A aprovação da vacina de Oxford/AstraZeneca pelo Reino Unido trouxe alívio para os pesquisadores que trabalham com os testes clínicos no País. Principal aposta do governo brasileiro, a vacina deu um susto quando se viu que houve erros na execução da fase 3, que puseram em dúvida sua real eficácia ou o tempo que ela poderia levar para ser aprovada.

A médica Lily Yin Weckx, coordenadora do Centro de Referência de Imunobiologia Especial da Unifesp, responsável por coordenar o estudo clínico da vacina no Brasil, disse que agora o cenário muda e a 1ª aprovação deve facilitar a análise por parte de outras agências reguladoras, incluindo a Anvisa. Ao Estadão, ela explica o que de fato se sabe sobre a eficácia da vacina, a estratégia adotada pelo Reino Unido e como isso pode ser uma boa ideia também para o Brasil.

A primeira aprovação desta vacina, que é a principal aposta do Brasil, traz um alívio?

É com certeza um dia especial, porque isso muda o cenário. Como a agência reguladora do Reino Unido é de grande prestígio – foi também a 1ª a aprovar a da Pfizer -, isso facilita a análise de outras agências.

Quando saíram os resultados da fase 3 e se viu que tinha ocorrido uma confusão, em que algumas pessoas tomaram na 1ª aplicação apenas meia dose, era esperado que a autorização de uso atrasasse porque alguns testes adicionais teriam de ser feitos. Isso aconteceu? Foi o que garantiu a aprovação britânica?

Não foram refeitos. Na fase 3, o que aconteceu é que trouxe uma análise combinada de vários estudos no Reino Unido e no Brasil. E dentro desses estudos, um grupo recebeu meia dose como 1ª dose e depois uma 2ª dose plena. E este grupo apresentou eficácia de 90%. Outro grupo, que recebeu as duas doses cheias, apresentou 62%. Tivemos de analisar. Muito provavelmente, o intervalo entre as duas doses no 1º grupo (que tomou meia e uma) foi maior do que o do 2º grupo. No 1º, foi de cerca de três meses e no 2º, de um mês. Pode ser que isso tenha influenciado, por isso continuamos com a avaliação. Por isso, o órgão regulatório do Reino Unido aprovou a vacina em duas doses cheias, mas com espaço de até três meses.

Essa diferença de tempo entre as doses entre os grupos é normal? Pelo protocolo do estudo clínico, o intervalo já não é pré-determinado? Não deveria ser sempre o mesmo para todos?

Houve essa variação porque, no início, houve momentos em que o suprimento da vacina era baixo, já que é um produto ainda em desenvolvimento. Nem sempre tem toda a oferta imediatamente. O grupo inicial, que recebeu a meia dose, teve de esperar um pouco mais. A gente determina no estudo clínico que seja dada a 2ª dose em 4 semanas, mas nem todos os voluntários comparecem em quatro semanas. Alguns chegam mais tarde.

E isso não inviabiliza o estudo?

Não. Aproveitamos tudo e analisamos. O Brasil faz muitos esquemas de vacinação com dois meses de intervalo. Alguns países fazem com um mês. Mas já sabemos que com dois meses há resposta imune melhor.

O Reino Unido anunciou estratégia de vacinar o maior número de pessoas agora com uma dose e dar a 2ª só após três meses, até para dar tempo de ter mais produção. A justificativa foi que a partir da 1ª dose já se observou uma resposta boa. Isso é novo?

Quando se avalia a eficácia, percebemos que com uma só dose já tem eficácia de cerca de 70% mas num tempo de observação curto, três semanas após a 1ª dose, até tomar a 2ª. O estudo mostrou que com uma dose já começa a proteger. A estratégia que eles adotaram foi começar a vacinação com o maior número possível de pessoas. Isso porque com uma dose a vacina já dá uma boa proteção, forma anticorpos, mas com duas doses a quantidade de anticorpos é maior e possivelmente tem duração de proteção maior. Por isso se manteve as duas. Vai facilitar muito. De início, alcança o maior número de pessoas possíveis para ter um impacto nessa situação tão calamitosa.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.