02/07/2020 - 22:08
O Brasil pode deixar de atrair investimentos da ordem de R$ 80 bilhões em expansão de geração de energia elétrica se o governo não vetar o artigo 20 do novo Marco do Saneamento, alerta o presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), Yuri Schmitke. O artigo restringe as novas regras ao setor de água e esgotamento sanitário, deixando de fora a limpeza urbana e o manejo de resíduos sólidos urbanos (RSU). Com isso, fica inviabilizada a tecnologia que gera energia a partir do lixo, das usinas de incineração (Waste-to-energy), que ao contrário dos aterros sanitários podem livrar o Brasil dos lixões, explica o executivo.
“O artigo 20 foi um jabuti enfiado de última hora, é quase um golpe na democracia, à legalidade. Para investir no tratamento térmico de resíduos é preciso contratos de longo prazo, ou teremos mais 30 anos de lixão pela frente”, afirma Schmitke, informando que a técnica já é largamente utilizada na Europa que conta com 522 plantas em operação. “No mundo, todo dia tem um contrato de usina de incineração sendo assinado, todos os países desenvolvidos hoje estão adotando incineração, que é considerada a maneira mais segura e eficiente para tratar o lixo”, completa.
Hoje, o Brasil não tem nenhuma usina de incineração de lixo em operação, mas tem quatro projetos em andamento para gerar eletricidade. Uma em Cubatão (SP), com capacidade para queimar duas mil toneladas de lixo por dia e uma térmica com potência de 50 MW; outra em Barueri (SP), o mais avançado, que já tem licença de instalação ambiental e financiamento, e vai tratar 825 toneladas/dia e potência de 20 MW; um projeto de R$ 1 bilhão em Mauá, a cerca de 25 quilômetros de São Paulo, do grupo Lara, que terá capacidade para instalada de 80 MW e vai tratar três mil toneladas de resíduos sólidos urbanos; e uma no Rio de Janeiro, da Ciclus, investimento de R$ 500 milhões e que vai tratar três mil toneladas de lixo, com potência de 30 MW, energia suficiente para abastecer 200 mil residências.
A técnica consiste em fazer a combustão do resíduo e, por meio de processos modernos termodinâmicos, extrair o calor para gerar energia elétrica em grandes quantidades. Além de um alto poder calorífico, o processo fornece uma energia mais barata, segundo o presidente da Abren. Com uma tonelada de lixo é possível gerar 65 quilowatts-hora (KWh) em um aterro sanitário, já na usina de incineração, a geração pode chegar 450 a 600 kwh para o mesmo volume de lixo, explica.
“Se você vai fazer um aterro sanitário em uma cidade de 100 mil habitantes, custa R$ 200 a tonelada, mas se for 500 mil habitantes cai para R$ 100 a tonelada. A incineração é a mesma coisa, se eu tiver 1 milhão de habitantes, com a mesma tarifa do aterro você faz usina waste-to-energy vendendo energia elétrica a R$ 450 reais o megawatt-hora (MWh), é um preço mais barato do que 33% do nosso parque termelétrico”, avalia.
O potencial de geração de eletricidade em usinas de incineração pode chegar a 5% do total da energia gerada no País. Pensando nisso, o Ministério de Minas e Energia estuda a realização de chamadas públicas ou leilões para a contratação dessa energia gerada por resíduos, informa Schmitke.
“O ministro Bento Albuquerque é favorável ao nosso projeto, eles (MME) estão fazendo um trabalho específico para a contratação da energia elétrica dos resíduos, por meio de leilões específicos regulados ou chamadas públicas a que as distribuidoras têm direito de fazer sem licitação”, explica, referindo-se à Lei 10.048 que autoriza as distribuidoras a comprar até 10% da sua demanda por chamada pública.
Os contratos de energia são necessários para os investidores conseguirem financiamento, mas, para atrair investimentos, segundo o executivo, é preciso estender ao setor de resíduos os três pilares estipulados para o novo Marco do Saneamento: obrigação de realizar Parcerias Públicos Privadas (PPPs); facultar aos municípios a cobrança nas contas de consumo; e a formação de consórcios de municípios para manter escala de contratação.
Schmitke defende ainda, que a cobrança da Taxa de Limpeza Pública (TLP) hoje feita através do IPTU passe a ser feita na conta de água, o que não faria diferença no bolso do consumidor e daria mais transparência aos gastos das prefeituras. “Não há relação comprovada entre o tamanho do imóvel e o lixo gerado, mas há grande similitude da água consumida para o lixo gerado”, afirma.
De acordo com o MME, o Brasil é o quarto país no mundo que mais produz lixo. São mais de 11 milhões de toneladas por ano, atrás apenas de Estados Unidos (1º lugar), da China (2º) e da Índia (3º). Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), o impacto dos lixões no Brasil acarreta um custo de mais de R$ 3 bilhões por ano para o sistema de saúde.