Após uma sequência de quatro pregões consecutivos de queda firme, em que acumulou desvalorização de 3,09%, o dólar à vista até esboçou um movimento mais forte de recuperação na sessão desta quarta-feira, chegando a romper o teto de R$ 5,30 pela manhã, mas perdeu fôlego ao longo da tarde e acabou fechando em ligeira alta, na casa de R$ 5,27.

As movimentações do real se deram, na maior parte do pregão, em sintonia com o comportamento de pares entre divisas emergentes. Investidores ajustaram posições em meio ao resultado abaixo do esperado do emprego privado nos Estados Unidos em janeiro (relatório ADP), fruto muito do impacto da variante Ômicron do coronavírus, enquanto aguardam a divulgação do relatório de emprego (payroll) na sexta-feira para calibrar as apostas em torno do ritmo de normalização da política monetária americana.

No início dos negócios, o dólar chegou a recuar, descendo à mínima de R$ 5,2567 (-0,31%), com relatos de entrada de fluxo estrangeiro. Mas virou para o positivo ainda pela manhã e atingiu máxima a R$ 5,3145 (+0,79%). No fim do dia, era cotado a R$ 5,2763, alta de 0,07%. Apesar do suspiro nesta quarta, a moeda acumula queda de 2,11% nesta semana e já recua 5,37% em 2022.

Analistas atribuem parte relevante do desempenho do real neste ano, superior a de seus pares emergentes, ao aumento das operações de carry trade, que exploram o diferencial de juros entre países. Como uma elevação da taxa Selic em 1,50 ponto porcentual pelo Copom à noite é dada como certa, as atenções se voltam ao comunicado do comitê, que pode trazer sinais sobre o ritmo e a extensão do atual ciclo de aperto.

Dados do BC divulgados nesta quarta confirmam a forte entrada de recursos externos para ativos domésticos nas últimas semanas. Em janeiro (até dia 28), o fluxo pelo canal financeiro apresentou entradas líquidas de US$ 4,897 bilhões, dos quais US$ 2,927 bilhões apenas na semana passada (de 24 a 28). Como houve saída líquida de US$ 4,108 bilhões em janeiro (até dia 28) pelo lado comercial, o fluxo cambial total no período foi positivo em apenas US$ 789 milhões.

Para o CIO da Alphatree Capital, Rodrigo Jolig, a movimentações no mercado doméstico de câmbio nesta quarta refletem ajustes e realização de lucros – e não abalam a perspectiva de que o dólar possa continuar caindo e buscar um nível próximo a R$ 5,00.

Jolig vê a taxa de juros real doméstica, seja qual for a magnitude da alta da Selic nesta quarta e no próximo Copom, como grande trunfo do real, por atrair capital externo para a renda fixa. Ele pondera que, com as taxas embutidas na curva de juros doméstica, o custo do hedge cambial ficou mais alto, o que desestimula estrangeiros a montar posições defensivas no mercado de dólar futuro.

“É preciso ver como os ativos de risco vão se comportar com as decisões do Fed. Aqui o BC pode aumentar os juros em mais 200 ou 250 pontos-base. A aposta mais ‘hawkish’ para o Fed também é de uma alta desse tipo entre 200 e 250 pontos-base. Então, não é por diferencial de juros que o Brasil vai deixar de ser atraente”, diz Jolig. “Além disso, esse movimento de ‘rotation’ das carteiras que vimos em janeiro, com investidores saindo das ações das techs para commodities, ainda pode continuar mais um pouco”.

Reflexo do desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY, que havia experimentado forte alta na semana passada, teve o segundo dia de perdas, operando abaixo da linha dos 96,000 pontos. O euro ganhou força na esteira da leitura recorde de inflação ao consumidor na Zona do Euro (taxa anualizada de 5,1% em janeiro, frente à expectativa de 4,3%), o que aumenta as expectativas para a decisão de política monetária do Banco Central Europeu (BCE) na quinta-feira.

O relatório ADP mostrou eliminação de 301 mil empregos nos EUA em janeiro, enquanto se previa geração de 200 mil vagas. Segundo analistas, esses dados revelam pressões na oferta de mão de obra, o que pode desencadear pressões salariais e, por tabela, resultar em mais resistência da inflação. Em todo caso, grande parte da perda de empregos se deu no setor de hospitalidade, o mais afetado pela nova onda de infecções causada pela Ômicron.

Com a provável volta de geração de vagas em fevereiro, a expectativa de que o Federal Reserve vá embarcar em um processo de normalização da política monetária, com alta de juros (a partir de março) seguida por início da redução de seu balanço patrimonial. A perspectiva de uma elevação inicial de 0,50 ponto porcentual da taxa, que havia ganhando força na semana passada, se mostra, contudo, menos provável.

Na avaliação do economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, o resultado do relatório ADP reforça o cenário de que Fed “não será tão agressivo” no ciclo total de ajuste dos juros, o que tira um pouco de força da moeda americana frente a divisas fortes, enquanto, por aqui, já não haveria tanto espaço para apreciação do real. “Os resultados fiscais de 2021 já foram absorvidos e não devem contribuir para revalorização do real nas próximas semanas”, afirma Velho.

Em relação ao Copom, Velho diz que o comitê não deveria se comprometer com manutenção do ritmo de alta em março, embora considere uma nova elevação de 1,5 ponto na próxima reunião como o caminho mais prudente, tendo em vista a resistência das expectativas de inflação. Um cenário de desaceleração do aperto monetário em março, com alta da Selic em 1 ponto, seria compatível, segundo o economista, “com um ajuste gradual dos juros nos EUA e sem correção robusta” da Bolsa.