Um céu puramente azul pontuava o primeiro sábado de inverno do ano. O sol forte deixava a temperatura mais amena em toda a região de Amparo, no interior de São Paulo, e era um motivo a mais para que pouco mais de uma centena de cavaleiros e amazonas, de várias idades e vindos de lugares diferentes, se reunissem em torno da histórica sede da Fazenda Sesmaria. Magim Rodriguez Junior, o proprietário daquelas terras cravadas entre as montanhas, e que no passado era a residência oficial do barão de Cintra, não parava um segundo e queria receber todos com a mesma atenção. Estavam ali seus amigos, vizinhos, colegas dos tempos em que ele era o principal executivo da AmBev, peões, empresários, suas mulheres e suas crianças. Tudo e todos envolvidos em torno de motivos comuns: os cavalos, a natureza e, principalmente, a amizade que os une. Na sede da fazenda, todo o grupo se preparava para uma cavalgada de 20 quilômetros, costurados por travessias em outras propriedades seculares da redondeza, e neste trajeto, seria possível contemplar o pôr do sol e o nascer da primeira lua cheia da estação. Foi neste clima de integração total que até esta repórter, sem prática de montaria, de hipismo ou qualquer incursão pelos esportes equestres, também percorreu a trilha sob o lombo de um cavalo. Garanto, foi uma experiência agradabilíssima e nervosa ao mesmo tempo. Para o resto do grupo, porém, foi mais uma forma admirável de apreciar a simplicidade e as coisas boas do campo.

Confraternização: cavalgar é um ato democrático. Sem distinção de sexo, idade, classe social. Na trilha, homem e cavalo se reencontram com a natureza. Acima, trecho que corta a Fazenda Sesmaria.

 

A equipe de DINHEIRO RURAL chegou à Fazenda Sesmaria no início da tarde. Mais de 100 pessoas encilhavam os animais em um gramado próximo à sede, quando uma voz mais alta ecoou em nossa direção. “Vem, repórter, esta égua aqui eu trouxe de Atibaia especialmente para você nos acompanhar”, dizia, animado, Nissin Kalili, proprietário de Raridade, uma mangalarga.E, em menos de cinco minutos, lá estava eu, em cima da égua. “Mas olha, você está segurando a rédea de forma errada. É assim.” Magim Rodriguez, observando a cena, apenas sacudiu a cabeça e comentou: “Ai, ai, ai, qualquer coisa você dá um grito.” Dessa forma, partimos juntos da Sesmaria rumo ao ponto de pouso, distante 11 quilômetros. No trajeto de duas horas e meia, sim, caros leitores, vários gritos, pedidos de socorro, sustos e trapalhadas.

 

Foi em um destes momentos de tentativa de telepatia com Raridade, “calma, eguinha, calma, seja boazinha”, que apareciam novos amigos dispostos a dar uma nova dica ou socorrer a amadora em apuros. “Repórter, não fica nervosa, olhe para a sua direita”, aconselhou o pecuarista e publicitário paulista Ricardo Alonso. E, para lá, olhei. Vi um pôr do sol vermelho de inverno com poderes calmantes esconderse atrás de uma montanha. “Agora, olhe para a esquerda, repórter.” E lá estava a lua, cheia e gigante como nunca, subindo o céu arroxeado. A partir daquele momento, Raridade e eu entramos em sintonia. E tudo ficou mais fácil.

Em família: cavalgar e descobrir a natureza sob a sela é um prazer que se aprende desde criança, e paixão que permanece toda a vida

Esta sensação de harmonia total com a natureza é o que move estas pessoas a viajar quilômetros e, às vezes, dias, sob o lombo de um cavalo.

esta a razão que levou Magim Rodriguez, um dos maiores criadores de gado simental e ovinos santa inês do País, a idealizar a Cavalgada Sesmaria. O gosto pela atividade nasceu recentemente, quando ele foi a Guaxupé, em Minas Gerais, com um grupo de amigos participar de uma cavalgada. “Foram três dias em um cenário maravilhoso. Ficamos encantados com a sintonia entre os homens, a natureza, os cavalos. Então, começamos a pensar em realizar uma cavalgada aqui na região”, diz ele, num bate-papo informal durante a trilha. “O que mais importa é reunir amigos em torno da natureza para passar bons momentos. Nas cavalgadas, cirurgiões renomados, executivos importantes, peões de fazenda são todos iguais. São amigos.” Magim trocou, há poucos anos, os negócios multinacionais pelo estilo de vida simples do interior. “Aqui na fazenda, as noites são um tanto solitárias. O pessoal vai para o boteco do centro da cidade se reunir. Lá, não interessa quem é quem, são todos amigos, todos iguais. Nos reunimos para jogar conversa fora. A cavalgada é a mesma coisa, uma forma de reunir estes amigos neste ambiente maravilhoso.”

“Cavalgar é uma forma de reunir amigos neste ambiente maravilhoso” Magim Rodriguez Jr.

O roteiro traçado por Eduardo Cintra, o Pipa, brindou a todos com um ponto de pouso especial, na fazenda do vizinho, amigo e também cavaleiro Fernando Cardoso, filho do fundador da Manah. “Fiquem à vontade para degustar queijos finos e vinhos”, dizia o anfitrião aos cavaleiros que cruzavam as porteiras da propriedade. Com o frio que chegou com a noite, o grupo não hesitou. “Tem coisa melhor que isso?”

Já passava das oito da noite quando os cavaleiros começaram a se agitar para pegar o caminho de volta. A temperatura beirava os 10ºC e alguns ventos pareciam cortar a pele. “Isso não atrapalha nem um pouco quando você pensa no prazer e na sensação de liberdade que a natureza nos oferece”, explica Kalili. Vez ou outra, algum cavaleiro ultrapassava os demais entoando uma canção. “A lua nasce por detrás da verde mata, mais parece um sol de prata prateando a solidão; E a gente pega a viola e ponteia, e a canção da lua cheia, a nascer no coração.”Do outro lado, outro respondia: “Não há, oh gente, oh, não, luar como este do sertão.” Tremendo de frio, esta repórter entregou Raridade para seu dono e terminou a trilha a bordo de uma simpática carona de Fábio Cotrim Rodriguez, filho de Magim. Ao retornar à sede da Sesmaria, uma bela festa junina aguardava a tropa que, mesmo cansada, ainda bailou noite afora.