01/02/2012 - 0:00
O presidente do Ibama, Curt Trennepohl, diz que a agropecuária pode
se expandir até 20% no Norte do País, dentro dos limites legais de desmatamento
O gaúcho Curt Trennepohl está completando um ano na presidência do Instituto Brasi lei ro de Meio Ambiente (Ibama), órgão responsável por fiscalizar o desmatamento no País. Ele foi colocado no cargo a pedido da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, por ser um expert na área jurídica e não apenas um especialista em assuntos técnicos ambientais.
Trennepohl, no Ibama desde 1990, acredita que a competitividade das commodities agrícolas deve se basear no uso de técnicas que preservem o meio ambiente. “Hoje, ainda é possível ocupar mais 3% da Amazônia com atividades agropecuárias”, afirmou em entrevista à DINHEIRO RURAL . Mas Trennepohl diz que esse uso deve ser dentro dos limites legais.
DINHEIRO RURAL – Muito de como o Brasil percebe a proteção e conservação ambiental atualmente foi consolidado pelo Ibama. Ao mesmo tempo, ele é odiado por produtores que o acusam de multar e depois perguntar o que foi feito. É verdade isso?
CURT TRENNEPOHL – O Brasil é reconhecido internacionalmente por ter uma das legislações ambientais mais modernas do mundo. Nossa lei é respeitada porque busca a preservação, o equilíbrio ambiental e a sustentabilidade. O Ibama é o instrumento do governo para cumprir essa legislação. É evidente que ocorrem conflitos de interesse, pelo fato de termos a obrigação institucional de fiscalizar e manter essa legislação. Enquanto o produtor rural tem a intenção de expandir sua área agrícola, aumentar sua produção, nossa tarefa é manter as salvaguardas legais que permitem o equilíbrio ambiental.
O presidente do Ibama, Curt Trennepohl, diz que a agropecuária pode
se expandir até 20% no Norte do País, dentro dos limites legais de desmatamento
“O Ibama não tem a visão
de que o agronegócio
é uma atividade ilegal”
DINHEIRO RURAL – A expansão de quais culturas agrícolas preocupa mais o Ibama?
TRENNEPOHL – Em Mato Grosso é a soja. No sul do Amazonas, região de Lábrea e Boca do Acre, e ao longo da BR-163, no sul do Pará, é a pecuária. Atualmente, essas são as maiores frentes de desmatamento. Também há desmatamento no oeste da Bahia, por causa do algodão e da soja – mas não tão acentuado -, e no sul do Piauí, que está começando a produzir soja. Somente em 12% das áreas onde houve desmatamento eles foram autorizados pelos órgãos estaduais. Desses 12%, três quartos são destinados à soja. Mas hoje o setor produtivo já tem uma preocupação: por se tratar de commodity, quanto mais se agregar valor verde à soja, mais ela será valorizada. Veja o setor sucroalcooleiro, que há alguns anos era apresentado como um grande vilão pela mídia. Hoje, quase todas as usinas têm o ISO 4000 ou o selo Amigo da Criança, da Abrinq, porque existe uma competição internacional. Agregar valor verde ao negócio é extremamente importante para o Brasil aumentar o comércio com outros países.
DINHEIRO RURAL – Os produtores também reclamam do Ibama e da Polícia Federal, dizendo que quem faz tudo certo fica envergonhado por causa das ações espalhafatosas desses dois órgãos.
TRENNEPOHL – Eu separaria o agronegócio hoje entre aqueles que têm consciência e respeitam as regras ambientais e aqueles que estão na contramão. Vamos deixar claro: a grande maioria do agronegócio é séria. O Ibama não tem a visão de que o agronegócio é uma atividade ilegal. Pelo contrário, aqueles com autorização para desmatar não têm nenhum problema com a gente. O indivíduo que o Ibama combate é aquele que o empresário sério também não quer por perto. Além de afrontar a legislação ambiental, quem age à margem da lei está diminuindo o valor ambiental agregado de quem trabalha dentro da lei.
O presidente do Ibama, Curt Trennepohl, diz que a agropecuária pode
se expandir até 20% no Norte do País, dentro dos limites legais de desmatamento
DINHEIRO RURAL – Todos os produtores que desmatam sem autorização agem de má-fé?
TRENNEPOHL – Nem todos. Muitas vezes a alegação é a demora do órgão estadual para liberar a área. E muitas vezes é um descaso mesmo, o cara está se lixando. Mas, de fato, os órgãos estaduais precisam ser mais bem estruturados e nós defendemos isso na Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente. Alguns Estados não conseguem criar uma estrutura que atenda ao crescimento do agronegócio.
DINHEIRO RURAL – Mas com secretarias mais reforçadas, as autuações não aumentariam nas propriedades rurais?
TRENNEPOHL – Não. Elas diminuiriam muito, porque no momento em que o Estado começar a examinar mais os pedidos de desmatamento muita gente que desmata de forma irregular viria para a legalidade. Muitos produtores procuram pelas licenças e não conseguem em tempo hábil. Então, como precisam cumprir um ciclo de safra, desmatam sem autorização. Aí, o Ibama vai e autua. Mas, à medida que os Estados equiparem suas secretarias, tenho certeza de que os índices de autuações vão cair pela metade.
DINHEIRO RURAL – Onde há necessidade mais urgente desses investimentos?
TRENNEPOHL – Na Amazônia, que é hoje o grande foco da preocupação mundial. Vou dar um exemplo: cerca de 17% da Amazônia estão desmatados. Como temos que preservar 80%, por lei, ainda contamos com 3% de área legal para ser convertida à atividade agropecuária. Se essa proporção de 80% fosse respeitada em todos os municípios, a capacidade produtiva aumentaria em milhões de hectares, mas alguns municípios têm muito abaixo de 17% de área desmatada e outros têm bem acima. Ou seja, é possível expandir a atividade agropecuária sem a necessidade de extrapolar os limites legais.
DINHEIRO RURAL – Essa futura expansão do agronegócio exigirá mais fiscais para o Ibama?
TRENNEPOHL – Não temos necessidade de contratar mais fiscais de campo. Precisamos de capacitação. Hoje temos 1,2 mil funcionários em todo o País. O ideal seria que tivéssemos um fiscal em cada município, mas é inviável. Alguns municípios se dizem sufocados pelo Ibama, mas vamos somente onde existe desmatamento. Não deslocamos caminhonete, helicóptero e funcionário para procurar desmatamento. O Ibama não persegue ninguém. Se um município não quer o Ibama, é só parar de desmatar.
DINHEIRO RURAL – Como o Ibama pretende colocar em prática o Cadastro Ambiental Rural (CAR), previsto no novo Código Florestal?
TRENNEPOHL – Hoje não temos registro específico para as propriedades rurais no Brasil. A meta do CAR é cadastrar os seis milhões de propriedades rurais do País em três anos, mas para isso o Código Florestal precisa ser aprovado. Com o CAR, nosso objetivo é recuperar cerca de 20 milhões de hectares de áreas desmatadas. No momento em que o produtor se cadastrar, terá que se comprometer recuperar a área desmatada ilegalmente. Muitos acham que o CAR será um espião, mas, na verdade, ele vai trazer mais gente para a legalidade.
O presidente do Ibama, Curt Trennepohl, diz que a agropecuária pode
se expandir até 20% no Norte do País, dentro dos limites legais de desmatamento
“Não perseguimos ninguém.
Se um município não quer o
Ibama, é só não desmatar”
DINHEIRO RURAL – Quer dizer que o novo Código Florestal anistiará os desmatadores?
TRENNEPOHL – Quem desmatou até 2008 e foi autuado, no momento em que se compromete a reparar os danos ao meio ambiente, automaticamente terá a multa suspensa. Isso não é anistia, não é perdão.
DINHEIRO RURAL – Há alguma ação para melhorar o atendimento de quem precisa de licença ambiental?
TRENNEPOHL – No licenciamento o Ibama precisa de gente, desesperadamente. Contamos apenas com 398 pessoas concentradas basicamente em Brasília. Mas já existe uma proposta de concurso público tramitando no Congresso Nacional e minha previsão é ter mais 400 novos servidores até o final do ano. Em 2011, emitimos 540 licenças ambientais, volume 30% maior que em 2010. Com o dobro de técnicos, queremos também dobrar o número de licenças.
DINHEIRO RURAL – Como aliar políticas que conciliem agronegócio e preservação ambiental?
TRENNEPOHL – Precisamos aumentar a produtividade. Hoje não é economicamente interessante colocar um boi por hectare, por exemplo, porque dessa maneira a pecuária não tem viabilidade econômica. Nosso relacionamento com o Ministério da Agricultura não é de guerra, pelo contrário. Em reuniões constantes estudamos como aumentar a produção de alimentos sem ampliar a área agricultável. Temos o compromisso de não permitir que o lucro se sobreponha ao direito coletivo e que o fundamentalismo ambiental não impeça o crescimento do agronegócio.