O Brasil sempre foi aberto a novas tecnologias, considerado por muitos um early adopter. Bom exemplo disso é o número de celulares em operação no País, cerca de 261 milhões para uma população de 212,6 milhões. E no campo essa realidade não é diferente. Cerca de 71% dos produtores rurais brasileiros já aderiram às compras em ambientes virtuais, ficando à frente inclusive de europeus e até dos norte-americanos, como mostra um estudo feito pela McKinsey. Em seu relatório “A Cabeça do Agricultor na Era Digital (2020-2022)”, a consultoria detectou que a preferência dos agricultores locais pelos canais digitais saltou 10 pontos percentuais, passando de 36% registrados em 2020 para 46% em 2021. Com o controle da pandemia, o percentual recuou para 41% em 2022, mas ainda assim permaneceu em um patamar bem acima dos demais.

ALGODÃO E SOJA De acordo com estudo da McKinsey, cotonicultores e sojicultores foram os quem mais aderiram às compras on-line a despeito de desafios logísticos e de conectividade. A próxima fronteira deve ser no segmento de hortifruti (Crédito:Divulgação)

De 2020 para 2021, os Estados Unidos e a Europa registraram aumento de sete pontos percentuais nas compras on-line. A preferência dos produtores norte-americanos pelos canais virtuais chegou a 31% enquanto na Europa esse índice é de 22%. A opção pelas lojas digitais inclui desde insumos agrícolas e peças de reposição até maquinário em geral, de acordo com o levantamento. O WhatsApp é de longe o aplicativo mais utilizado no Brasil para se fazer negociação e fechar as compras, seguido pelos marketplaces agrícolas, que, apesar dessa alta adesão, ainda engatinham nesse setor e permanecem como grande aposta.

 

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Segundo o sócio da McKinsey, Mikael Djanian, a expansão digital no Brasil foi muito rápida, turbinada pela pandemia, e às grandes distâncias e à falta de infraestrutura em muitas regiões do País. “O digital veio para complementar as interações entre o agricultor e o comércio. E essa onda deve crescer ainda mais nos próximos dois anos”, afirmou. Para Djanian, a pesquisa só confirmou que o produtor brasileiro não tem resistência na adoção de novas tecnologias.

Dentre os segmentos que aderiram mais às compras on-line estão algodão e soja. “Mas já vemos também produtores de frutas e hortaliças, que mesmo sendo de menor porte são grandes entusiastas da tecnologia”, disse a gerente de projetos da McKinsey, Ana Luiza Mokodsi. Segundo ela, a pesquisa indica ainda um amadurecimento dos produtores, que estão mais atentos às novas práticas sustentáveis e às novidades proporcionadas pelo ambiente digital. “Há um aumento do interesse pelo e-commerce. Mas não é um jogo fechado, ainda há muitas possibilidades nessa corrida para se criar uma espécie de Amazon do Agro”, disse Mokodsi.

O levantamento foi feito entre abril e maio e concluído em julho de 2022, em dez países diferentes. Foram mais de 6 mil entrevistados. A diferença em relação à última edição, feita há três anos, foi a comparação, pela primeira vez, das realidades entre as várias geografias. O objetivo é dar uma visão mais ampla da evolução do setor agrícola pelo mundo. No Brasil, o estudo mostrou ainda que no quesito pagamentos o Pix já é usado por 30% dos agricultores. “A previsão é que a preferência dos meios virtuais no Brasil permaneça nos 41% em 2022, enquanto nos Estados Unidos pode chegar a 35% e na Europa, a 30%”, disse Mikael Djanian.

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POTENCIAL De olho nas oportunidades para o mercado digital no campo, a MF Rural foi além do marketplace, criando um ecossistema eletrônico. Em 18 anos de existência, a pioneira nas compras digitais acumula experiência e reconhecimento do mercado. Os cerca de R$ 3,1 bilhões em negócios registrados em 2020 saltaram para R$ 5,1 bilhões no ano passado. E até setembro deste ano já chegava a R$ 4,6 bilhões, superando todas as expectativas, segundo o CEO do grupo MF Rural, Roberto Fabrizzi Lucas.

Criada por uma família de veterinários, a plataforma inicialmente visava intermediar a compra e venda de mercadorias, como um grande classificado on-line. Nos anúncios apareciam desde sementes até fazendas inteiras. Os negócios se multiplicaram ao longo dos anos e, atualmente, a MF Rural oferece um pacote variado de serviços virtuais. Entre eles o sistema de pagamento MF Pago, a plataforma de leilão de gado MF Leilões, a fintech de crédito MF Bank e a empresa de logística MF Move. A mais recente empreitada é o MF Ensina, uma divisão de cursos de ensino à distância (EAD) voltados ao agronegócio, bem como uma plataforma de entretenimento com filmes e podcasts. “A expectativa era de que os negócios recuassem com o final da pandemia, mas não é isso que está acontecendo. Estamos avançando, com 2,5 milhões de pessoas cadastradas no sistema”, afirma Lucas.

O maior interesse do produtor rural pelas tecnologias também se tornou uma oportunidade para a Grão Direto, uma das maiores plataformas de comercialização digital de grãos da América Latina. “O produtor já usa muita tecnologia da porteira para dentro e agora está usando da porteira para fora”, disse o CEO da empresa, Alexandre Borges Silva. Criada em 2017, a companhia cresceu mais de 20 vezes. “Nos últimos 12 meses, já comercializamos mais de 1 milhão de toneladas. Há um espaço imenso na digitalização de processos de vendas e marketplaces”, disse o co-fundador da empresa, que comemora os mais de 260 mil downloads do seu aplicativo. Para Silva, a única restrição no Brasil é a conectividade em áreas rurais. “Mas o 5G pode melhorar isso e, no nosso caso, só precisamos que o produtor tenha um celular. E 100% deles têm.”

“Estamos criando um ecossistema eletrônico para oferecer compras e também serviços ao produtor ” Roberto F. Lucas, CEO da MF Rural Superbac (Crédito:Divulgação)

Outra empresa que lançou aplicativo para celular foi a Agrogalaxy, que em 2020, com a pandemia da Covid-19, passou a se aproximar do produtor também pelo WhatsApp. Esse atendimento foi um passo importante para ir além do simples contato telefônico. Depois disso, a varejista inseriu um robô (ou bot, na linguagem técnica) para acelerar e incluir inteligência na compra. Com a assistente virtual, as vendas melhoraram muito, segundo a diretora de Transformação Digital da companhia, Maria Pilar Varela Sepúlveda. Com 6,3 mil usuários da ferramenta, a empresa fechou 2021 com resultados recordes: receita líquida de R$ 6,6 bilhões, 59% acima do ano anterior, com lucro líquido 42% maior, somando R$ 151 milhões. “Queremos ir além da simples venda on-line, com foco no trabalho consultivo, unindo o presencial ao digital, chegando à omnicanalidade”, afirmou.