20/11/2021 - 17:15
A utilização de bicicletas tem crescido em muitas capitais do Brasil, por diversos fatores, mas um levantamento feito pelo Strava Metro mostra que na cidade de São Paulo houve uma diminuição de 10% dos deslocamentos não motorizados em comparação com 2019, ano pré-pandemia de covid-19. Claro que isso é um recorte que engloba apenas os usuários do aplicativo (cerca de 12 milhões no Brasil todo), mas fornece algumas pistas sobre os motivos de a capital paulista ter diminuído a circulação no período enquanto outras grandes cidades tiveram aumento.
A “impressão” das ruas foi estampada nos dados levantados pelo Strava Metro. Se em São Paulo houve uma diminuição de 10% das bicicletas em relação a 2019, em outras grandes capitais houve crescimento: Curitiba (+31%), Rio de Janeiro (+25%), Porto Alegre (+24%), Brasília (+21%), Belo Horizonte (+20%) e Florianópolis (+16%).
“Quando comparamos ao ano passado, em que muitas cidades tiveram grandes restrições de movimentação de pessoas, o maior aumento nos deslocamentos de bike aconteceu em Porto Alegre, com crescimento de 56%, quando analisamos as atividades realizadas entre janeiro e setembro. Rio de Janeiro (+44%) e Belo Horizonte (+42%) também se destacaram, neste sentido, e até São Paulo viu o número crescer, na ordem de 27%”, diz a empresa.
Segundo Rosana Fortes, gerente geral do Strava no Brasil, é difícil saber os motivos que levaram a capital paulista a não ter um crescimento assim como outras grandes cidades. “Não podemos cravar, mas temos algumas hipóteses para São Paulo ter reduzido os deslocamentos de bike neste ano em relação a 2019. Um deles é que na maior cidade do país as pessoas adotaram o home office por mais tempo e ficaram dentro de casa, fazendo apenas deslocamentos muito curtos. Uma vida de bairro, vamos dizer. Outra possibilidade é por conta das restrições impostas na cidade, que foram mais rígidas e duraram mais tempo do que em outros lugares”, explica.
Paula Arantes, de 31 anos, serve como exemplo disso. Ela ia e voltava do trabalho todos os dias usando bicicleta. Até que veio a pandemia de covid-19. “Em março de 2020 entramos em home office e ainda não voltamos para o escritório. Daí eu nunca mais usei a bike com esse fim”, explica. Ela fazia o caminho do bairro de Pinheiros, onde mora, até o Itaim Bibi, região que possui muitas ciclovias. “É um trajeto até curto, de 4,5 quilômetros ida e volta, mas de bicicleta facilitava muito”, explica.
POSSÍVEIS EXPLICAÇÕES
Letícia Lindenberg Lemos, doutora em planejamento urbano pela FAU e pós-doutoranda do Instituto de Matemática e Estatística da USP, lembra que é possível que a pandemia de covid-19 tenha impactado de forma diferente as metrópoles e isso tenha tido efeito na circulação de pessoas. A cidade de São Paulo, por exemplo, é a recordista de mortes pela doença em todo País e também tem quase 1 milhão de contaminados em números oficiais.
“Outro ponto importante é sobre a faixa de renda das pessoas que usam esse aplicativo. Com certeza são aquelas que podem fazer home office. Mas teria de ver porque isso foi diferente nas outras cidades, pois o público seria o mesmo”, aponta Letícia, levantando a hipótese de que os números também podem ter a ver com o tipo de mercado de trabalho de cada cidade.
Dados do contador automático de bicicletas da CET-SP (Companhia de Engenharia de Tráfego) mostram que realmente houve uma queda de circulação na ciclovia da Faria Lima, local de muitos escritórios comerciais. Se em outubro de 2019 houve quase 200 mil passagens de bicicletas pelo local nos dois sentidos, a partir de abril de 2020, quando começaram as restrições em São Paulo, o número despencou para 90 mil e se manteve oscilando entre 56 mil e 115 mil nos meses seguintes, sem voltar a patamares de dois anos atrás.
Já no contador da Gastão Vidigal os números se mantiveram estáveis durante todo o período, antes e durante a pandemia, mas em circulação mais modesta. E no corredor da Vergueiro, houve um aumento de circulação durante a pandemia, com pico em abril deste ano, em um dos momentos mais dramáticos da covid-19 no Brasil.
Muitos ciclistas da maior cidade do País vêm notando essa diminuição de circulação de bicicletas nos últimos meses em alguns bairros. “A minha impressão é que as ciclovias estão mais vazias do que antes. Aqui onde estou agora era bem mais cheio”, explica o estudante Luiz Eduardo Cruz Júnior, sobre o bairro de Alto de Pinheiros. “Na avenida Sumaré era mais cheio também. Antes não parava de passar gente na ciclovia, agora está mais calmo. Talvez seja reflexo do home office”, continua.
O jovem de 17 anos costuma usar sua bicicleta para ir de casa para a escola. “O deslocamento é mais rápido. Eu pedalo há alguns anos, já caí de bicicleta, mas agora está mais tranquilo, pois já tenho a manha do movimento dos carros. Então faço tudo que posso com minha bicicleta”, explica.
A sensação de uma frota menor de bicicletas nas ruas de São Paulo é compartilhada por José André, que perto dali usa a bicicleta para trabalhar. “Eu venho de moto, pois moro a 19 quilômetros daqui, mas meu trabalho é com a bicicleta. Antes eu via muito mais bicicletas por aqui, na praça, mas agora tem bem menos”, diz.
A Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo), por sua vez, acredita que os números do Strava não refletem muito bem a realidade que está sendo encontrada nas ruas paulistanas. “Quem pedala na cidade pôde observar um aumento no número de ciclistas nas ruas, principalmente cicloentregadores. Sabemos também que, só na capital, o número de bicicletas vendidas teve uma alta de 66% no ano passado em relação a 2019. É possível que os dados fornecidos pelo Strava tenham mais a ver com o público específico que utiliza o app. Precisamos ter esse olhar e fazer esse recorte”, disse a entidade.
Ela lembra que não existe um sistema de monitoramento capaz de fornecer todas as informações sobre a utilização da bicicleta. “Por isso é complicado afirmarmos que o número de ciclistas caiu ou subiu na cidade de São Paulo. O Strava é uma fonte, mas acreditamos que seja necessário um cruzamento com dados públicos, privados e outras evidências para que cheguemos a uma conclusão sobre o assunto. Algumas dessas informações, como a de viagens em bicicletas compartilhadas, por exemplo, só a prefeitura tem acesso. A Ciclocidade concentra muitos esforços em atividades que monitoram a política cicloviária de São Paulo, sempre trabalhando com o cruzamento de bancos de dados robustos como a Pesquisa Origem Destino, contagens de ciclistas, números sobre a utilização de bicicletários, entre outros.”
Apesar dos números do Strava indicarem queda na circulação de bicicletas em São Paulo, dados de julho da Semexe, uma startup focada em compra e venda de bicicletas, mostram que nos últimos 12 meses a plataforma transacionou R$ 15 milhões, com um crescimento de 410% no faturamento, com um crescimento de 350% em vendas em relação a 2020. Além disso, nos primeiros meses de quarentena em muitas cidades do Brasil, houve lista de espera para a compra de rolo de treinamento, equipamento que possibilita o ciclista pedalar na sala de casa, por exemplo. Ou seja, visualmente pode até ter menos bicicletas nas ruas de São Paulo, mas o interesse continua alto.
O Strava é um aplicativo de celular que permite que as pessoas registrem seus deslocamentos, seja em uma caminhada, correndo ou de bicicleta. A plataforma é gratuita e vem sendo usada inclusive para o auxílio de políticas públicas em várias cidades da Europa, que mapeiam o fluxo das pessoas e propõem soluções, como a construção de uma ciclovia em um lugar de muito acesso de ciclistas ou de uma ponte para facilitar o deslocamento das pessoas.
Outro ponto importante é que ao optar pela utilização da bicicleta, muitas pessoas estão contribuindo para diminuir as emissões de CO2 na atmosfera. Segundo cálculos do Strava, somente com os deslocamentos de bicicleta nas sete capitais avaliadas, os brasileiros estão salvando ou economizando cerca de 20% a mais de CO2 em relação a 2019 e cerca de 30% a mais do que no ano passado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.