28/06/2025 - 10:15
Três projetos elaborados por arquitetos e urbanistas negros foram selecionados para implantarem intervenções urbanísticas na área conhecida como Pequena África, região central do Rio de Janeiro.
Além de assinar as intervenções, os escolhidos dividirão prêmio de R$ 130 mil. O concurso foi promovido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e teve o resultado anunciado na última quarta-feira (25), na sede do banco público, no Rio.
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A ideia da concorrência era selecionar profissionais negros – ou equipes comandas por negros – para criar uma espécie de museu a céu aberto na região da Pequena África, berço da presença africana no Brasil.
A concorrência, lançada no dia 21 de março – quando foi celebrado o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé – determinava que as propostas deveriam contribuir para a criação de um ambiente urbano integrado e funcional.
Os projetos podiam abranger ações culturais, estratégias de mobilidade urbana e soluções de comunicação visual, mobiliário urbano e intervenções de pequeno porte. Tudo com foco na valorização do patrimônio, no estímulo à economia criativa e na ampliação do acesso à cultura. A ideia é fazer com que visitantes que passeiem pela região se percebam em um museu a céu aberto.
Vencedores
Três propostas foram selecionadas, dentre as 13 que atenderam aos critérios do edital.
- 1º colocado: projeto Pequena África: Memória Continental, liderado pela arquiteta americana Sara Zewde (prêmio de R$ 78 mil);
- 2º colocado: projeto Pequena África: Território Akpalô, dos arquitetos brasilienses Carlos Henrique Magalhães de Lima e Júlia Huff Theodoro (prêmio de R$ 39 mil);
- 3º colocado: projeto Sankofa e a Trama da Pequena África, desenvolvido pelo arquiteto Clovis Nascimento Junior e o escritório Patrícia Akinaga Arquitetura Paisagística, Desenho Urbano e Planejamento (prêmio de R$ 13 mil).
Todos os vencedores passaram por banca de heteroidentificação – procedimento em que terceiros analisam as características físicas de uma pessoa para identificar a cor ou etnia.
Os projetos foram avaliados por um júri composto por cinco representantes:
- Prefeitura do Rio de Janeiro;
- Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB);
- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan);
- Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU);
- Comitê Gestor do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo (reúne representantes da sociedade civil e de governos).
A arquiteta primeira colocada, Sara Zewde (imagem de destaque), contou que, desde que as ruínas do Cais do Valongo começaram a ser descobertas, pensava na possibilidade de usar as habilidades da arquitetura para contar a história da diáspora africana.
“A ideia é criar um padrão de pavimento que tenha esse impacto cultural e que todo mundo saiba dessas histórias da diáspora”, explicou Sara Zewde, que revelou ter se inspirado no famoso calçadão da Praia de Copacabana.
De acordo com o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, o concurso permite repensar o território com valorização da identidade local.
“O fortalecimento da Pequena África faz parte de uma estratégia de desenvolvimento urbano e cultural que reconhece a importância histórica e simbólica dessa região na formação do Rio de Janeiro e do Brasil”, disse Mercadante.
Patrimônio e valorização
O Sítio Arqueológico do Cais do Valongo, uma das principais atrações da Pequena África, é reconhecido como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O título faz com que o governo brasileiro tenha compromissos para restauração, conservação e promoção do espaço. O BNDES, banco público que apoia iniciativas de desenvolvimento econômico e social, se dispôs a participar dos esforços do governo brasileiro.
Pequena África
A Pequena África já é considerada uma das regiões mais visitadas por turistas no Rio de Janeiro e concentra dezenas de quadras na região portuária, sendo um registro geográfico da chegada ao Brasil de africanos escravizados.
Um passeio pelas ruas da Pequena África se transforma em uma aula sobre a influência negra na construção das identidades carioca e brasileira. Na região, além de sítios arqueológicos, como o Cais do Valongo e o Cemitério dos Pretos Novos, ficam pontos marcantes do legado africano na cidade, como o Quilombo da Pedra do Sal, a Casa da Tia Ciata – matriarca do samba ─ e o Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (Muhcab).
Um dos locais de maior importância é o Valongo. Historiadores estimam que cerca de 1 milhão de escravizados tenham desembarcado nas Américas pelo Cais do Valongo.
Entre 1772 e 1830, o Cemitério dos Pretos Novos era local de sepultamento dos escravizados que morriam após a entrada dos navios negreiros na Baía de Guanabara ou imediatamente depois do desembarque, antes mesmo de serem vendidos. Hoje, existe no local o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos (IPN), que pesquisa e preserva esse patrimônio material e imaterial africano.
Centro Cultural Rio-África
Não é a primeira vez que uma iniciativa busca protagonismo de afrodescendentes em intervenções arquitetônicas e urbanísticas na Pequena África. Em julho de 2024, foi lançado um concurso promovido pela prefeitura do Rio de Janeiro e pelo departamento fluminense do Instituto dos Arquitetos do Brasil, para escolher um arquiteto negro responsável pelo futuro Centro Cultural Rio-África.
O projeto vencedor é assinado pelo arquiteto Marcus Vinicius Damon Martins de Souza Rodrigues, do Estúdio Modulo de Arquitetura e Urbanismo, de São Paulo.