07/09/2020 - 10:32
A obra de infraestrutura mais cara do Brasil, atualmente, é um projeto que acumula 30 anos de paralisações em seu currículo, arrasta uma dívida de R$ 9 bilhões em financiamentos com bancos públicos e depende de mais R$ 15 bilhões para que possa, finalmente, ser concluída. A usina nuclear de Angra 3 concentra hoje boa parte das atenções do Ministério de Minas e Energia, que decidiu levar adiante o projeto. A questão é como fazer isso.
No mês passado, uma auditoria da PwC analisou as contas da Eletronuclear, estatal do Grupo Eletrobras que é dona da usina. A empresa alertou que a situação crítica da obra tem drenado praticamente todos os recursos da Eletronuclear.
A situação chegou a tal ponto que, hoje, a estatal está impedida de conseguir novos empréstimos porque não tem mais nada para apresentar como garantia. “Todos os seus ativos já estão comprometidos nos créditos existentes”, afirmam os auditores.
Dado o cenário atual, o relatório indica “a existência de incerteza relevante que pode levantar dúvida significativa sobre a continuidade operacional da companhia”.
A retomada de Angra 3 depende, ainda, da entrada pesada de um sócio privado na operação, além de definições políticas que envolvem o processo de privatização da Eletrobras. O plano de retomada da usina está em análise pelo Tribunal de Contas da União.
Mesmo sem essas respostas, a Eletrobras já definiu que vai injetar mais R$ 3,5 bilhões na obra, por entender, inclusive, que novo aporte é preciso para atrair parceiros e destravar o empreendimento.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães, disse que uma primeira parcela, de R$ 1,052 bilhão, está prevista para ser liberada pela Eletrobras ainda neste ano. O dinheiro será usado para aquisição de mais equipamentos da usina. A segunda parcela, de R$ 2,45 bilhões, está programada para 2021, quando seriam retomadas as obras físicas e de montagem de Angra 3.
“Aguardamos que o recurso deste ano saia o mais rápido possível. Isso faz parte do nosso programa de aceleração da linha crítica da obra, que tem compromisso de concluir o projeto em 2026”, diz Guimarães.
Os auditores da PwC chamam a atenção para o fato de que “um dos grandes desafios a serem ainda superados tem sido a estruturação dos recursos financeiros necessários à sua implementação”. A situação atual da obra, descreve a auditoria, “aponta altos valores a serem ainda investidos que não têm origem ou financiamento definido ou assegurado”.
Frustrações
A promessa de concluir o projeto em seis anos tenta dar fim a uma lista de cronogramas frustrados. Há dez anos, as obras da usina foram retomadas na praia de Itaorna, em Angra dos Reis (RJ). Era o marco zero na retomada das obras da usina iniciada no governo militar, em 1984, mas paralisada dois anos depois.
O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, insuflado pelo “renascimento nuclear”, prometia inaugurar a usina em 2014. Depois, essa data passou para 2016. Logo em seguida, foi postergada para 2018.
O fato é que, cinco anos após a retomada, Angra 3 já estava paralisada novamente, com os 58% de execução de suas obras físicas contaminados por esquemas de corrupção que levaram o então presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro, a ser condenado a 43 anos de prisão por lavagem de dinheiro, embaraço a investigações, evasão de divisas e organização criminosa.
A decisão de prosseguir com a obra justifica-se, em boa medida, pelo alto custo que teria a decisão de desistir de Angra 3. Guimarães confirma que para abandonar o projeto a Eletronuclear teria de arcar com uma fatura da ordem de R$ 12 bilhões, somando financiamentos já sacados e contratos firmados com dezenas de fornecedores.
Para Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ, o que está em jogo não é só uma operação bilionária. “Concluir Angra 3 é uma decisão do governo, mas que passa por uma política de Estado.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.