Abrir caminho para vender à União Europeia carne bovina de animais engordados em confinamento, a preços atrativos e com tarifa zero está nos planos para 2016 dos exportadores brasileiros. Liderado pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), o setor começa a se mexer para que os europeus concedam ao País o direito de comercializar seus produtos por meio da Cota High Quality Beef (Cota de Carne de Alta Qualidade, em tradução livre), também chamada de Cota 481. Com a aprovação europeia, o País pode acessar um dos mercados que mais remuneram por qualidade. “O preço da carne na Cota 481 pode ser mais alto que o da Cota Hilton”, diz Fernando Sampaio, diretor-executivo da Abiec. Sampaio se refere à única cota de produtos premium para a Europa, da qual o Brasil atualmente tem acesso. Na Hilton, uma tonelada de carne pode custar US$ 10,2 mil e na Cota 481, dizem especialistas, o preço pode ser 5% superior. Para se ter uma ideia do que isso representa, em 2015 o Brasil exportou 44,7 mil toneladas de carne in natura para a Europa e o preço médio por tonelada foi de US$ 7,3 mil.  Ou seja, é vital para os produtores brasileiros acessar esse mercado de alta qualidade. Entretanto, é necessário cumprir alguns requisitos. Ao contrário da Hilton, que permite apenas gado totalmente criado no pasto e rastreado, a 481 aceita só gado confinado. “Por isso, para vender por meio da 481, retomamos o contato com a equipe da ministra da Agricultura, Kátia Abreu”, diz Sampaio. “Esperamos encontrar alguém no Ministério da Agricultura (Mapa) que abrace a nossa causa.” 


“Esperamos encontrar alguém no mapa que abrace a nossa causa” Fernando Sampaio, diretor-executivo da Abiec

A entidade tem pressa nas tratativas com o governo. Em junho, uma missão de técnicos europeus deverá estar no Brasil para inspecionar o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Bovinos e Bubalinos (Sisbov) e a Abiec quer incluir a Cota 481 na pauta do grupo. E pediu a ajuda de aliados. Em dezembro, o presidente da entidade, Antônio Camardelli, apresentou um documento aos presidentes de duas importantes entidades do setor, no qual estão as diretrizes para que o Brasil acesse a cota. São eles: Luiz Cláudio Paranhos, da Câmara Setorial de Pecuária de Corte do Mapa, e também presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), e Antonio Pitangui de Salvo, presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Corte da CNA. A intenção é que eles ajudem a convencer os técnicos do Mapa a aprovarem o documento e a apresentá-lo à União Europeia. “Estamos aguardando a aprovação do Mapa porque entendemos que a Cota 481 beneficiará toda cadeia da carne bovina”,  afirma Salvo.


Potencial: de acordo com a Assocon, o País vai confinar 3,7 milhões de animais em 2016 e já poderia garantir uma parte da cota europeia

A missão não é fácil. A Abiec já submeteu duas propostas ao Mapa para serem encaminhadas aos europeus. A primeira, em 2012, foi rejeitada pela União Europeia, que pediu mais garantias de que as exigências do bloco econômico seriam atendidas. O texto sofreu alterações e foi reapresentado em novembro de 2013. Desde então, frigoríficos e confinadores esperam por um desdobramento. Em nota à DINHEIRO RURAL, a Secretaria de Relações Internacionais do Mapa afirma que o texto da Abiec ficou estacionado porque nos últimos anos a prioridade tem sido o fortalecimento da Cota Hilton. Depois de anos de negociação, em 2010 o País ampliou o volume dessa cota de cinco mil toneladas para dez mil toneladas. Porém, não alcançou a quantidade estipulada nos anos seguintes, o que deve ocorrer em 2016. O ano-cota 2014/2015, encerrado em julho, foi o de melhor desempenho após a mudança e os frigoríficos embarcaram oito mil toneladas. “Mas, a 481 é uma oportunidade que o Brasil não pode continuar perdendo”, afirma Sam-paio. “Podemos vender muito mais car-ne premium do que apenas a Hilton.”

QUALIDADE A Cota 481 foi criada em 2009 como uma compensação aos Estados Unidos. O país venceu um painel contencioso na Organização Mundial do Comércio (OMC), no qual a União Europeia questionava a presença de hormônios na engorda de bovinos, promotores de crescimento que garantem maior peso de carcaça. Com a derrota, os europeus foram obrigados a criar uma cota de carne premium de 48,2 mil toneladas anuais para os Estados Unidos, país que no ano passado produziu 11,3 milhões de toneladas, praticamente toda de animais confinados. Porém,  de acordo com a OMC, não sendo totalmente cumprida pelos americanos, a cota de qualidade pode ser aberta a terceiros.  Nos últimos anos, a 481 tem sido acessada por países como Argentina, Austrália, Canadá e Uruguai. Os uruguaios, por exemplo, venderam no último ano 11 mil toneladas. 

Para entrar nesse clube, o Brasil tem pontos negativos em relação à gestão da cadeia produtiva, mas que estão sendo sanados e são abordados no documento da Abiec. O principal deles é a inexistência de um sistema de classificação nacional e obrigatória das carcaças bovinas, um tema discutido há décadas no setor, embora os grandes grupos frigoríficos exportadores já trabalhem com o conceito, entre eles JBS, Marfrig e Minerva. Na classificação, as carcaças bovinas são agrupadas com base em variáveis, como peso, sexo, maturidade e conformação. Há vários sistemas de classificação vigentes no mundo. A proposta da Abiec é utilizar o padrão uruguaio como referência, por ser um dos mais simples e próximos do que os frigoríficos brasileiros já praticam.  “Com certeza, é possível implantar na nossa indústria o que faz o país vizinho”,diz Sampaio.


Embarques: das 1,4 milhão de toneladas exportadas no ano passado, menos de dez mil toneladas chegaram à Europa como carne premium

O Brasil também precisa de acertos em seu sistema de rastreamento bovino, o Sisbov, para aumentar o número de fazendas aptas a abater animais para a Europa. Atualmente, 1,6 mil fazendas integram o Sisbov, de um universo estimado em mais de um milhão de propriedades rurais que se dedicam à pecuária de corte. O Sisbov atrai poucos pecuaristas porque hoje eles são obrigados a rastrear todos os animais, independentemente se serão abatidos para a Europa ou para o outro mercado. Em um novo modelo de gestão, chamado de  Protocolo Europa, apenas o gado destinado aos países do bloco econômico seriam
rastreados. Para o pecuarista Alberto Pessina, vice-presidente da Associação Nacional de Confinadores (Assocon) e confinador no interior paulista há duas décadas, a simplificação das regras ajudaria a melhorar a gestão das propriedades. “Acessar essa cota seria um passo importante para atendermos mercados de nicho no mundo”, afirma Pessina.

Outra mudança, já em andamento, é tornar os processos oficiais de registro de dados de um animal mais ágeis e menos burocráticos. Desenvolvida em uma parceria do Mapa com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a Plataforma de Gestão Agropecuária (PGA), iniciou nos últimos anos unificação de dados sanitários e de trânsito dos animais. Agora, os registros do Sisbov devem também integrar a PGA. Além disso, por meio de uma senha, o pecuarista se torna o responsável direto pelo cadastro dos dados de sua fazenda no sistema. Atualmente, é necessário uma certificadora independente para oficializar as informações no Sisbov.

De acordo com Bruno Andrade, diretor executivo da Associação Nacional de Confinadores (Assocon), a expectativa em relação à Cota 481 é grande porque, do ponto de vista do sistema de produção, o Brasil pode atender o mercado europeu com certa facilidade. “As principais exigências são totalmente viáveis para os padrões do nosso gado confinado”, afirma Andrade. A idade de abate dos animais e a dieta são os pontos a favor do Brasil. Para que sejam aceitos na Cota 481, os europeus exigem que os bovinos sejam abatidos com até 30 meses de idade. A média no País é de 27 meses. Em relação à alimentação, a Cota exige na dieta bovina mínimo de 62% de concentrado à base de grãos, como milho, sorgo e soja por 100 dias. No Brasil, a média é de 60%. A estimativa para este ano é de 3,7 milhões de animais engordados em sistema intensivo. Além disso, conta a favor do Brasil a proibição do uso de hormônios na pecuária desde 1991, uma decisão alinhada com a Europa, que proíbe substâncias promotores de crescimento desde 1988.