01/03/2012 - 0:00
FAMÍLIA SEBASTIANI: Luiz Fernando (à esq.), Renato (ao centro) e José Ovídio abatem bovinos, suínos, búfalos e ovinos e preparam a carne de forma quase artesanal
Vista de cima, a geografia é um espetáculo. As terras relativamente altas e de relevo acidentado, o céu azul e os bons ventos fizeram do município de Boituva, a 120 quilômetros de São Paulo, o maior centro de paraquedismo da América Latina, um esporte radical talhado para aventureiros. O balonismo, que requer menos adrenalina, mas igualmente precisa de um céu azul e um vento amigo, também faz parte do pacote turístico local. As duas atividades impactam diretamente na economia do município de pouco mais de 50 mil habitantes que tem uma Associação de Turismo formada por 100 empresários ligados a esses esportes radicais. Mas além do balonismo e do paraquedismo, quem vai a Boituva também pode praticar o “churrasco”, um esporte largamente difundido como ideal para as tardes de domingo. Quem abastece os amantes da boa mesa atende pelo nome de Cowpig, um frigorífico diferente, fundado na década de 1980 pelos irmãos João Carlos Sebastiani, José Ovídio e Luiz Fernando Sebastiani.
MANEJO: os ovinos são criados em confinamento, no mesmo modelo dos bovinos angus criados em pastos e levados à engorda intensiva apenas na fase final de criação
O frigorífico, instalado em uma propriedade de 250 hectares, a fazenda Palmeiras, próximo à rodovia Castello Branco, a principal ligação do município com a capital, faz a engorda de boa parte dos bovinos, suínos, ovinos e búfalos abatidos –, e prepara as carnes para a venda, quase de forma artesanal. Os cortes especiais de carne vêm fazendo a empresa decolar em um nicho de mercado altamente exigente, formado por butiques, restaurantes de grife e hipermercados destinados à classe A. Com essa receita, em 2011, o faturamento do Cowpig foi de R$ 120 milhões e a projeção para 2012 é de crescer 18%. Para dar suporte a esse crescimento, os irmãos Sebastiani pretendem investir R$ 2 milhões na melhoria da infraestrutura da empresa. “Até o final do ano, vamos aumentar em 50% a capacidade do abatedouro, construindo mais seis câmeras frias e mais uma sala de manipulação de cortes de carne”, diz Luiz Fernando Sebastiani. “Em três anos estaremos funcionando com plena capacidade para aproveitar todo o potencial desse empreendimento.”
INOVAÇÃO E TRADIÇÃO: há três anos, os búfalos são uma aposta do Cowpig, enquanto os suínos já estão no portfólio da empresa desde meados de 1980
Por ano, são abatidos no Cowpig cerca de 138 mil animais. Esse volume representa metade da capacidade de abate de bovinos do Marfrig, o segundo maior frigorífico do País, em um único dia. Pelas dimensões e especialização, o Cowpig lembra mais uma empresa europeia que brasileira. Na França e na Itália, por exemplo, os produtores criam animais em pequenas propriedades, os transportam até as feiras, ou vendem os animais para pequenos frigoríficos que os abatem, maturam a carne por até duas semanas e a coloca nos pontos de venda. A movimentação do setor na Europa se dá em escala diminuta e o padrão de qualidade para oferecer carne macia e suculenta é regra no mercado. A Cowpig trilha esse caminho. “Escolhemos a especialização em pequena escala e não pretendemos sair desse modelo”, diz Luiz Fernando.
Das várias espécies de animais abatidos no Cowpig, os suínos são os únicos com criação própria. “Há 30 anos, começamos com 150 animais e hoje temos 2,5 mil matrizes para a produção de leitões”, diz. O rebanho total de suínos de todas as idades é de 25 mil animais, com abate mensal de 5,8 mil reses. Mas o cartão de visitas da empresa é a engorda de bovinos da raça angus. O Cowpig não cria os animais, apenas faz a terminação dos lotes destinados ao abate. Para isso, foi construído um confinamento destinado à engorda intensiva com capacidade para alojar, de uma única vez, 4,5 mil angus. Como entra e sai animal do confinamento quase diariamente, são engordados 48 mil bovinos por ano. O mesmo modelo se aplica aos ovinos. Há um confinamento para 1,2 mil animais e são abatidos 12 mil por ano. “Ainda há folga no confinamento e podemos aumentar a engorda sem mexer na nossa estrutura física”, afirma Luiz Fernando. Os angus e os ovinos são comprados de pecuaristas do Rio Grande do Sul e de São Paulo. “Se chegam ao Cowpig no ponto de abate vão para o frigorífico, caso contrário vão para o confinamento”, diz ele. “A estrutura de engorda é parte da estratégia de gestão do negócio, para que nunca falte produto de boa qualidade.”
R$ 2 MILHÕES é o investimento de 2012 para melhorar a infraestrutura do frigorífico cowpig
Para colocar no mercado os cortes especiais de carne, a empresa utiliza o modelo argentino, oferecendo bifes como os de chouriço ou de ancho, localizados no centro do contrafilé – a parte mais nobre do boi –, ou o assado de tira, que é um corte transversal da costela do boi. Além, naturalmente, do filé-mignon e da picanha. “Também fazemos o corte americano prime rib, que abrange o bife de ancho e a costela, um produto que agrega muito valor”, diz Renato Sebastiani, atual diretor administrativo do Cowpig e filho de João Carlos, morto em 2008, aos 66 anos. No mercado consumidor, os cortes de carne podem chegar a R$ 50 o quilo de ancho, R$ 80 o da picanha de angus e a R$ 100 um de carré de cordeiro. “Temos clientes que compram vinhos de R$ 6 mil a garrafa e querem carnes consideradas iguarias para acompanhar a bebida”, diz Luiz Fernando. São clientes do frigorífico, por exemplo, templos da alta gastronomia, como os restaurantes Porto Rubayat, Dinho’s Place, Fasano e o Praça São Lourenço, a Casa Santa Luzia e o Empório Santa Maria, bem como o supermercado Zaffari, na capital paulista.
Para fixar a imagem de produto premium de suas carnes, o Cowpig construiu uma loja-conceito em 2008, localizada na entrada de Boituva. Foram investidos R$ 300 mil. “Abrimos uma loja-conceito que serve para reforçar a nossa marca na região, além de atrair para o negócio muitos turistas que vêm à cidade”, diz Renato. Outra loja similar será inaugurada no fim de março, dentro do Alpha Square, um complexo de prédios comerciais e residenciais de luxo em Alphaville, na Grande São Paulo.
Segundo Luiz Fernando, cinco fatores foram determinantes para o crescimento e reconhecimento dos produtos da empresa: a qualidade da carne, a genética diferenciada dos animais abatidos, a alimentação para que ganhem peso rapidamente, a idade de abate e as regras de bem-estar para que o animal chegue sem estresse ao momento do abate. Essa concepção de como manipular as etapas do processo de produção de carne não é nova na empresa. Ela vem desde 1994, ano em que foi criada a marca Cowpig. Antes disso, o frigorífico da família Sebastini já operava, mas sua produção era entregue no mercado sem marca, como uma commodity. Com a Cowpig, as carnes subiram de status e passaram a ser vendidos como produtos diferenciados.
A mais recente aposta do frigorífico é o abate de búfalos. A operação começou há três anos e atualmente são abatidos entre 400 e 700 animais por mês. “Estamos indo devagar, mas esse é um nicho promissor”, diz Luiz Fernando. De acordo com a Associação Brasileira de Criadores de Búfalos (ABCB), o atual rebanho brasileiro é de três milhões de animais, concentrados na Ilha de Marajó, no Pará, responsável por 60% da criação extensiva, e no Rio Grande do Sul, onde há os maiores projetos de criação de animais para a produção de carne. Já na região Sudeste, a predominância é de búfalos para a produção leiteira. “A carne ainda é pouco explorada nas grandes cidades do Centro-sul do País”, diz Otávio Bernardes, vice-presidente da ABCB. Segundo Luiz Fernando, a escassez do produto em São Paulo abriu para o Cowpig uma oportunidade de negócio. Os animais são comprados de criadores dos Vales do Ribeira e do Paraíba, no interior do Estado, e levados para Boituva. “Trabalhamos com búfalos precoces, também terminados em confinamento”, diz. “Isso é raro no Brasil.” Com o manejo correto, o búfalo torna-se um animal dócil. Mas, se a criação não for adequada, o bubalino acaba estressado, o que pode implicar na qualidade da carne. O abate dos búfalos ocorre quando os animais completam 20 meses e pesam 500 quilos.
Além do abate e comércio de animais, na fazenda do Cowpig são produzidos, por ano, 300 mil fardos de feno, 17 mil sacas de soja, 30 mil sacas de milho e 30 mil sacas de trigo em terras próprias e em 1,2 mil hectares arrendados. “Não caímos de paraquedas no agronegócio, mesmo sendo de Boituva”, diz José Ovídio, em tom de brincadeira.