Quando decidiu construir a Usina Itamarati, no interior de Mato Grosso, o empresário paulista, Olacyr de Moraes, que se notabilizou como o rei da soja brasileiro, nos anos 1980, buscou o que havia de melhor em tecnologia canavieira. Quem chega de avião à sede da empresa, localizada em Nova Olímpia, a 200 quilômetros de Cuiabá, logo ao desembarcar percebe o tamanho da ambição de seu fundador. A pista de pouso, asfaltada, tem as mesmas dimensões da utilizada pelos jatos que trafegam pelo aero- porto de Congonhas, em São Paulo. A bela casa da fazenda, onde moram os principais diretores da usina, oferece conforto igual ao dos melhores hotéis de negócios. Era ali que Olacyr costumava passar seus momentos de lazer.

Os esforços de Olacyr, que fez fortuna à frente da construtora Constran, no entanto, não foram suficientes para transformar a Itamarati em um sucesso. Criada em 1980 com o objetivo de aproveitar os estímulos do Proálcool, programa do governo que prometia lucros fabulosos para os produtores do combustível, ela nunca conseguiu deslanchar no setor. Uma década depois de sua primeira colheita, a Itamarati decidiu entrar no mercado de açúcar. Mesmo assim, não conseguiu sanar seus problemas. Seguidas crises no seg- mento impuseram tempos difíceis para a companhia. Até que, em 2004, chegou à beira da falência. Para tirar a empresa do buraco, a filha de Olacyr, Ana Cláudia de Moraes, que acabara de assumir o controle da Itamarati, decidiu apos- tar na profissionalização e contra- tou o ex-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Sylvio Coutinho, para uma consultoria. “Quando cheguei, a primeira per- gunta que me fizeram foi se eu tinha trazido um caminhão de dinheiro”, afirma Coutinho. “Respondi que não, e que iria sair dali com um caminhão de dinheiro.” Deu certo. Apesar da promes- sa de Coutinho não se concretizar, a realida- de da empresa atual- mente nem de longe lembra a desespera- dora situação em que se encontrava há oito anos. Com faturamento de R$ 700 milhões previsto para 2012, a Itamarati não corre mais o risco de parar por falta de pneus nos caminhões, como acontecia em 2004.

Em busca de lucro a empresa renovou a sua frota de mais de 100 plantadoras e colhedoras

No ano passado, a empresa renovou toda a sua frota de colhedoras e plantadoras, que ultrapassa 100 máquinas. A expectativa é encerrar o ano com a moagem 5,1 milhões de toneladas de cana, número que deve subir para 6,5 milhões até 2015. A usina prevê alcançar um lucro operacional de R$ 99 milhões. “A empresa sempre foi grande e boa”, diz o executivo. “O que faltava era planejamento.” Coutinho acabou pegando gosto pela coisa e se manteve à frente da Itamarati, ocupando o posto de presidente até hoje.

No entanto, apesar de comemo- rar a recuperação da empresa, Coutinho sabe que a Itamarati ainda guarda alguns esqueletos no armário. Se por um lado a usina possui atualmente uma situa- ção operacional sadia, por outro enfrenta uma difícil situação financeira, com dívi- das que ultrapassam R$ 1 bilhão, herdadas das gestões anterio- res. Por causa desse passivo, deve amargar neste ano um prejuízo líquido de cerca de R$ 200 milhões. A dura realidade é resultado, prin- cipalmente, de erros cometidos no período 2005-2008, quando houve um boom no consumo de etanol no País, motivado pelos carros flex. “Nosso diretoria, que fica em São Paulo, decidiu aproveitar a onda e investir em outras unidades”, afir- ma Coutinho. “Tiraram dinheiro daqui e compraram usinas velhas no Rio de Janeiro e em Mato Grosso”. A quebra do banco Lehman Brothers, que culminou na crise financeira mundial de 2008, acabou por dificultar a concessão de crédito, colocando a empresa em maus lençóis.

A Itamarati não é a única companhia do setor sucroalcooleiro a enfrentar problemas de endividamento. A exemplo dela, pelo menos um terço das 360 usinas instaladas na região Centro-Sul do País estão às voltas dom um desbalanceamen- to financeiro, carregadas de dívi- das. “Nessas condições, é muito difícil investir”, diz Coutinho. “To- das as melhorias que fizemos foram com dinheiro do nosso bolso.” A situação levou a controladora da usina a procurar outro caminho: desde o ano passado, a empresa está à venda. Com isso, a Itamarati passou a fazer parte de uma longa lista de usinas de cana disponíveis no mercado.

Monopólio: o açúcar Itamarati detém quase a totalidade do mercado amazonense

É possível tirar a companhia dessa situação? Para Coutinho, não há dúvida de que sim. “Nunca ouvi falar de uma usina que foi à falência tendo canavial de boa qualidade”, diz. “Nenhum credor é maluco o suficiente para penalizar uma empresa com um patrimônio tão grande.” O foco principal da gestão atual tem sido a redução de custos. Sem dinheiro para investir, o jeito é deixar a casa arrumada ou preparar a noiva para uma futura venda. Ao mesmo tempo, o presidente trabalha intensamente namotivação e capacitação dos funcionários. “Desde o primeiro dia buscamos conversar com o pessoal e separar o joio do trigo”, afirma. Para manter a tradição da usina de trabalhar com a mais alta tecnologia de cultivo, o executivo foi buscar no Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), em Piracicaba, interior de São Paulo, a matriz tecnológica que serviu de modelo para a renovação dos equipamentos. Mas o pulo do gato da sua gestão, na visão de Coutinho, foi passar a atuar em mercados mais favoráveis regional- mente para o açúcar e o álcool da companhia.

Em vez de tentar comercializar os produtos no saturado mercado Sudeste, a Itamarati rumou para a região Norte do País. Contribuiu para essa decisão a precariedade das estradas que ligam Mato Grosso aos maiores centros urbanos brasi- leiros, no caso São Paulo e Rio de Janeiro. Apesar da situação não ser muito melhor na direção de Estados como Amazonas e Pará, a localização da usina traz uma vantagem competitiva em relação às empresas paulistas.

O açúcar Itamarati domina quase a totalidade do mercado amazonense, por exemplo. Grandes clientes, como o Grupo Simões, fabricante de bebidas da Coca-Cola que atende toda a região Norte, dependem quase que exclusivamente dos produtos da usina. “Sem a Itamarati, a única alternativa é São Paulo”, afirma Cláudia Reis, coordenadora de suprimentos do grupo Simões. “Seria muito mais difícil para nós.” Para a distribuidora de combustíveis Petroluz, de Cuiabá, o etanol vendido pela usina é a única opção viável na região. “Não compensa buscar em São Paulo, o frete sai muito caro”, afirma José Carlos da Silva, proprietário da empresa. “A Itamarati é um ótimo parceiro.”

Fornecedora: para Silva, dono da Petroluz, o etanol da Itamarati é a única opção viável no Centro-Oeste

É essa quase reserva de mercado na região Norte que leva Coutinho a ser otimista quanto ao futuro da Itamarati. “Temos fôlego garantido para os próximos três anos, pelo menos”, afirma.
Por outro lado, o presidente sabe que vai chegar uma hora em que investimentos serão necessários. De qualquer forma, a venda da empresa está longe de ser uma obsessão. O assunto, inclusive, é tema proibido na companhia. Mesmo assim, Coutinho não esconde sua convicção de ter preparado a usina para receber de braços abertos qualquer investidor. “Quem comprar a Itamarati estará fazendo um grande negócio”, diz. “É a última joia da coroa.”