01/11/2011 - 0:00
Aprovada em maio deste ano, na Câmara dos Deputados e desaprovada pela sociedade civil, ONGs defensoras da preservação ambiental, produtores rurais e empresas do setor do agronegócio com visões sustentáveis, a revisão do Código Florestal Brasil deverá ser finalmente votada no Senado Federal neste mês. Em princípio, a votação deverá ocorrer na segunda quinzena, de acordo com a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente reeleita da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A aprovação, ainda neste ano, decorre da pressão da Presidência da República, que quer tirar o assunto de sua agenda o quanto antes possível. Mas será que agora vai? A diretriz do Planalto é completar a tramitação da matéria no Congresso a tempo da presidente Dilma Rousseff sancioná-lo antes do dia 11 de dezembro. O calendário foi definido pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, pelos relatores no Senado e por entidades do setor, como a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), além de outras lideranças ligadas ao setor rural e representantes de Organizações Não-Governamentais (ONGs). “O objetivo do governo é contemplar uma visão sistêmica entre agricultura e meio ambiente, dando voz e ouvidos a todos os envolvidos e interessados no debate”, diz o senador Jorge Viana (PT-AC), relator da Comissão de Meio Ambiente (CMA).
Antes de ir a plenário, o relatório passou pela aprovação das três comissões do Senado: Meio Ambiente (CMA), Ciência e Tecnologia (CCT) e Agricultura (CRA). Um dos responsáveis pela interlocução entre senadores e deputados é o senador Waldemir Moka (PMDB-MS). Entre as modificações apoiadas por ele está o pagamento por serviços ambientais prestados pelos agricultores. “Em vez de criminalizar os produtores rurais, é preciso estimulá-los a proteger o meio ambiente com a ajuda de incentivos econômicos”, diz Moka. O relatório de Viana sugere que a Presidência da República, num prazo de 180 dias a partir da publicação do novo Código, crie um Programa de Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente, que pode estimular a proteção da mata por meio de crédito agrícola ou dedução da base de cálculo do Imposto de Renda, por exemplo. O documento propõe, ainda, pagamento a quem preservar e recuperar a vegetação e a realização de um inventário nacional das árvores. Ao avaliar as modificações, o senador Viana afirmou que houve avanços em relação ao texto aprovado na Câmara. “As mudanças dão mais segurança jurídica e uma proteção mais clara ao meio ambiente, sem criar confronto com o setor produtivo”, diz Viana.
O presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), também fez uma sugestão para ampliar a proteção das florestas ao propor o uso de recursos da exploração do petróleo da camada do pré-sal. Rollemberg chega a sugerir a concessão de financiamentos agrícolas com juros baixos, para que pequenos produtores e agricultores familiares promovam a recuperação de suas APPs desmatadas. Uma segunda sugestão de Rollemberg é isentar do Imposto Territorial Rural (ITR) os proprietários rurais que não degradaram suas áreas acima do legalmente permitido.
“As mudanças dão mais segurança jurídica e uma proteção mais clara ao meio ambiente”
Senador jorge viana, do PT-AC
De acordo com o texto em discussão, o proprietário rural em situação irregular poderá aderir a programas de regularização ambiental, assumindo o compromisso de recompor áreas desmatadas em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A pedido do governo e do setor elétrico, o relator do projeto do novo Código Rural na Comissão de Agricultura, senador Luiz Henrique da Silveira (PMDBSC), modificou o dispositivo que definia a faixa de vegetação nativa a ser preservada em torno de reservatórios artificiais de água destinados à produção de energia e abastecimento público. “Foi feita uma grande negociação, um grande acordo com o governo, com o setor elétrico, com o Ministério de Minas e Energia”, diz Luiz Henrique.
Tema de interesse abrangente, a discussão em torno do novo Código Florestal envolveu diferentes setores da opinião pública. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), por exemplo, encaminharam no dia 11 de outubro ao Senado um estudo no qual as entidades destacam os pontos que precisam ser revistos na reformulação do Código Florestal. De acordo com o estudo, o Brasil detém vasta extensão territorial para a produção agropecuária: são cerca de 5,5 milhões de km2, com uso potencial para os mais diversos tipos de cultivos e níveis de adoção de tecnologias agrícolas. Entretanto, 76% dessas terras aptas apresentam alguma fragilidade decorrente de limitações no solo – condição que requer planejamento criterioso na ocupação agrícola, com adoção de práticas de manejo conservacionista.
Para Mario Mantovani, diretor de mobilização da Fundação SOS Mata Atlântica, o relatório do senador Luiz Henrique não conseguiu avançar para nenhuma mudança positiva no Código. “Ele acata emendas acessórias, ignora as que repõem a essência da lei, mantém a anistia como regra e é omisso em relação a novos desmatamentos ilegais. É inconstitucional”, diz Mantovani. “Se aprovado, o Código não dispensa só multas, mas isenta o ex-infrator da obrigação de reparar os danos ambientais ocorridos após a Lei de Crimes e Infrações contra o Meio Ambiente.”
Outro tipo de anistia que gera polêmica é a dispensa total de recomposição de reserva legal para quaisquer imóveis com até quatro módulos fiscais em todo o Brasil. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), são mais de 18 milhões de hectares dispensados de reserva legal. O novo relatório ainda reduz, contrariando os discursos, as áreas de proteção ao propor redução da APP para 15 metros em rios com até dez metros de largura. A SBPC afirma que essa medida afeta mais de 50% de toda malha hídrica do Brasil – centenas de milhares de quilômetros de margens de rios. De acordo com o Ministério Público Estadual de São Paulo, a nova redação de topos de morro mantida pelo relatório reduz em mais de 95% as protegidas pela legislação atual, o que implicará novos desmatamentos, além da legalização de desmatamentos antigos em áreas de risco. Outro ponto discutido foi a compensação do déficit de reserva legal no bioma. Ambientalistas e representantes dos agricultores defendem que ela só pode ocorrer no mesmo ecossistema.
Debate enrolado
Em 2008, foi criado um grupo de discussões sobre o Código Florestal com representantes de três ministérios: Agricultura, Meio Ambiente e Desenvolvimento Agrário. Mas, por falta de consenso, o ministro da Agricultura à época, Reinhold Stephanes, dissolveu o grupo, em janeiro de 2009. No mesmo ano, em novembro, Stephanes tentou modificar o Código Florestal por meio de medida provisória, provocando reação em cadeia de entidades defensoras da preservação ambiental. Em 2010, uma comissão da Câmara dos Deputados, presidida pelo deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), apresentou proposta para reformular o código reduzindo a reserva legal de propriedades na Amazônia de 80% para 25%. Em maio deste ano, o relatório do novo Código, apresentado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), foi aprovado por 410 dos 530 deputados, contendo mudanças criticadas pela sociedade civil, por ONGs, por parlamentares da Casa e até por produtores do setor.
O fortalecimento do mercado de compensação florestal no Brasil, com a possibilidade de uma área desmatada ser recomposta em diferentes propriedades, representa uma importante oportunidade de distribuição de renda, na opinião de pesquisadores. Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da (Esalq-USP), defendeu medidas de recuperação ambiental como forma de aumentar a renda dos agricultores. “Boa parte das terras desmatadas poderá ser recomposta pela recuperação natural, processo conhecido como restauração passiva”, diz Rodrigues.
Como se vê, ideias e propostas não faltaram para alimentar o debate e orientar os senadores nesses seis meses entre a votação na Câmara e a no Senado, que deve acontecer no dia 22. O mais provável é que no Senado o governo consiga recuperar-se da derrota imposta pelo relatório do hoje ministro do Esporte, Aldo Rebelo, fazendo aprovar um texto que concilie as exigências da sustentabilidade com a viabilidade econômica do agronegócio brasileiro.