MERCADO DE PEIXES: estrutura foi trazida da Inglaterra no final do século XIX

Cartão-postal do Pará, o Ver-o-Peso é uma profusão de aromas, cores e sons. Com mais de 380 anos de história, o complexo é composto pelo mercado de peixes, mercado de carnes e mais de mil barracas que vendem de tudo: frutas, ervas, comidas, artesanato, perfumes, etc. Ponto turístico de Belém, ele está localizado na cidade velha, às margens da Baía do Guajará. O nome remete ao período colonial, época em que as mercadorias vinham do interior e passavam pela Casa do Haver-o-Peso, onde eram cobrados os impostos devidos à coroa portuguesa.

TEMPOS DIFÍCEIS: Carmelita quer patrocínio para manter sua banca de frutas regionais

A arquitetura é um dos chamarizes. O mercado de carnes, mais conhecido como mercado de ferro, foi feito pelo renomado arquiteto brasileiro Francisco Bolonha com estruturas trazidas da Inglaterra entre o final do século XIX e o início do século XX. O mercado de peixe, cujo ponto forte são as torres, também foi trazido da Inglatera no mesmo período e reflete o luxo da belle époque, ou seja, do ciclo da borracha.

O estabelecimento passou por uma reforma em 2001. As bancadas, que antes eram de azulejo, foram substituídas por aço inox para facilitar a limpeza. Deu certo. O local é um exemplo de higiene: não há mau cheiro e não se vêem moscas. Na parte interna, há 79 pessoas cadastradas para a venda de pescado, caranguejos e mariscos. Na parte externa, mais de 20 lojas comercializam desde produtos para a pesca até artigos de umbanda.

Diariamente, entram cerca de 4,5 toneladas de peixe. São mais de 120 espécies, a maioria da região: dourada, filhote, piramutaba, entre outros. Mas, para manter o direito de vender no local, os permissionários têm de seguir normas rígidas estabelecidas pela Secretaria de Saúde, sob pena de perder a concessão. Fernando Souza é um dos permissionários. No mercado desde 1997, ele conta que o movimento mudou bastante. “Hoje, perdemos um pouco de espaço por causa dos supermercados. Antes, a concentração de vendas era toda aqui”, diz. No entanto, há ainda muita tradição em comprar peixe no Ver-o-Peso.

ALTO PADRÃO: com a revitalização, mercado de peixes se tornou referência em padrões de higiene e qualidade do pescado

Assim como no caso dos peixes, o mercado de carnes também sofre o mesmo impacto. “No passado, entravam 60 toneladas de carne por dia. Hoje, esta é a quantia de um mês, agora um pouco menos em função da reforma”, diz Geraldo Machado, fiscal do mercado de carnes. Atualmente, além dos boxes de carne bovina, suína e de aves in natura, o mercado também vende refeições. Mas, se no ambiente dedicado aos peixes a infra-estrutura vai bem, o mesmo não pode ser dito da área destinada às outras carnes. Nesse ponto, o lugar deixa a desejar. Não por acaso, o prédio passa por um processo de restauração e os permissionários terão de se adequar à mesma rigidez imposta para a venda de peixes.

Mas não é só de carnes e peixes que vive o Ver-o-Peso. Outros setores, como o de barracas, que circunda o mercado de peixes, guardam seus mistérios. Lá, o visitante acha de tudo, desde comidas típicas – como tacacá, iguaria que tem por base o tucupi, molho de cor amarela extraído da mandioca brava, no qual se coloca goma de mandioca, camarão e jambu, erva típica da região Norte com propriedade de amortecer os lábios – até artesanatos e todo tipo de cacarecos.

A parte de frutas é uma peculiaridade à parte e Carmelita dos Passos Rocha, a personagem mais emblemática. Há 37 anos no Ver-o-Peso, ela é conhecida por ter a banca com a maior variedade de frutas regionais. Entre elas, uxi, abricó, cupuaçu e graviola. “São mais de 70 frutas no verão. No inverno, chegam a 100”, diz. No entanto, dona Carmelita reclama da situação. “Por conta dos assaltos, o movimento caiu, o pessoal fica mais na região das calçadas. Está difícil, estou querendo um patrocínio para conseguir manter minha banca”, diz.

Se as vendas de frutas regionais passam por dificuldades, o mesmo não se pode dizer do comércio de ervas, que experimenta tempos de bons negócios. “Tudo aqui é muito procurado”, diz a erveira Euzarina Correia. Nessa seção, o visitante encontra ervas in natura, óleos de banho, preparados de ervas para inflamações, viagra natural e até perfumes para fins específicos. “Tem o Chore nos Meus Pés, para atrair a pessoa amada, Mil Homens, para profissionais do sexo e muitos outros”, diz Euzarina. Outro setor muito freqüentado é o das farinhas. “Aqui tenho nove tipos, todos feitos com a mandioca brava”, diz Eduardo Santos, comerciante da Vero- Peso, que herdou o ofício do pai. Mas nem tudo é festa no complexo. A revitalização de 2001 uniformizou as barracas e reformulou o mercado de peixes, mas a questão da violência é crítica. “Temos policiamento na Ver-o- Peso, mas a feira é muito grande, então acaba tendo um assalto ou outro”, justifica-se Luciano de Oliveira, administrador do complexo. Sinal de que o cartão-postal paraense vive uma mistura de apogeu e decadência.

DE TUDO UM POUCO: Euzarina (à esq.) em sua banca de ervas, Eduardo (abaixo) no comércio de farinhas. No detalhe (da esq. para a dir.), castanha de sapucaia, abricó, jupati, castanha-do-pará e buriti