Em uma clara reação ao que entendeu como tentativa de adiamento do julgamento sobre a criação do instituto do juiz de garantias, o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), questionou publicamente a magistratura, nesta quarta-feira, 24, sobre um privilégio da classe – dois meses de férias anuais.

“Se a Associação dos Magistrados Brasileiros quer adiantar os debates sobre celeridade do processo, em geral, aceite as férias de um mês”, sugeriu Gilmar na sessão plenária da Corte. Incisivo, ele foi direto ao ponto. “Acabem com as férias de dois meses! Isso seria uma contribuição e não esse tipo de falta de sutileza para retardar processo.”

Os dois meses de férias estão previstos na Lei Orgânica da Magistratura (Loman), em vigor desde 1979 (Governo João Figueiredo, último general presidente do regime de exceção). Poucos são os juízes que se propõem a debater e abrir mão dos dois meses de férias.

Gilmar Mendes apontou para a questão, muito cara à toga, antes de iniciar a leitura de seu voto na ação penal em que é réu o ex-presidente Fernando Collor (1990-1992). A declaração do ministro, transmitida pela TV Justiça, ocorreu logo após o intervalo da sessão plenária do Supremo desta quarta.

Nos tribunais estaduais, a grande maioria dos juízes não tira, na prática, os dois meses de descanso. “Vendem” um mês para suas respectivas cortes – sob alegação de excesso de ações acumuladas – e recebem os valores posteriormente, a título de “verbas complementares”. O expediente engorda holerites para muito acima do teto do funcionalismo, mas sob o manto da legalidade.

No início da sessão, Gilmar já havia questionado o pedido de um representante das associações de magistrados – que subscrevem a ação na qual questionam o instituto do juiz de garantias – para que o julgamento tivesse início imediatamente, no plenário virtual da Corte.

O advogado das entidades de juízes argumentou que, assim, as sustentações orais do caso não tomariam grande parte da sessão do STF e que, eventualmente, o caso poderia voltar à sessão presencial da Corte máxima com um pedido de destaque.

Juiz de garantias é um modelo que prevê a escalação de um juiz para acompanhar exclusivamente a fase de um investigação sobre um crime e outro para o julgamento, o que evitaria superconcentração de poderes nas mãos de um único magistrado, como ocorreu na Operação Lava Jato.

Gilmar Mendes é um crítico severo dos métodos adotados pela força-tarefa que desmontou um esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e cartel de empreiteiras na Petrobras, entre 2003 e 2014.

Inicialmente, Gilmar classificou o julgamento sobre a criação do juiz de garantias como a “única forma de organizar fuga para frente decente do Judiciário”. O apelo foi fundamentado com citação direta à Lava Jato, que vive mais um capítulo de crise.

“Quando nós verificamos os episódios de Curitiba (base e origem da Lava Jato), nós sabemos que a ‘República de Curitiba’ tem porões e esqueletaços”, disse o decano. “Tudo o que se sabe é ruim.”

Quando o julgamento foi retomado, após intervalo, Gilmar voltou ao tema, e pediu desculpas pela “veemência” acerca do pedido (das entidades de classe da magistratura) que, em sua avaliação, é “impróprio”.

Nesse trecho da sessão, ele apontou para os artífices da Lava Jato – o ex-juiz Sérgio Moro, hoje senador, condutor da operação em Curitiba, e o juiz afastado das funções Marcelo Bretas, que dirigiu a Lava Jato fluminense.

“Não reputo adequado tentar dilação numa matéria que já foi altamente atrasada”, queixou-se Gilmar. “Se houvesse dúvida em relação a isso, aos escândalos que se multiplicam Brasil afora com esse sistema de Justiça penal, basta citar dois nomes emblemáticos: Moro, em Curitiba, e Bretas, no Rio.”

“Ambos estão afastados, mas isso mostra que esse modelo de Justiça criminal deu errado”, prosseguiu o decano do Supremo.” Eu até torço para que declarem o usucapião do juiz de garantias. O sistema está podre”, avalia.