideia é organizar várias células de projetos educacionais, com 50 adolescentes cada. “Alguns acabam entrando para a equipe de funcionários da empresa”, diz Damm. “Mas, como não absorvemos todos, buscamos parcerias.” Alguns dos jovens que passaram por cursos profissionalizantes do grupo foram recrutados como aprendizes no Banco do Brasil.