A Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) promete realizar todos os esforços para acabar com a Moratória da Soja, como é chamado o acordo entre tradings e processadoras que proíbe a compra do grão das fazendas com cultivos em áreas desmatadas após 2008 na Amazônia.

Entre as ações, a associação afirmou que apresentou nesta quarta-feira uma denúncia formal ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra o que chama de “práticas anticoncorrenciais das empresas signatárias da Moratória da Soja”.

“Após quase duas décadas de vigência do acordo e inúmeras tentativas de diálogo frustradas, a associação trouxe uma nova base jurídica e técnica que expõe como o pacto consolidou um cartel de compra, boicotando produtores que cumprem rigorosamente o Código Florestal”, afirmou a Aprosoja-MT.

Segundo a entidade, a moratória tornou-se uma “barreira supralegal”, gerando prejuízos estimados em 20 bilhões de reais para o Estado e afetando mais de 2,7 milhões de hectares.

Cientistas e ambientalistas, contudo, consideram que o pacto ajudou a reduzir a taxa de desmatamento na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, um baluarte contra a mudança climática. As mudanças no uso da terra e a atividade agropecuária são as principais emissoras de gases do efeito estufa do país.

A despeito da pressão internacional e de vários setores contra novos desmatamentos, a entidade do principal Estado agropecuário do Brasil considera que é preciso fazer valer a legislação brasileira, que permite que os produtores desflorestem e usem parte das fazendas em suas atividades –na Amazônia, esse percentual é de 20% da área.

Já a Abiove, que representa as tradings e processadoras de soja no Brasil, respondeu que, diferentemente do que diz a Aprosoja-MT, a Moratória da Soja é um “instrumento de defesa da agricultura brasileira” e não traz prejuízos ao setor.

“A moratória é uma resposta ao movimento do mercado consumidor”, afirmou o advogado da Abiove Francisco Todorov à Reuters, ressaltando que consumidores não querem comprar soja de áreas desmatadas na Amazônia.

O Brasil é o maior produtor e exportador global de soja.

“É um instrumento da indústria doméstica para se adequar aos padrões. Se a soja não tivesse esse selo verde, a gente teria dificuldade de colocar esse produto no mercado.”

O advogado destacou que de 2006 para cá houve “expansão enorme” da soja, com a garantia de que o produto não vem de áreas desmatadas após 2008, por conta do selo dado pela moratória, que garante as compras de mercados mais exigentes, como da Europa.

Ele disse que, ainda hoje, há “muito espaço” para produzir soja na Amazônia em áreas que não envolvem desmatamento recente, em terras abertas antes de 2008.

Conforme dados da Abiove, entre as safras 2006/07 e 2022/23, a área ocupada com soja no bioma Amazônia passou de 1,41 milhão de hectares para 7,43 milhões, respectivamente (+420%), com uma parcela residual de apenas 250 mil hectares associada a desflorestamentos ocorridos após 2008.

Essa não foi a primeira vez que integrantes do setor produtivo recorrem ao Cade para denunciar o tema. Em setembro, o conselho instaurou um inquérito administrativo para apurar a possível manipulação de mercado relacionada à Moratória da Soja.

Segundo o advogado, o processo no Cade apenas foi instaurado porque é obrigatório quando parte de uma denúncia da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, como foi o caso. Para ele, a nova denúncia da Aprosoja não deve mudar em nada o processo, que é confidencial e está em fase de avaliação preliminar.

LEI DE MT

A Aprosoja-MT historicamente se posicionou contra a Moratória da Soja, enquanto uma lei do Estado de Mato Grosso aprovada neste ano, que deve ser regulamentada em breve, fortalece a posição da entidade dos produtores.

A legislação mato-grossense, publicada em outubro, revoga a concessão de benefícios fiscais a empresas que participam de acordos como o da Moratória da Soja.

“Gostaríamos que sim (que a lei colocasse fim à moratória). Mas não depositamos toda a nossa esperança nessa lei. Continuaremos adotando outras medidas, diversificando as estratégias e ampliando a mobilização”, afirmou a Aprosoja, à Reuters.

Segundo a entidade dos agricultores, o Código Florestal brasileiro “é o instrumento que deveria prevalecer”.

De acordo com a Aprosoja-MT, em quase duas décadas, “nenhuma indenização foi paga às famílias prejudicadas”, já que a entidade considera que os agricultores tiveram seus direitos de usar partes das áreas cerceados, uma vez que, se o fizessem, não poderiam vender qualquer volume da soja produzida nas fazendas, conforme define a moratória. Isso mesmo que algumas áreas produzam em terras desmatadas antes de 2008.

Organizações não governamentais ambientalistas disseram recentemente que, diante das conversas relacionadas com a lei de Mato Grosso, tradings de grãos estariam agora buscando enfraquecer o pacto, propondo que o embargo à compra de soja seja apenas para a área cultivada em terras desmatadas após 2008, e não para toda a propriedade, como acontece atualmente.

A Aprosoja afirmou também que a Abiove “já sugeriu a modulação do acordo para restringir as sanções a um polígono específico, mas isso continua ferindo direitos” e não deve ser aceito.

Procurada, a Abiove afirmou que não há qualquer atualização sobre o processo e não comentou o assunto.

Procurada para comentar quando e como aconteceria a regulamentação da lei, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de Mato Grosso não se manifestou imediatamente.

A Aprosoja destacou ainda que a entidade segue defendendo “soluções construídas com diálogo, respeitando os maiores impactados: os produtores rurais”.

“Além disso, a preservação ambiental é um compromisso que já cumprimos sob a legislação brasileira. Querem algo além? Paguem por isso”, disse a Aprosoja, para quem isso é a “essência do desmatamento evitado”.

A entidade afirmou que gostaria que o acordo da moratória fosse “extinto”, permitindo uma união de esforços para avançar em “agendas fundamentais”, como a regularização ambiental, a adoção de instrumentos de incentivo, como é o caso do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), entre outros.

Sobre críticas de países como a França, a Aprosoja destacou que na Europa uma proposta de 4% de pousio foi rejeitada por seus próprios produtores. “Se 4% é inviável para eles, por que 80% de reserva legal seria pouco para o Brasil?”

 

(Por Roberto Samora)