Beijo ao sol: na entrada da vinícola, os visitantes são surpreendidos com a bela e sugestiva escultura em ferro fundido

Apreciar obras de arte assim como se degusta uma boa taça de vinho faz parte da cultura do “savoir-vivre”. Mas Philipe Raoux, um franco-argelino radicado em Bordeaux há 50 anos, conseguiu unir as duas paixões de maneira muito singular: transformou sua vinícola, o Châteaux D’Arsac em uma galeria a céu aberto. São mais de 200 obras, entre esculturas, quadros e outras “intervenções” espalhadas pelos 112 hectares do châteaux. Raoux explica que boa parte delas é de sua coleção particular, mas que tem planos de reservar pelo menos 150 mil euros da receita anual da vinícola para formar um acervo próprio para o D’Arsac. “Não há uma reflexão predominante. Escolho cada obra pela harmonia que ela apresenta e tento conciliar essa harmonia com o local onde a obra será exposta”, diz. O resultado é uma inusitada combinação entre imensas filas de parreiras e uma série de esculturas em ferro ou em bronze separando um canteiro e outro. Na entrada da vinícola, uma escultura em ferro fundido pintada em amarelo chama a atenção tanto pela cor como pelo tamanho. Olhando mais atentamente, percebe-se que a obra é um rosto que olha em direção ao céu e, não por acaso, a escultura se chama Beijo ao Sol.

Livre expressão: a diversidade é uma das características das obras expostas no Château D’Arsac

Philipe Raoux diz que não tem predileções por uma escola artística em particular, mas é inegável a predominância das obras de Susumu Shingu, um expoente nome da arte moderna japonesa que tem encantado os exigentes europeus. Há ainda obras assinadas por Niki de Saint Phalle, Bernar Venet, Follon e Jean-Pierre Raynaud. “Infelizmente, não tenho nada do Brasil aqui e, para ser sincero, preciso conhecer melhor a produção artística brasileira”, afirma Raoux, que faz questão de ressalvar ser um bom conhecer da música popular brasileira. O empresário reconhece que também precisa aumentar a presença da arte latino-americana. “A produção chilena e argentina são excepcionais, assim como a arte que se faz no México.”

Dez mil turistas

visitam anualmente as mais de 200 obras espalhadas pelo Château

A vinícola recebe entre cinco mil e dez mil visitantes por ano, de diversas nacionalidades. “É muito bom ver a expressão de surpresa de cada turista. Ainda mais quando reconhecem a obra de algum compatriota”, revela Raoux, lamentando a pouca presença de brasileiros entre os visitantes. Ele conta que a ideia de espalhar obras de arte pelos 112 hectares do D’Arsac surgiu junto com a necessidade de diferenciar sua vinícola das demais. Só na região de Bordeaux há mais de dez mil produtores de vinho espalhados por 117,5 mil hectares. É uma concorrência e tanto.

 

Arte moderna: nas mais de 200 obras, as mais diversas manifestações culturais

As obras de arte não são o único diferencial do château. Segundo Sylvie Lepinay, diretora de comunicação do D’Arsac, a cada ano a vinícola produz uma edição de vinhos especiais – batizada de Winemaker’s Colection – que tem o acompanhamento de um renomado somellier. “Esses profissionais acompanham não só o preparo para a plantação, o cultivo e a colheita, como orientam as misturas para criar o “néctar dos sonhos”, diz Sylvie, lembrando que já passaram pelo D’Arsac nomes como Michel Rolland, Denis Dubourdieu, Andrea Franchetti, Stéphane Derenoncourt e Eric Boissenot. A safra especial produzida anualmente não passa de 300 garrafas, e a produção total do château gira em torno de 450 mil garrafas dos tipos Margaux e Medoc. E, para quem pensa que essas raridades são para poucos bolsos, a boa notícia: cada garrafa da edição especial custa apenas 20 euros.

Predomínio japonês: as obras de Susumu Shingu estão na sede e nos vinhedos do Châteaux

Néctar dos sonhos: na adega, onde a arte também se faz presente, se degustam os vinhos especiais produzidos anualmente

Outro bom motivo para incluir o D’Arsac no roteiro de viagem por Bordeaux é sua história. O Chateaux, comprado pela família Raoux em 1986, tem mais de 900 anos. O fundador do castelo foi Sire D’Arsac no século 12. No século 16, a propriedade mudou de mãos e foi comprado por Thomas Montaigne – irmão do famoso filósofo. Foi Montaigne quem transformou o “terroir” numa grande plantação de uvas e começou com as do tipo merlot e cabernet sauvignon. A família Raoux também tem tradição e história. Os pais de monsieur Philipe deixaram a Argélia no auge do conflito com a França, em 1962. Natural de Oran, a família já tinha viniticultura quando migrou para Bordeaux.

Sylvie afirma que o Château D’Arsac recebe visitantes durante todo o ano. Além das obras de arte espalhadas pela vinícola, há degustação dos vinhos produzidos na casa em uma adega aconchegante e não menos encantadora com esculturas e quadros espalhados pelo local. O château fica a cerca de 40 minutos do centro de Bordeaux e o mais indicado para quem não conhece bem a região é procurar o escritório de turismo no centro da cidade. Ali é possível agendar a visita, que inclui veículo e motorista. Se for a Bordeaux, vale a pena reservar pelo menos parte do dia para visitar 900 anos de história e apreciar o resultado de uma iniciativa ímpar. Afinal, não é todo dia que se pode degustar uma boa taça de vinho como quem aprecia uma boa obra de arte. Ou vice-versa.