28/12/2020 - 14:22
O coronel Romeu Antonio Ferreira posou para foto ao lado da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e da presidente da Casa Brasil-El Salvador, Vanda Pignato. Romeu era o chefe do Estado-Maior da até então mais bem sucedida missão de paz das Nações Unidas na América Central, a ONUSAL, a força de paz para El Salvador. O país foi atingido por uma guerra civil que deixou mais de 60 mil mortos entre a guerrilha da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN) e as Forças Armadas de El Salvador (FAES).
O coronel não só levou a deputada a Perquín, a ex-capital da guerrilha, nas montanhas de Morazán, ao lado da fronteira com Honduras, mas também lhe ofereceu um churrasco em sua casa, em San Salvador. Reuniu ali as brasileiras e parte da chefia da FMLN. Romeu sabia entreter os convidados – o líder comunista Schafik Handal costumava ia aos churrascos do coronel.
O relatório da missão de observadores brasileiros na ONUSAL, mantido em segredo por 30 anos, mostra que o coronel fez uma radiografia das forças políticas de El Salvador. Expôs desde as acusações de corrupção às Forças Armadas e a pouca combatividade de unidades do Exército na guerra civil, até as ações da guerrilha, que aproveitou as falhas dos adversários para manter o impasse militar e forçar o governo a negociar a paz, com a desmobilização da guerrilha e dos batalhões especiais do Exército, muitos deles acusados de graves violações dos direitos humanos. Cinco dias após o Acordo de Paz de Chapultepec, Romeu entrou em El Salvador. Era 21 de janeiro de 1992.
Foi apenas um dia antes que Romeu fora informado que devia se estabelecer em San Miguel, área de atuação da guerrilha. Ele passou a fazer parte da Divisão Militar da ONUSAL, chefiada pelo general espanhol Victor Suanzes Pardo – os espanhóis formavam o maior contingente da força de 375 homens, que contava com quatro escritórios regionais. Romeu comandou o de San Vicente, que controlava cinco centros de verificação, onde era atestado o cumprimento do acordo de paz. O mais afastado era em Perquín. “Ao chegar lá, ainda havia oficiais americanos nos quartéis das Forças Armadas de El Salvador. As FAES nos toleravam. Eles nos suportavam apenas.”
Romeu vivia mais perto dos guerrilheiros, acompanhando a entrega das armas. “Os guerrilheiros nos viam como salvadores. Para a FMLN, o pessoal da ONU estava ali para salvá-los.”
Romeu lembra que o país criou uma comissão da verdade e apurou as violações de direitos humanos na guerra. “A crise em El Salvador era tão grande, a guerra foi tão feia, que tiveram de agir de forma idônea, governo e guerrilha. Com exceção das FAES, que estavam revoltadas, o povo, o governo e a guerrilha estavam a fim da paz.” O coronel se diz alguém de centro-direita.
DOI
O que ninguém sabia em El Salvador era seu passado. Veterano da área de informações, ele trabalhou no Destacamento de Operações de Informações (DOI), do Rio. Participou de ações contra o PCdoB e era subcomandante do órgão quando um subordinado lhe contou sobre um plano de ação dos colegas no Riocentro.
Ele a proibiu. Em seguida, deixou o DOI. Estava na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército quando soube da explosão da bomba, em 1.º de maio de 1981, no colo do sargento Guilherme do Rosário, que morreu. “Aquilo foi coisa do SNI (Serviço Nacional de Informações), com a participação de dois ex-subordinados meus.”
Em 1984, foi um autor do documento que deu origem ao Projeto Orvil, o livro com a versão das Forças Armadas sobre as “tentativas de tomada de poder pela esquerda no País”. Com quase mil páginas, o Orvil acabou arquivado pelo ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, e só foi publicado nos anos 2000.
Mais tarde, no relatório da missão em El Salvador, Romeu escreveu o que entendiam ter ocorrido naquele país. “O início do movimento revolucionário foi combatido com a predominância do segmento militar. Pouca atenção foi dada ao segmento psicossocial, devido à confusão política e às dificuldades econômicas, criou-se um campo fértil, que foi bem explorado pelos movimentos extremistas.”
Romeu foi um dos últimos brasileiros a deixar El Salvador. “Meus maiores amigos não eram das FAES, mas da FMLN.” Antes, foi enviado a Roma e participou das negociações de paz em Moçambique. A ONU queria aplicar o modelo salvadorenho à ex-colônia portuguesa. Lá, como em El Salvador, fez amigos na guerrilha que lutava contra o governo moçambicano. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.