03/04/2025 - 12:00
Anna Bhobho, uma dona de casa de 31 anos da zona rural do Zimbábue, já foi uma observadora silenciosa dentro de casa, excluída das decisões financeiras e familiares em uma sociedade profundamente patriarcal. Hoje, ela é uma agente de mudança em seu vilarejo, graças a um triciclo elétrico que agora possui.
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Em muitas áreas rurais da África Subsaariana, as mulheres passaram muito tempo excluídas das principais atividades econômicas, como a operação do transporte público. No entanto, veículos de três rodas movidos a energias limpas estão revertendo essa tendência, oferecendo oportunidades financeiras e um novo sentimento de importância.
“Meu marido agora conta comigo para cuidar de grande parte das despesas, como comprar móveis e outros bens”, disse Bhobho, no mercado onde entrega produtos agrícolas para os fazendeiros do distrito de Wedza, a cerca de 150 quilômetros de Harare.
Chamados de “Hamba”, que significa “Vai” em Ndebele, os triciclos são movidos a baterias de íons de lítio carregadas por energia solar. Uma startup local, chamada Mobilidade para a África, iniciou o projeto em 2019 alugando os veículos para grupos de mulheres a 15 dólares (85 reais) mensais. Atualmente, mulheres como Bhobho podem ser proprietárias deles individualmente, por meio de um programa de locação com opção de compra.
Independência
“Eu dependia do meu marido para tudo, até o dinheiro para comprar pão”, ela conta.
Bhobho agora é proprietária de terras, abriu uma pequena mercearia, está pagando as prestações de um carro, e transferiu seus filhos de uma escola pública rural com poucos recursos para uma instituição particular mais bem equipada. Ela ganha em torno de 300 dólares por mês (1.715 reais), o que é comparável a funcionários públicos, como professores do ensino básico.
Além dos ganhos materiais, ela ganhou autoestima. “Até meu marido e meus sogros têm mais respeito por mim agora. Ninguém me escutava, mas agora eu participo quando é hora de tomar decisões importantes”, disse a mãe de três filhos.
Segundo Carlin Thandi Ngandu, a coordenadora de engajamento comunitário da Mobilidade para a África, 300 mulheres em todo o Zimbábue fazem parte do programa, com o objetivo de garantir que 70% dos beneficiários sejam mulheres.
Em Wedza, apenas mulheres possuem e operam os triciclos. Elas recebem treinamento em técnicas seguras de direção, e a troca de uma bateria de lítio por outra totalmente recarregada após 100 quilômetros custa 1 dólar (6 reais).
As motocicletas são um transporte público comum na África Subsaariana, e alguns agora estão aderindo aos veículos elétricos para reduzir os custos de combustível. O programa ambiental da ONU está introduzindo veículos elétricos de duas e três rodas em nove países, principalmente na África Oriental. Na Nigéria, uma empresa de energia verde e o Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido estão fornecendo 120 triciclos elétricos para mulheres, promovendo a sustentabilidade e o empoderamento econômico.
Diferentes usos para os triciclos
No Zimbábue, a vida de muitas mulheres mudou drasticamente, mesmo entre aquelas que não possuem triciclos, mas os utilizam para tarefas diárias. Ficou para trás o tempo de carregar madeira, baldes de água ou produtos agrícolas pesados por longas distâncias.
Os triciclos, capazes de percorrer trilhas estreitas inacessíveis para os carros, chegam a propriedades rurais e hortas remotas. Seu preço baixo os torna acessíveis aos moradores locais.
Hilda Takadini, produtora de tomates, diz que seus negócios progrediram desde que ela começou a usar os serviços de transporte de Bhobho. Até então, ela precisava sair de casa às 3 da madrugada e usar um carro de boi para percorrer os 18 quilômetros até o mercado. Muitas vezes, ela chegava atrasada, ou nem chegava, e seus tomates apodreciam.
“Consigo preços melhores agora, porque chego ao mercado na hora certa, com os tomates ainda frescos. Até as crianças agora sabem que podem contar comigo para pagar a escola”, diz a mulher de 34 anos, mãe de seis filhos.
Além dos negócios, os triciclos estão revolucionando o acesso à saúde, principalmente para mulheres e crianças. Josephine Nyevhe, agente de saúde comunitária voluntária, usa seu triciclo para levar serviços médicos até as famílias rurais.
Em uma tarde recente, um grupo de mães e crianças esperava na beira da estrada. Nyevhe chegou em seu triciclo, pendurou uma balança em um galho de árvore, e começou a medir o crescimento das crianças. Ela anotou os detalhes em seu caderno, deu orientação nutricional e encaminhou os casos graves para a clínica local.
Muitas vezes, seu triciclo já serviu como ambulância nos vilarejos.
“Estou de sobreaviso 24 horas por dia. Recebo ligações em horários estranhos e preciso levar as pessoas às pressas para o hospital. Às vezes é uma mulher grávida, que, sem isso, teria dado à luz em casa, sem condições de segurança”, diz Nyevhe, vestindo seu uniforme marrom.
Desafios
No shopping center de Wedza, uma dezena de mulheres aguarda em fila com seus triciclos, que conseguem transportar cargas de até 450kg e chegam a 60 km/h, aguardando os clientes. Elas transportam passageiros, pacientes a caminho dos hospitais, e pessoas carregando lenha, compras de supermercado ou materiais de construção, como tijolos.
As mulheres, no entanto, ainda precisam lidar com desafios: o terreno acidentado, agravado pelas chuvas recentes, e vários homens que resistem a aceitar a liderança feminina em espaços tradicionalmente dominados pelos homens, segundo Bhobho.