Por João Aleixo

O mundo viveu mudanças profundas a partir de meados de março de 2020 devido à pandemia (Covid-19). Naquele momento muitas atividades simplesmente paralisaram por tempo indeterminado, negócios tiveram que mudar sua direção, algumas demandas reprimidas, enfim o mundo virou de cabeça para baixo. O campo não parou, afinal mesmo trancados em casa o consumo de alimentos não diminuiu. Deste modo, o agronegócio se adaptou e só avançou. Nas safras seguintes (2020/21 e 2021/22) bateu recordes de produção e produtividade atingindo cifras e valorização até então jamais imagináveis.

No início de 2022, a invasão da Ucrânia pela Rússia passou a afetar a produção agrícola mundial, e no Brasil não foi diferente. Isso porque os brasileiros são os maiores importadores de fertilizantes no mundo. Mais de 85% desses insumos usados na agricultura brasileira vêm do exterior, de acordo com balanço da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda). A maior parte, da Rússia, que é o maior exportador mundial de NPK — fertilizantes nitrogenados (N), fosfatados (P) e os de potássio (K). Para ter uma ideia, em 2021, o Brasil importou 41,6 milhões de toneladas de adubos ou fertilizantes químicos, um investimento de US$ 15,1 bilhões. Desse total, 23,3% vieram da Rússia, pelos dados do Comex Stat. Isso corresponde a mais de 9 milhões de toneladas do insumo.

Outro ponto importante que afetou o bolso do produtor foi a crise energética na China e o aumento dos fretes marítimos devido a demandas altas após a pandemia e consequentemente falta de contêineres e de embarcações para transporte. Com a elevação dos custos de produção, a balança comercial brasileira entrou em desequilíbrio e o ano passado marcou essa nova mudança de cenário, que muitos chamaram de volta à realidade. O grande problema é que muitos players na cadeia tomaram a alta dos preços como realidade devido aos resultados dos dois anos anteriores — e 2023 foi um choque para muitos.

A indústria de químicos, por exemplo, passou um ano muito duro, provavelmente o período mais difícil da última década. Quando passamos a viver um momento em que os preços altos e as margens absolutas se tornam interessante, há a tendência de fecharmos os olhos para a realidade, fazendo incrementos em estrutura que nem sempre são sustentáveis. A indústria estava surfando em uma rentabilidade decorrente de fatores externos pontuais e não sistêmicos. Mas há um momento em que a realidade chega, e de fato ela veio.

Iniciamos 2024 com expectativa de redução da safra, pois variações climáticas afetaram negativamente as lavouras nas principais regiões produtoras, como no Centro-Oeste, Sudeste e na área conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), principalmente as de soja e milho. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na temporada atual, os produtores rurais devem colher em torno de 299,8 milhões de toneladas de grãos, 6% inferior ao volume colhido no período anterior.

Com essa nova realidade estamos passando por uma fase de depressão do mercado, algo que tende a se reacomodar a médio prazo e este ano será de ajuste. Se analisarmos o mercado no último ano, a queda de preço da soja oscilou entre 20% e 25%, o que é uma consequência dos níveis de estoque global. Apesar da uma leve diminuição da safra brasileira, o estoque mundial tem superávit quase 15 milhões de toneladas, valor superior aos dois últimos anos devido ao aumento de área plantada dos EUA e da produção maior na Argentina, que volta ao nível normal após uma de suas piores secas em 2023. Este ano estamos falando no preço da soja a R$ 100, ou seja, até 25% a menos de capital no bolso do produtor que gira toda essa engrenagem.

Um fato podemos afirmar: vai faltar dinheiro no campo. Em uma estimativa conservadora, cerca de US$ 4 bilhões, que precisam ser financiados de alguma maneira. A indústria, que é um importante financiador do agro brasileiro, teve um ano muito ruim em 2023 e ter a responsabilidade de cobrir a falta de capital no campo será um desafio. Somando o aumento de recuperações judiciais de produtores, esse subsídio estará ainda mais direcionado para grupos financeiramente saudáveis.

Novas oportunidades

Posto todo esse cenário, temos que analisar também que até mesmo momentos de baixa geram oportunidade. Acredito que este ano as traders e as cooperativas bem estruturadas vão jogar bem e sairão vencedoras. Além de serem um braço importante de financiamento do agro, elas têm uma oportunidade de alianças mais estratégicas com a indústria de insumos, incrementando assim a margem operacional de uma operação de commodities.

Também penso que é o momento para o produtor e a indústria olharem para o mercado de capitais. Hoje, nesse mercado, apenas em torno de 3% corresponder a operações estruturadas do agro, portanto, o potencial é grande. Quem for nessa direção pode encontrar capital com custo mais interessante, mas principalmente uma estrutura visando ao longo prazo e não somente a safra. Naturalmente que os números de recuperações judiciais, que devem aumentar em 2024, fazem com que o investidor do mercado de capital fique mais longe do agro.

*João Aleixo é CEO Global da DVA Agro