13/04/2017 - 12:24
Desde o final do ano passado, está nas mãos do governo federal uma proposta de alteração da Lei de Sanidade Vegetal. Ela foi elaborada pelos técnicos do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), para ser estudada pela equipe do presidente Michel Temer e encaminhada ao processo de legalização. Trata-se da modernização do sistema de defesa vegetal do País, o que daria ao setor poder de fogo para agir com mais eficiência no controle das pragas e doenças, e reagir com mais rapidez nas emergências fitossanitárias. “O Mapa quer modernizar as normas porque o regulamento atual é de 1934, quando o Brasil ainda era um importador de alimentos”, diz Marcus Vinícius Segurado Coelho, diretor do Departamento de Sanidade Vegetal da Secretaria de Defesa Agropecuária. “Hoje, o País é um dos grandes exportadores mundiais agrícolas e tudo mudou.”
O projeto propõe duas mudanças cruciais para o controle de pragas. A primeira é a criação de um sistema integrado de combate, que coordena as ações do poder público nos níveis municipal, estadual e federal. A segunda é o aumento das punições para os responsáveis pela introdução de pragas e ervas daninhas em território nacional. “A maioria das pragas existentes na nossa agricultura não é nativa. Elas foram introduzidas no País devido aos descuidos na importação. Por isso, é preciso aprimorar a fiscalização sobre as entradas de produtos de origem vegetal”, diz Fábio Yoshio Kagi, gerente de Educação e Treinamento da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef). A entrada de pragas e plantas daninhas no País daninhas se dá por meio das fronteiras – inclusive por polinização. No caso de estradas, portos e aeroportos, existe o risco desses seres vivos serem introduzidos em território nacional junto com cargas importadas. Elas podem ser transportadas acidentalmente ainda em uma máquina ou até mesmo na roupa ou nos sapatos de alguém que esteve em uma área de contaminação.
Pela velha legislacão, o Mapa já possui um plano de contingência para eventuais introduções de pragas e doenças, que representam são um risco altíssimo para o País. Isso porque geralmente não há autorização oficial de uso de um defensivo específico para uma cultura atacada por uma praga exótica. E elas não são poucas. Na última década, pelo menos 35 pragas foram detectadas nas lavouras do País. Hoje, cinco são ameaças iminentes. Entre elas está a monilíase do cacaueiro, um fungo que pode ser pior que a vassoura de bruxa, doença que atacou os cacaueiros da Bahia e que por pouco não dizimou o setor há cerca de duas décadas. No ano 2000, quando a produção já havia caído para 191 mil toneladas de amêndoas, antes era de 320 mil, a dívida dos produtores com os bancos oficiais chegou a US$ 130 milhões. Já para uma infestação de monilíase, o perigo bate à porta. Por causa da seca do ano passado na Bahia e no Pará, o Brasil produziu 110 mil toneladas de amêndoas de cacau e importou de Gana, país africano, 57 mil toneladas. A monilíase é recorrente nas lavouras desse país. As outras ameaças para as lavouras são a cydia pononella, um inseto parasita de frutas e que já foi erradicado no Brasil e pode retornar; o fogo bacteriano da videira, bactéria que ataca os parreirais; e o amarelecimento letal do coqueiro, um fitoplasma, bactéria sem parede celular, que é a principal doença da fruta no mundo.
O surgimento de uma praga agrícola tem levado a imensas perdas financeiras, de modo geral bancadas pelos produtores. Segundo Coelho, entre as que já entraram no País, hoje três pragas são alvos do acompanhamento do Mapa: a helicoverpa armigera, o cancro cítrico e a mosca das frutas. De acordo com o Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea), a previsão de prejuízo na safra a ser fechada em 2017 é de R$ 1 bilhão para as lavouras de soja, milho e algodão, atacadas pela helicoverpa armigera, lagarta que se alimenta de cerca de 200 espécies vegetais. A praga, que chegou ao País em 2011, causou perdas da ordem de R$ 10 bilhões nas lavouras de grãos e algodão na safra seguinte.
No cancro cítrico da laranja, junto com a HLB das culturas de tipos cítricos, um velho conhecido dos pomares de frutas do Sudeste, chegam a 8% as perdas anuais de produtividade em uma lavoura atacada. Em setembro do ano passado, o Mapa aprovou novas normas para o controle da praga nos Estados de São Paulo e Paraná, que entram em vigor neste mês. A nova legislação estabelece quatro cenários para as áreas infestadas e permite novas estratégias de controle que não seja exclusivamente a erradicação da planta doente, como o controle biológico por exemplo. A terceira praga é a bactrocera carambolae, praga quarentenária em muitos países importadores de produtos agrícolas e que faz parte do grupo das chamadas “moscas-das-frutas”. “O Mapa conta com um programa específico para o controle e a erradicação desse organismo, que está presente apenas em algumas localidades da região Norte, mas causa grande preocupação no setor”, afirma Coelho. O Brasil segue com um grande potencial para exportação de frutas frescas, com previsão de passar a casa de US$ 1 bilhão em 2018.
Para Antonio Cesar Santos, da área de pesquisas em combate a insetos da multinacional americana Dow AgroSciences, uma das maiores empresas de sementes e defensivos agrícolas do mundo, a maioria das ameaças hoje tem se tornado globais. “Cada vez mais, as pragas são um problema específico de um cultivo, mais do que de um país”, afirma Santos. Ele destaca como exemplo a mosca branca, também conhecida como piolho-das-plantas ou piolho-farinhento. O inseto já foi observado reproduzindo-se em 506 diferentes espécies vegetais em todo o mundo. Ele suga a seiva de inúmeras plantas, mas no País tem afetado as culturas de soja e de algodão. “Até recentemente, a mosca não era um problema significativo. “Temos investido em informação, para ajudar o produtor a tomar decisões com agilidade.”
DANINHAS As boas práticas nas lavouras evitam um dos efeitos colaterais mais perversos do manejo sem base técnica: a resistência das invasoras aos agroquímicos. Para Marcel Sereguin Cabral de Melo, especialista de monitoramento de resistência de plantas daninhas da multinacional alemã Bayer, perder a eficácia de um agroquímico antes da indústria colocar no mercado o seu sucessor, torna os ataques de doenças e pragas cada vez mais perigosos nos anos seguintes. “Por isso, a integração dos produtos químicos com outros tipos de controle físico e biológico é importante para dar fôlego aos novos produtos”, afirma Melo.
Por exemplo, já existem casos de introdução de uma nova espécie de amaranto no norte de Mato Grosso, o amaranthus palmari, um tipo de caruru que tem se mostrado resistente aos principais herbicidas utilizados no campo, inclusive o glifosato aplicado nas lavouras transgênicas. O professor Mauro Antônio Rizzardi, da Universidade de Passo Fundo (RS), e parceiro da multinacional americana Dow AgroSciences em pesquisas sobre proteção de plantas, afirma que o amaranto tem causado grandes perdas em culturas de algodão e de soja nos Estados Unidos. “É uma espécie muito competitiva e de crescimento rápido”, diz Rizzardi. O pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, de Sete Lagoas (MG), Décio Karam, afirma que o País já está monitorando casos em Mato Grosso e teme novos eventos. “Se tivermos outros focos, principalmente vindos da Argentina, a situação pode sair do controle”, afirma Karam.
No controle das plantas invasores, monitorar o custo da lavoura é fundamental. Fernando Adegas, pesquisador da unidade Embrapa Soja, de Londrina (PR), na área de ervas daninhas, afirma que essa classe de plantas pode causar perdas acima de 50% na produtividade de uma cultura. “Normalmente, o custo do agroquímico para erradicar pragas é de até US$ 30 por hectare, em uma área de cultivo de grãos”, afirma Adegas. “Mas o valor pode ser até cinco vezes maior, caso as espécies a serem combatidas já sejam resistentes ao glifosato.” É o caso de duas invasoras nas lavouras: a buva, uma erva daninha de folha larga, e o capim amargoso, ambas presentes em cultivos de citros, café, algodão, milho, soja e trigo. “Já há relatos de plantas resistentes dessas duas daninhas, tanto ao glifosato como a defensivos à base da enzima accase”, diz Adegas. Produtos com essa enzima possuem um espectro estreito e direcionado para o controle de gramíneas anuais e perenes. “É preciso atenção no controle das invasoras”, afirma o pesquisador. “As empresas do setor de agroquímicos não têm planos de colocar no mercado substâncias que substituam esses defensivos nos próximos anos.”