A cidade de Ingá, no coração da Paraíba, viveu uma espécie de Carnaval fora de época em 13 de setembro. A festa era a celebração que marca o compromisso de sua comunidade com a produção de algodão orgânico. O evento “Dia da Colheita” reuniu agricultores, pesquisadores, técnicos de instituições públicas, empresários do setor têxtil e da moda sustentável, além de compradores brasileiros e estrangeiros, todos empenhados em prestigiar a jornada que visa garantir à região uma das certificações mais rigorosas e cobiçadas do mundo: o Global Organic Textile Standard (GOTS).

+Produção global de algodão em 2024/25 deve aumentar 4,77%, prevê Icac

A certificação GOTS é reconhecida globalmente e impõe padrões ambientais e sociais rigorosos que permeiam toda a cadeia de produção, desde a colheita da fibra de algodão até a comercialização dos produtos finais. A auditoria que avaliará a conformidade do algodão orgânico produzido em Ingá aconteceu em outubro, e, se aprovada, consolidará a cidade como um centro de referência internacional no setor têxtil sustentável.

Mas o “Dia da Colheita” não é apenas uma comemoração. Trata-se do reflexo de uma trajetória que impulsiona a cidade para o mercado global de moda sustentável. A primeira edição do evento, realizada em 2022, marcou a entrada do algodão orgânico de Ingá no circuito industrial, um feito impulsionado pelo desenvolvimento da agricultura familiar e da comunidade quilombola local. Com a visibilidade e a confiança conquistadas, a cidade firmou parcerias com nomes de peso da indústria têxtil, como Companhia Industrial Cataguases (MG)Dalila Têxtil (SC)Natural Cotton Color e Texpar, o que garantiu à Cooperativa dos Agricultores do Município de Ingá e Região (Itacoop) a aquisição de uma moderna máquina de beneficiamento de algodão.

(Divulgação)
(Divulgação)
(Divulgação)

Se receber selo internacional, algodão colocará Ingá (PB) como referência global no setor têxtil sustentável

Esse equipamento elevou a produtividade de 225 para 4 mil quilos de rama de algodão por hora, reduzindo o tempo de beneficiamento de meses para apenas algumas horas. O resultado foi o fortalecimento econômico de Ingá e uma verdadeira revolução industrial no campo, que, até então, realizava todo o beneficiamento manualmente. “O interior da Paraíba está recuperando seu status de polo produtor de algodão orgânico global graças ao incrível trabalho que os empresários locais estão engajados”, disse à DINHEIRO RURAL a empresária Francisca Vieira, fundadora e CEO da Natural Cotton Color. Ela também é presidente da Associação Brasileira da Indústria da Moda Sustentável (Abrimos).

A adesão ao cultivo do algodão orgânico teve um aumento de 400%  nos últimos três anos

Nesse contexto, a assistência técnica fornecida pela Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer Regional) foi essencial para o crescimento da adesão ao cultivo do algodão orgânico, que teve um aumento de 400% nos últimos três anos. Em 2021, eram apenas sete famílias engajadas na produção. Hoje, esse número saltou para 28.

Para Severino Vicente da Silva, presidente da Itacoop, a principal razão para esse crescimento é o aumento na renda das famílias envolvidas. “Cada safra pode gerar um valor superior a R$ 10 mil por família”, afirmou ele. Esse ganho financeiro está mudando o cenário do campo, pois os agricultores não apenas plantam para subsistência, mas também para alcançar maior valor agregado com a venda de algodão orgânico certificado.

Além disso, o algodão é cultivado em consórcio com outros alimentos, como feijão, milho e jerimum, mantendo a soberania alimentar da região e diversificando a produção agrícola. Esse sistema promove uma sustentabilidade integral, com garantias de compra pelos parceiros do setor têxtil, que reconhecem o valor do produto ao investir na preservação ambiental e na promoção social.

Francisca Vieira destaca que a certificação GOTS é como uma oportunidade de expansão em mercados de alto valor. “O preço por quilo pago pelas empresas envolvidas no projeto já é o maior do Brasil. A certificação GOTS deve garantir acesso a novos mercados nacionais e internacionais, além de ampliar as áreas de cultivo para atender à demanda crescente”, explicou.

Vieira trabalha pela conquista dessa certificação desde 2017, quando iniciou as negociações na Alemanha para trazer o selo para o Brasil, que na época ainda não possuía uma certificadora credenciada.

(Divulgação)

Com novo equipamento a produtividade elevou-se de 225 para 4 mil quilos
de rama de algodão por hora

A obtenção do selo GOTS será um marco, não apenas para Ingá, mas para a indústria têxtil brasileira, que há anos busca alternativas sustentáveis ao modelo de fast fashion. Considerada uma das mais poluentes do mundo, a moda tradicional usa em larga escala o poliéster, um material derivado do petróleo, o que agrava a crise climática e aumenta a poluição ambiental. O cultivo de algodão orgânico representa uma solução viável e com menor impacto, que vem ganhando popularidade entre consumidores e empresas comprometidos com práticas ecológicas.

(Divulgação)

“O interior da Paraíba está recuperando seu status de polo produtor de algodão orgânico global graças ao incrível trabalho que os empresários locais estão engajados.”
Francisca Vieira, fundadora e CEO da Natural Cotton Color e presidente da Associação Brasileira da Indústria da Moda Sustentável (Abrimos)

LIVERPOOL BRASILEIRA

● O cultivo de algodão na Paraíba remete ao início do século XX, quando o estado era conhecido como a “Liverpool Brasileira” devido à sua importância na produção e exportação de algodão, semelhante ao que a cidade inglesa representava para o comércio global.
● O evento “Dia da Colheita” não apenas celebra o futuro sustentável do algodão, mas também busca resgatar esse passado glorioso, destacando o papel econômico e cultural que o algodão sempre teve para a região.
● A comemoração teve como objetivo inspirar o conceito de economia circular, demonstrando que é possível produzir moda de alta qualidade com base em pilares de sustentabilidade.
● Este modelo inclui o uso de insumos de baixa poluição, reciclagem e reaproveitamento de materiais, além de promover condições dignas para os trabalhadores e agricultores locais.
● Dentro da programação, o momento mais esperado foi o desfile de moda no campo, onde peças confeccionadas com o algodão de Ingá foram exibidas.

“Esse desfile é uma forma de conectar o agricultor ao resultado de seu trabalho, revelando o valor transformador que o algodão orgânico agrega à cadeia de moda sustentável, muito além de ser visto como uma simples commodity”, disse Vieira.

O dia da colheita celebra o futuro sustentável do algodão e busca o resgate do produto no papel de destaque econômico e cultural que já exerceu na região no início do século XX

(Divulgação)
(Divulgação)