09/06/2014 - 13:26
Depois de registrar o maior volume de vendas da história no ano passado, com 82 mil tratores e colhedeiras comercializados, o setor de máquinas agrícolas deve amargar uma queda de pelo menos 15% em 2014, estima André Carioba, vice-presidente para a América do Sul da multinacional americana AGCO. Além de mercado interno mais devagar, as exportações do setor também devem ser um pouco menores no ano. Entretanto, Carioba diz que os resultados esperados para 2014 não são ruins para os fabricantes. “O que deve ocorrer nesta temporada é uma fase de ajustes nas vendas”, afirma. Para Carioba, crescimentos anuais superiores a 20%, como acontecia desde 2008, tendem a ficar no passado, mas isso não significa que o setor não seguirá em plena expansão nos próximos anos. Entre outros temas, Carioba falou à Dinheiro Rural sobre o papel do governo federal no incentivo às indústrias brasileiras e sobre a legislação para o licenciamento de máquinas agrícolas.
DINHEIRO RURAL – No primeiro trimestre, as vendas de máquinas agrícolas caíram 21% ante o mesmo período do ano passado. Essa deve ser a tendência para 2014?
ANDRÉ CARIOBA – O primeiro trimestre não foi muito bom mesmo. Acredito que o ano fechará com queda nas vendas de tratores e colhedeiras, mas não espero um revés tão acentuado como o dos primeiros meses. Minha expectativa é de que o setor feche 2014 com uma queda de 15% nas vendas ante 2013, ano de recorde histórico de vendas do setor, com 82 mil unidades comercializadas. O desempenho deste ano deve ser bem parecido com o patamar registrado em 2012. Acredito que vamos vender 70 mil máquinas, o que ainda é um resultado muito bom. Não temos do que reclamar.
RURAL – Qual segmento agrícola contribuiu para esse resultado negativo no trimestre?
CARIOBA – Na comparação com 2013, parte das complicações vem do setor sucroalcooleiro, que vive uma de suas piores crises. Muitas usinas estão encerrando as suas atividades. Nós estamos sentindo esse impacto. Com o preço da gasolina congelado, o valor do etanol também não subiu, e com a alta dos impostos, salários e insumos, a pressão sobre o setor está muito grande. Os produtores de cana não estão investindo tanto em máquinas, quanto no passado.
RURAL – A alta dos juros para financiamento atrapalhou as vendas?
CARIOBA – Um pouco. A taxa de juros para financiamento, através do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), estava em 2,5% em 2011, passou para 3% em 2012, 3,5% no ano passado e agora está em 4,5%. Essa taxa ainda é bastante razoável, mas é relativamente alta se comparada ao início do programa. Com isso, muitos agricultores acabam não investindo na troca do maquinário antigo, por acharem que não vale a pena.
RURAL – Qual é a expectativa de vendas daqui em diante?
CARIOBA – Olhando para a frente, de 2015 em diante, acredito que o mercado continuará bom, seguindo os fundamentos da agricultura. O setor agrícola brasileiro será o grande responsável pelo crescimento da produção dinheiro rural/115-Junho-2014 19 mundial de alimentos. Então, não vejo razões para o setor de maquinários não seguir essa tendência.
RURAL – É correto dizer que o setor está, enfim, encontrando um volume ajustado de vendas?
CARIOBA – O mercado está se ajustando, sim, e isso deve se estender ao longo de 2015. A tendência é de que deixemos de crescer a taxas tão altas, entre 20% e 30% ao ano, mas sigamos crescendo. Para isso, o produtor necessita de apoio de instituições governamentais para contar com ferramentas financeiras atrativas que facilitem a aquisição de máquinas cada vez mais tecnológicas.
RURAL – Quais são as suas preocupações em relação ao futuro do setor de máquinas agrícolas?
CARIOBA – Justamente, a disponibilidade de recursos financeiros, principalmente os do Financiamento de Máquinas e Equipamentos (Finame) do BNDES. É preocupante o grau de burocracia no processo. Fica difícil para a indústria atender sua carteira de pedidos com a agilidade que o produtor necessita. Além disso, os agentes financeiros estão apertando o cerco contra a inadimplência e, por isso, exigem muitas garantias do agricultor.
RURAL – O Brasil tem chance de se tornar um grande exportador de máquinas agrícolas?
CARIOBA – Depende muito da competitividade do País daqui para a frente. Desde 2008 sofremos muito por causa do câmbio, que chegou a R$ 1,70. Esse valor tirava a competitividade do Brasil lá fora, porque as máquinas têm um alto custo de produção. Hoje, como não vejo possibilidade nenhuma de o real ficar abaixo dos atuais R$ 2,20, conseguimos competir no mercado externo. Se continuar assim, acredito que as empresas vão aproveitar para vender mais.
RURAL – O que atrapalha as exportações brasileiras, que também estão menores neste ano?
CARIOBA – Para o Brasil se tornar um grande exportador é preciso que o governo reduza os tributos sobre os produtos terminados vendidos ao Exterior. Atualmente, as atuais taxas estão levando à desindustrialização do País. Não só da indústria de maquinários, mas em todos os setores. O País tem chance de construir uma grande plataforma exportadora, mas são necessárias condições macroeconômicas para se chegar a patamares competitivos.
RURAL – Como o governo deveria agir para dar melhores condições à indústria?
CARIOBA – O País deveria seguir o exemplo de seus competidores no mercado internacional e retirar qualquer tributo para exportações de produtos com mais de 80% de conteúdo nacional. Os altos custos brasileiros impedem que as vendas cresçam a uma velocidade maior que a atual. Para piorar, a indústria nacional concorre em desigualdade com as importações, que entram com mais competitividade do
que os produtos fabricados aqui.
RURAL – A idade média das máquinas agrícolas brasileiras é aceitável?
CARIOBA – A frota brasileira está relativamente renovada. Depois de 2008, as vendas de máquinas novas foram crescentes, inclusive durante a crise econômica mundial, em 2009. No restante do mundo, o movimento foi o contrário, com empresas fechando unidades de fabricação pelo baixo movimento de vendas.
RURAL – O agricultor brasileiro entende a importância das novas tecnologias para ganhos de produtividade?
CARIOBA – O agricultor, com certeza, está buscando novas tecnologias que lhe assegurem uma maior produtividade. Novos maquinários podem gerar um ganho de tempo precioso no campo, reduzindo parcialmente as perdas geradas pelos gargalos logísticos que oneram a agricultura. Por isso, o Brasil continuará a ser alvo para as indústrias globais de equipamentos agrícolas.
RURAL – Mas há segmentos, como o da cana, que têm enfrentado dificuldades com esses novos maquinários.
CARIOBA – Temos um desafio a enfrentar. É preciso mais preparo, treinamento e conhecimento do conecessionário em relação às maquinas, que estão cada vez mais sofisticadas. Não adianta vender apenas, é preciso saber se o comprador está fazendo o uso correto de toda a tecnologia. Antigamente, os tratores eram fabricados com um motor, quatro rodas e muito metal. Hoje não, parecem verdadeiros aviões, com GPS e funções inteligentes e tudo mais.
RURAL – Como resolver o problema da falta de mão de obra qualificada?
CARIOBA – O governo brasileiro, com o apoio das indústrias de máquinas, precisa criar cursos técnicos para preparo desses profissionais. Em fevereiro, a AGCO inaugurou um novo centro de treinamento em Campinas (SP), para oferecer um curso técnico aos concessionários. Nesse centro, serão abordados temas como funcionamento do sistema hidráulico, transmissão, ajustes finos e administrativos. Seria ideal criarmos parcerias com o Senai e passarmos a oferecer cursos técnicos nas próprias regiões agrícolas. Muitas vezes, os concessionários menores, de municípios distantes dos grandes centros, não conseguem enviar seu único técnico para outro Estado, por uma semana inteira, para treinamento.
RURAL – O governo estava preparando uma lei que obrigava o produtor a registrar e licenciar seu maquinário, mas há um movimento contra ela. Essa lei ajuda ou atrapalha?
CARIOBA – Acho ruim não haver um controle do que há no campo. Diferentemente de outros países, o maquinário agrícola brasileiro não é licenciado e não possui uma placa de identificação. Com o registro e o licenciamento haveria mais estatísticas confiáveis do setor. Os números da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) referem- se somente a veículos novos. Mesmo se os revendedores estiverem com o pátio cheio, os números da entidade constarão como vendas realizadas. Tem muito chute nos números revelados. Com um departamento nacional de trânsito voltado às máquinas agrícolas, o setor seria mais transparente.