Por vários motivos, o novo Código Florestal brasileiro está emperrado no Congresso Nacional. O principal deles é a definição de quantos metros de área verde são necessários para preservar as margens de rios e de suas nascentes, as chamadas áreas de preservação permanente (APPs). “Mas o que se discute hoje não é mais se a lei é necessária e sim a medida das APPs para atender os desafios ambientais do País”, diz a senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agropecuária (CNA). A lei que criou a obrigatoriedade das APPs é de 1965. Por isso, mesmo sem que se tenha arrumado totalmente a casa, a CNA está propondo um conceito de APP global e que os demais países adotem a mesma política do Brasil. “Essa discussão ainda não existe no mundo.”

O assunto foi apresentado pela primeira vez em março, em Marselha, na França, durante o 6º Fórum Mundial da Água. O fórum é promovido pelo Conselho Mundial da Água, uma entidade internacional não governamental criada em 1996,  na qual participam representantes de diversos setores. A CNA é a única entidade representante de agropecuaristas, no mundo, participante do conselho. O fórum acontece a cada três anos e o Brasil é candidato a sediá-lo, em 2018.

Na Rio+20, no mês passado, o tema APP global voltou à tona, novamente proposto pela CNA. “Não é fácil colocar esse assunto em discussão, mas conseguimos”, diz Kátia Abreu. “A ideia é discutir as APPs com base no que a ciência diz sobre preservação de recursos hídricos.”

 

MODELO: Kátia Abreu, da CNA, propôs a adoção de um conceito de APP global

 

Segundo um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), denominado Framing the Water Reform Challenge, nas próximas quatro décadas o consumo de água no mundo aumentará 55%. Até lá, mais de 40% da população mundial estará vivendo em áreas ribeirinhas, porém sujeitas à falta de água. Em uma reunião realizada durante a Rio+20, no dia 19 de junho, estavam presentes Vicente Abreu, presidente da Agência Nacional das Águas (ANA), a agência reguladora do governo federal, e Pedro Arraes, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Para Arraes, cada país pode encontrar um modelo mais adequado de preservar as APPs. “Não vejo como ter um modelo único de gestão, mas o intercâmbio de tecnologias para gerir a água do mundo é bem vindo.” Nesse ponto, o Brasil sai na frente. Os rios brasileiros escoam 179 mil metros cúbicos, por segundo, do total da água disponível no planeta, o equivalente a 12% da reserva hídrica total.

Também participaram da reunião o professor Mark Mulligan, da King’s College London, em Londres, a pesquisadora Jéssica Casaza, do escritório da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) para América Latina e Caribe, e Donald Sawyer, do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Harvard. Mulligan acredita que a proposta do Brasil é viável e que o mundo necessita desse tipo de debate. Jéssica Casaza falou sobre o avanço, na FAO, das discussões sobre a preservação da vegetação próxima aos cursos d’água. “Temos certeza de que é possível trabalhar parcerias entre as nações”, afirmou. Sawyer, da Harvard, foi mais cético. Ele acredita que a proposta de uma APP global até pode se concretizar, mas precisa de ajustes. “Nisso eu também concordo”, diz Kátia Abreu. Segundo a senadora, o importante nesse início de discussões sobre APPs é reunir um grupo que seja representativo e que discuta a realidade dos vários países. “Ainda não conseguimos confirmar a informação, mas há notícias de que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda) está preparando um documento sobre APPs para ser incluído no próximo Plano de Política Agrícola do país”, diz a presidente da CNA. “Se até o governo americano fala em APP é sinal de que estamos certos em nossa proposta.”