14/08/2018 - 11:12
Afazenda Dois Irmãos tem passado por profundas mudanças nos últimos tempos. Em 12 meses, a produção diária de leite dobrou, indo de 1,8 mil litros para 3,7 mil litros. Localizada no município de Palmeiras de Goiás, a principal bacia leiteira do oeste goiano, com produção de cerca de 110 mil litros por dia, o resultado na Dois Irmãos veio da mudança no sistema de manejo das vacas da raça holandesa. Antes, elas ficavam em piquetes. Agora, dispõem de um barracão para descanso e alimentação, coberto por serragem e esterco compostado, chamado de sistema compost barn. Desenvolvido nos Estados Unidos na década de 1980, a utilização desse tipo de instalação tem crescido no Brasil porque ajuda a reduzir os custos de manutenção de uma propriedade e a melhorar os índices produtivos e sanitários. Mas, na Dois Irmãos, não foi uma missão fácil mudar o sistema, por uma única razão: conflito de gerações. “Quando sugeri construir um barracão meu pai ficou doido”, diz Guilherme Martins, 23 anos, estudante de medicina veterinária.
O conflito trouxe à tona um impasse familiar que já vinha de alguns anos. Sem um planejamento de sucessão na propriedade, o importante para o pai, Edvalson de Souza Martins, 64 anos, era que o filho não apostasse sua carreira em uma propriedade de apenas 55 hectares. Guilherme, que pensava justamente o contrário, somente conseguiu convencer o patriarca porque contou com uma aliada: a mãe Consuelo Martins, 54 anos. “Meu pai não aceitava nossas novas ideias, dizia ser lorota”, afirma Guilherme. Hoje, com o novo sistema, 110 vacas em lactação produzem, em média, 34 litros de leite por dia, volume que equipara a produtividade da Dois Irmãos às melhores do mundo. Antes, eram 75 vacas com média de 25 litros. O pai não apenas se rendeu à tecnologia, como tomou uma decisão nem sempre fácil em uma propriedade. “Ele entregou o negócio em nossas mãos”, diz Guilherme, que divide a administração com o irmão mais novo, Arthur, 21 anos. Guilherme faz parte de uma nova geração que escolheu fazer carreira no campo e busca a prosperidade. Não por acaso, ele é o vice-coordenador da Comissão de Jovens da Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (Comigo), com sede em Rio Verde (GO). Com 7,3 mil cooperados, no ano passado a Comigo faturou R$ 3,3 bilhões com processamento de soja, milho, leite, ração animal e sementes.
Hoje, o Brasil possui 1,5 mil cooperativas rurais, onde estão cerca de um milhão de cooperados. Em geral formada por pequenas propriedades, cuidar da sucessão familiar é uma das principais tarefas das cooperativas, sob pena de perder seu potencial de perenidade. “O papel da Comigo é preparar os jovens à sucessão, ao dar a eles uma visão estratégica e de gestão de seus negócios”, diz Antonio Chavaglia, presidente da Comigo. “Os jovens têm um conhecimento grande da evolução tecnológica e é importante a integração com os pais, que estão na lavoura há muito mais tempo.” Mas não é somente a Comigo que está atenta. O tema é prioridade de cooperativas que têm se comportado como grandes corporações, como as paranaenses Coamo, C.Vale, Frísia, LAR e tantas outras que atuam no setor de alimentos. Para elas, monitorar a sucessão familiar nas propriedades cooperadas nunca foi tão necessário na gestão do negócio. De acordo com Franco Cammarota, sócio da consultoria Safras & Cifras, de Pelotas (RS), os jovens produtores que expandiram a atividade rural nas décadas de 1970 e 1980 para terras do Centro-Oeste, hoje precisam pensar na continuidade do negócio. “Esse é o momento de passagem do patrimônio da geração antiga, de 60 e 70 anos, para a nova geração. É hora da sucessão”, diz ele. “Isso está acontecendo no sudoeste goiano, em Mato Grosso e em partes de Mato Grosso do Sul e do Pará.” No caso da Comigo, são três mil produtores com idades superiores aos 60 anos, público equivalente a 41,6% de seus cooperados. O grupo deve estar todo aposentado em uma década. A saída dessa geração da atividade rural pode criar um hiato nos quadros da Comigo, caso os jovens não sejam cooptados para a doutrina cooperativista, na qual os desafios sociais e econômicos da comunidade são tarefas coletivas. Hoje, há apenas 780 cooperados com menos de 35 anos, 10,8% do quadro da Comigo.
Sem tempo a perder, para dar conta da tarefa, nos últimos três anos, a cooperativa tem reformulado e aperfeiçoado o conteúdo do curso de Formação de Jovens Lideranças, criado há sete anos. O programa se tornou uma ferramenta importante de fortalecimento institucional da cooperativa. Composto por uma série de encontros com especialistas, ele é coordenado pela administradora de empresas Siomara Martins de Oliveira. São 96 horas de aulas e uma viagem técnica para conhecer outra cooperativa. “Criar novas lideranças significa incluir a sucessão familiar nesse processo”, diz Siomara. “Muitos pais não incentivam os filhos a se manterem na atividade rural por acharem que eles levam uma vida muito sofrida.” Siomara tem razão no que fala. Segundo dados prévios do Censo Agropecuário 2017, que deve ser apresentado ainda este ano pelo IBGE, a população rural está envelhecendo e a migração dos mais jovens para as áreas urbanas continua. Atualmente, a população rural com mais de 65 anos representa 21,4% dos moradores do campo, ante 17,5% do censo de 2006. Já os jovens, entre 25 anos e 35 anos, são 9,5% ante 13,6% do levantamento anterior.
Pelos cursos da Comigo já passaram cerca de 200 jovens. Siomara diz que o objetivo é fazer com que histórias tristes, como algumas que já presenciou, não se repitam. Ela dá como exemplo uma história ocorrida há quatro anos. Um jovem, que passou pelo curso e queria ser agrônomo, desistiu de cuidar da propriedade da família, no município de Jandaia, a 170 quilômetros de Rio Verde. O pai o convenceu a cursar uma faculdade de farmácia. “Mas o rapaz nunca gostou dessa profissão e hoje está na Polícia Militar”, afirma Siomara. “É um desperdício porque esse jovem, filho único, seria um excelente agrônomo. Agora, pergunto qual o futuro da fazenda?” Cammarota, da Safras & Cifras, diz que as ações das cooperativas são importantes para mudar a mentalidade ainda presente de que o êxodo rural é a única solução no campo. “Com informação, os cooperados, sejam os pais ou os filhos, passam a enxergar a cooperativa como uma aliada nas tomadas de decisões”, afirma ele. É o caso de Ana Paula Gazolla, 27 anos, agrônoma e filha de cooperado. Na fazenda Porteira, em Montividiu, município a 60 quilômetros de Rio Verde, a família cultiva 500 hectares de soja e milho. Mas Ana Paula nunca teve muito espaço no negócio tocado pelo pai José Roberto Gazolla, 57 anos, e pelo irmão Paulo Roberto, de 31 anos. Para Gazolla, serviço de roça era de homens e o plano para a filha contemplava um serviço em Goiânia, a 260 quilômetros de casa. Foi o curso da cooperativa que mudou o destino de Ana Paula, com as bênçãos do pai. “Passei a atuar na administração e nas finanças, cuidando da gestão e dos projetos”, diz ela. “Meus pais estão envelhecendo e preciso cuidar do patrimônio da família.” Hoje, Ana Paula é mais uma cooperada da Comigo.